domingo, 28 de junho de 2015

A Nota da Pastoral: tempos difíceis ou sinais do fim do mundo?







Espantoso o debate envolvendo o Governador Flávio Dino e o representante da Pastoral Carcerária no Maranhão. Algo que deveria ser um momento de diálogo entre governo e sociedade civil descambou para o campo da desqualificação pessoal e para o ataque à honra subjetiva do padre Roberto Perez Cordova.

No dia 27, em reunião com diferentes entidades da sociedade civil em que se apresentava o projeto de lei da criação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura e o Comitê Estadual de Combate à Tortura, o Governador apresentou um cenário de melhoria do sistema prisional e foi questionado pelo coordenador da Pastoral.

Visivelmente, irritado, o governador afirmou que o padre não conhecia a história do Maranhão, que sua posição era uma postura política e preconceituosa, e que ele não tinha senso crítico.

O episódio culminou com uma nota da entidade, seguida de uma resposta oficial do governo mais ofensiva ainda. Não satisfeito, o governador ainda replicou no twitter mais ofensas pessoais ao padre Roberto Perez Cordova. Afirmo que aquilo que poderia ser um debate se transformou em ofensa pessoal ao padre, por vários motivos:

a) O padre Roberto Perez Cordova não estava na reunião como pessoa física e sim representando uma entidade da sociedade civil com longa trajetória de acompanhamento do sistema prisional brasileiro;

b) Os adjetivos e termos utilizados na nota oficial, tipo "a nota é absolutamente inverídica"; "a nota atribuída à Pastoral Carcerária deriva da revelação de que um dos seus membros recebia remuneração indevida de uma empresa terceirizada no sistema penitenciário. O que gera, aí sim, reações prepotentes e descontroladas", traduzem bem a marca da agressão e não o desejo de debater;

c) No twitter, lê-se claramente o governador afirmando: "Qual a legitimidade da crítica de alguém que recebia dinheiro do Governo anterior e está irritado por que perdeu a benesse??", ou "Nosso governo se recusa a pagar "mensalinhos". Para qualquer autoridade: civil, militar ou eclesiástica. Isso desperta reações lamentaveis".



d) Tais ofensas foram praticadas também pelo próprio governador, que acusa o padre de haver recebido salário ilegal do Governo anterior. Isso é grave. Para o governo atual, o padre Roberto não teria legitimidade para criticar as condições atuais do sistema penitenciário porque simplesmente seria criminoso ou corrupto.

e) E a acusação do percebimento de salário ilegal é apontada em relação ao padre Roberto, omitindo que as empresas terceirizadas continuam a operar contratos por indicações de aliados do atual governo, envolvido nas tradicionais práticas de empreguismo de parentes. Quer dizer: para quem não colabora com o governo é crime, para quem o apoia, não. E lembramos que tais mecanismos não traduzem qualquer ilegalidade, sobretudo quando não envolvem clientelismo e patrimonialismo. E não foi o caso do padre, mexicano de origem, apartidário e sem demanda por emprego.

Esse modo de lidar com a crítica revela a antiga estratégia de tangenciar o debate na arena pública para tentar desqualificar a opinião divergente, atacando as pessoas e não seus argumentosl. Nem de longe isso representa a mudança e nem tampouco a esperança.

As críticas que a Pastoral Carcerária faz ao sistema penitenciário maranhense são acertadas, porque resta claro que nenhuma mudança estrutural poderá ser feita em tão pouco tempo. Por isso não é hora de fazer autoelogios, mas sim de reconhecer limites, abrir o governo para a participação da sociedade civil, criar mecanismos de controle e fiscalização dos presídios, preparar o sistema para um novo paradigma.

Muito do que se propala hoje como obra desse governo já havia ocorrido no final do governo anterior, a partir da construção de um espaço crítico, sobretudo depois da denúncia internacional, onde várias entidades do Estado figuram como peticionárias. Dou como exemplo: desde setembro até dezembro não havia ocorrência de mortes, nem de fugas; os presos voltaram para as celas; as facções foram separadas em presídios diferentes (e esse é um debate com o qual nos preocupamos, porque não sabemos que tipo de soluções o governo dará para recuperar o direito do preso ao regime escalonado previsto na execução penal).

O retorno das fugas e das mortes foram assinaladas pela SMDH, no balanço dos 100 dias de governo (https://smdhvida.wordpress.com/violencia-e-letalidade-poli…/). Era disso que tratava padre Roberto quando foi deselegantemente rebatido pelo governador. E muito mais teria eu a dizer sobre os sinais visíveis de retrocesso, incluindo a ausência de diálogo, o retorno dos ficha-suja nos cargos estratégicos, o esvaziamento da função da correição, o desmantelamento da escolta hospitalar etc.

Não aconselharia ninguém a participar do governo anterior e nem deste mas reconheço na pessoa do padre Roberto um idealista, como tantos outros, que participaram de governos, por vezes pagando despesas do próprio bolso. Tentar desqualificá-lo a ponto de acusá-lo de práticas criminosas significa que esse governo já está ultrapassando todos os limites do aceitável.

E isso é triste, poque o papel das entidades da sociedade civil é fazer a necessária tensão para que os governos acertem, avancem e garantam cada vez mais os direitos de todos e todas. Interpretar a função da crítica como ameaça relembra os sombrios tempos das ditaduras. Essa é minha posição pessoal sobre o assunto.

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