quinta-feira, 14 de maio de 2015

13 de Maio: Redução da maioridade penal e a luta por “ações compensatórias” - Por Paulo Henrique Silva


13/05/2015



A aprovação da redução da maioridade penal é a continuidade do dia 13. É um dia de denúncia.


No dia 13 de Maio de 1888, a Princesa Isabel, então regente do trono em função do afastamento de seu Pai, Dom Pedro II, assinava a lei que extinguia a escravidão no Brasil, pondo fim a quatro séculos de exploração oficial da mão-de-obra de Africanos e afro-descendentes nesta Nação, mais que qualquer outra, por eles constituída.

O dia 13 de maio é como um estandarte para os brancos e para o Estado brasileiro funciona como a desculpa e justificativa de que os brancos pagaram suas dívidas em relação ao racismo e ao processo de escravidão. Usam o dia 13, como escudo para se defender do racismo que cotidianamente se agrava no país. Digo isso, porque durante muito tempo se usou a data para argumentar da tolerância dos portugueses e brasileiros brancos, apresentando o feito, como fruto da bondade e da humanidade da coroa e dos brancos em relação aos negros e mais uma vez se perpetua o vício do debate personalista no Brasil. A grande festa em torno do dia 13 significa assumir a posição de que a história é construída por desígnios individuais e não por ações coletivas. A versão da abolição como fruto da “bondade” da princesa branca é parte de uma versão da história brasileira contada fantasiosamente, como a “colonização doce” dos portugueses, que mascara a colonização massacrante dos portugueses na África e nas Américas.

O processo que resultou na abolição da escravatura pouco tem de razões humanitárias, embora elas estejam incluídas também. As forças econômicas no século XIX subjacentes à revolução Industrial, tendo como protagonista uma Inglaterra sedenta pela expansão de mercados para seus produtos manufaturados empurravam a coroa Imperial à libertar seus escravos. Pressões diversas da Grã-Bretanha sobre o governo brasileiro, em especial a lei que proibia o tráfico de escravos, o aumento das lutas dos escravos em território nacional que promoviam inúmeras revoltas sangrentas, queima de engenhos e a destruição de fazendas, tudo isso se vinculava ao aumento dos preços/custo da produção impossibilitando a manutenção do sistema.

Chegamos então ao dia 13 de Maio, quando negros e negras de todo o país (ao menos nas regiões onde o telégrafo existia) comemoravam sua liberdade. Mas no dia 14 começava a contagem dos anos de exploração pelo governo brasileiro, não mais de escravos, mas de negros “livres” que disputariam o espaço na sociedade brasileira e no mercado de trabalho com os imigrantes europeus que chegavam. Sem nenhuma lei que garantia um pedaço de terra (assim como foi garantida para os imigrantes), sem nenhuma proteção legal, o negro agora era livre para escolher a ponte sob a qual preferia morrer. Na missão do estado brasileiro de embranquecer física e culturalmente a população, o governo brasileiro é protagonista na nova etapa e condição social do negro no Brasil. De escravos se tornaram favelados, meninos de rua, vitimas preferenciais da violência policial, descriminados pela sua religião, cultura, no mercado de trabalho, na comunicação tendo que lidar com o palpel da mídia na construção do negro no imaginário nacional. E com o mito da “democracia racial”, com destaque para o seu maior formulador Gilberto Freyre, o negro agora era curiosamente parte de uma sociedade onde todos eram iguais, viviam em comunhão, onde não havia racismo. Agora os brancos podiam oprimir, sem ter remorso, o estado poderia perpetuar e aprimorar o genocídio da população negra sem ser judicializado. Com o mito da democracia racial, o negro que denuncia a descriminação racial é enquadrado nas categorias de “complexado” “ressentido”, o negro que se organiza é tido como “subversivo” e tem que enfrentar os argumentos do “racismo reverso”.

Atualmente o grande debate do movimento negro é a defesa das “ações afirmativas” que vou chamar aqui de “ações compensatórias”, mesmo termo usado por Abdias do Nascimento. A defesa se sustenta na compreensão de que a igualdade não pode ser abstrata (assim como o é na constituição), mas uma igualdade real, isso implica ao Estado e organizações adotar políticas de promoção da igualdade para grupos historicamente excluídos. Em discurso proferido pelo Senador Abdias Nascimento por ocasião dos 110 anos da Abolição no Senado Federal afirma que: ““Ação afirmativa” ou “ação compensatória”, é, pois, um instrumento, ou conjunto de instrumentos, utilizado para promover a igualdade de oportunidades no emprego, na educação, no acesso à moradia e no mundo dos negócios, na mídia (uma medida adotada nos EUA), na participação política, etc. Por meio deles, o Estado, a universidade e organizações podem não apenas remediar a discriminação passada e presente, mas também prevenir a discriminação futura, num esforço para se chegar a uma sociedade inclusiva, aberta à participação igualitária de todos os cidadãos”. Acredito que se o Estado não pautar esses avanço em políticas mais abrangentes, os demais órgãos não vão tomar a iniciativa de forma massiva, por isso, debato que o grande agente de transformação, ampliação das políticas de “ações compensatórias” no Brasil é papel do Estado.

Somente em 2012 que se adotou uma política mais ampla na educação, mas que só abrange Universidades Federais, além de que a forma de aplicação da política tem inúmeros problemas que não garantem sua efetividade completa que minimiza sua abrangência. É necessário ao Estado adotar políticas públicas de “ações compensatórias” para os negros e garantir seu acesso à saúde considerando que a população negra é a mais invisibilizada pelo estado nas campanhas de promoção da saúde, em especial à prevenção de doenças específicas que mais afetam a população negra (como glaucoma, anemia falciforme…) e ampliar o debate sobre o racismo no SUS e sobre as inúmeras violências à população negra, como por exemplo a violência obstétrica, que afeta em massa as mulheres negras. Criar e expandir as políticas no mercado de trabalho (assim como a lei dos dois terços, que legisla sobre vagas para deficientes físicos nas empresas), acesso nas mídias de massas de uma forma que desconstrua a figura sexual do negro, ou de assistente, aquele que fica servindo o branco, e atualmente a mais preocupante, nos programas policiais em que perpetuam a figura dos negros como traficantes, favelados e animais de impulso perverso, inclinados ao “mal”.

Comparado ao processo de quase 400 anos escravidão e de outros 127 que se completam hoje de exclusão e segregação racial, nada foi feito para reparação e inserção do negro na sociedade brasileira. Outro ponto que agrava a situação pós abolição é o próprio processo capitalista e da “inserção” do negro na sociedade de classes, processo que intensificaram essa exclusão. Já falei brevemente desse processo pós-abolição e da situação que o negro enfrentara, mas agora quero com o a citação de Florestan Fernandes no seu livro “A integração do Negro na sociedade de Classes” debater mais sobre isso e fazer uma paralelo com a atual conjuntura brasileira. Ele diz: “Como não se manifestou nenhuma impulsão coletiva que induzisse os brancos a discernir a necessidade, a legitimidade e a urgência de reparações sociais para proteger o negro (como pessoa e como grupo) nessa fase de transição [do trabalho escravo para o livre], viver na cidade pressupunha, para ele, condenar-se a uma existência ambígua e marginal. Em suma, a sociedade brasileira largou o negro a seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de reeducar-se e de transformar-se para corresponder aos novos padrões e ideais de homem, criados pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e do capitalismo”.(Florestan Fernandes. ‘A integração do negro na sociedade de classes’. 1978, p. 20).

Esse estudo de Florestan é essencial para esse debate do processo de exclusão do negro pelo fato do racismo andando em conjunto com o processo do capitalismo no país agravando condição do negro na sociedade. Atualmente se reacende a proposta da redução da maioridade penal, mais uma política, se aprovada, mostra que a prioridade do estado brasileiro em relação à juventude negra é o trabalhar para o seu extermínio. A juventude negra será a mais afetada e atualmente é a que mais sofre com o encarceramento. Ao que parece é um fato recorrente e histórico no Brasil negar direitos básicos e a inserção social dos grupos marginalizados. Nossa política está pautada na marginalização, no abandono e na invisibilidade o que corrobora com a decisão de ontem da CCJ ao considerar constitucional a medida sobre a redução da idade penal. Para as classes dominantes, é mais cômodo prender do que garantir direitos. Mas se enganam aos que pensam que o relato aí de cima não está ligado com os fatos do presente, não só se enganam como repetem os mesmo erros, as mesmas políticas. Políticas que garantem e delimitam um Brasil para poucos, ao contrário do que dizia o slogan do governo “Brasil um país de todos” e do que diz agora “Pátria Educadora”, o Brasil como apontou Florestan era e continua sendo um país das elites. Há séculos, as políticas do Estado brasileiro compreendem um projeto genocida que é justificável por todos os sistemas penais que já existiram. A lei que está aí é cidadã, mas nem todos os brasileiros são cidadãos e com certeza a população negra ainda luta para se incluir nesses termos. Esse projeto é aprimorado na lógica capitalista, em que as classes dominantes exploram a classe trabalhadora para obtenção do lucro. No sistema penal neo-liberal “as sobras do capital” tem classe e cor, faixa etária também. O Brasil é o país perfeito para exterminar, pois as ofensivas partem de duas lógicas, a capitalista e a racista. Se é negro não tem espaço, se não faz parte das elites será explorado no trabalho e até mesmo estará sujeito ao desemprego.Poucas opções resta nesse sistema racista e elitista neoliberal.

A aprovação da redução da maioridade penal é a continuidade do dia 13, de um dia em que abolimos a escravidão, mas não garantimos nada para que uma população pudesse ser incluída, gozasse de direitos. Por isso afirmo que 13 de Maio não é dia de negro, não é dia de comemoração, é dia de denúncia!

Paulo Henrique Silva, militante do PSOL Londrina e da Regional CSOL-Insurgência Paraná

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