quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Uma liminar à deriva

Quando um juiz, como Márlon Jacinto Reis. da Comarca de Senador La Roque, tem a coragem de suspender um despejo judicial programado, o ato judicial vira notícia às avessas. Isso porque o comum é o contrário. Geralmente os juízes promovem os despejos forçados no Maranhão, de povoados inteiros, não importando se têm escola, energia elétrica, água encanada, ou qualquer outro benefício do Poder Público, como reconhecimento informal de uma posse eivada de interesse social. Salta aos olhos o assunto retratar curiosidade e perplexidade na sociedade local, o que denuncia que o Poder Judiciário não age tradicionalmente dessa forma. Resta evidente que existe um segmento importante da sociedade não quer um Poder Judiciário sensível ao sofrimento dos mais fracos. E muitos juízes sabem disso e resolvem ficar do lado dos grandes interesses econômicos, os mesmos que estão por trás da violência fundiária. Somos sabedores que o Poder Judiciário, por intermédio da Escola de Formação da Magistratura, promove,  amanhã e depois, um treinamento sobre trabalho escravo e trabalho infantil. A iniciativa é importante, embora muitos magistrados não veja relação nenhuma entre sua atuação, promovendo despejos forçados, e os escandalosos índices de trabalho escravo que acometem os maranhenses. No despacho do Juiz Márlon, cita-se a obra "Balsa da Medusa", de Théodor Géricault, como vemos abaixo:

DESPACHO

Acabo de assumir a presidência deste feito, designado que fui pela Corregedoria Geral da Justiça para, desde o dia de ontem, responder cumulativamente por esta Comarca até a chegada do seu novo titular. Deparo-me com estes autos, onde adotada medida extrema, que pela forma como vazadas a petição inicial e o ato decisóri...
o imediatamente proferido por meu antecessor, sequer me dá segurança quanto ao número e a condição dos afetados. E sabido que as medidas liminares em ações possessórias demandam, para o seu deferimento, análise de aspectos não apenas jurídicos, mas igualmente institucionais e sociais. Há que se ponderar, igualmente, sobre os riscos inerentes ao cumprimento de medidas tão extremas, especialmente à mingua de maiores informações sobre o que de fato representam as expressões "e outros" e "outros incertos e desconhecidos". Se estou agora no comando da marcha deste feito, devo admitir que sou por ele o maior responsável desde agora. Daí que - para não me comportar como o náufrago na "Balsa da Medusa", magistralmente retratada a óleo por Théodore Géricault - considero mais do que prudente determinar a imediata suspensão do cumprimento da medida de tutela possessória prolatada neste feito. Determino, por isso, à Secretaria Judicial, proceda o imediato recolhimento de todos os mandados e expeça os ofícios necessários à desmobilização do aparato estatal eventualmente mobilizado para dar cumprimento à sentença de fls. 220/224, cuja execução fica suspensa até análise mais acurada por parte deste Juízo. Após o cumprimento da determinação supra, proceda a Secretaria Judicial a imediata conclusão dos autos. Senador La Rocque (MA), 4 de dezembro de 2012. MÁRLON JACINTO REIS Juiz de Direito Resp: 150813.


A obra citada corresponde a essa magistral pintura a óleo:




Ela retrata o naufrágio da poderosa fragata Medusa, no ano de 1816, entre a França e o Senegal. A embarcação era considerada a mais veloz e moderna de todos os tempos. Havia quatrocentos passageiros à bordo e 147 que não couberam nos botes de salva-vidas amotoaram-se numa improvisada balsa, construída precariamente com restos da embarcação. Foi chamada de "A balsa da Medusa".

Sem água e sem comida, vinte náufragos desapareceram no oceano na primeira noite. No segundo dia 65 foram mortos a tiros pelos oficiais, aparentemente enlouquecidos. Diante dos famintos, desidratados e queimados pelo sol abrasante, sobressaiu-se o médico Jean-Baptiste Henry Savigny, que orientou que todos bebessem a água do mar diluída com urina, para diminuir os efeitos da desidratação.

O médico dissecou os corpos dos que iam morrendo e colocando para secar ao sol tiras de carne, que foram consumidas como alimento. Depois de 13 dias à deriva, os sobreviventes da balsa foram resgatados por um pequeno navio mercante. Eram apenas quinze.

A balsa dos náufragos sem dúvida é uma boa imagem do Poder Judiciário que atua contra os interesses da justiça social.



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