sábado, 6 de outubro de 2012

IDEÁRIOS - Marcos Rolim


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06 de outubro de 2012


Antes de cada indivíduo há a cultura e, antes dela, a história.
O que somos, como o disse Sartre, é sempre o resultado daquilo que fazemos com aquilo que fizeram de nós. Somos o produto desse cruzamento entre o que é singular e irrepetível e o que é comum e reiterado socialmente. Forma-se um indivíduo com sociedade. O processo mesmo de individualização pressupõe socialização: incorporação de normas, valores e conhecimentos, aprendizado afetivo, desenvolvimento do gosto, definição de sensibilidades. Nos formamos como indivíduos na medida em que a sociedade é introjetada como norma e expectativa. Por isso, em cada um de nós há milhões de pessoas que vieram antes. Carregamos seus pensamentos, seus acertos e seus erros.Somos moldados por suas posturas e símbolos, pela coragem que tiveram e por suas covardias; pelo que iluminaram e pelo que cegaram; nossas muitas heranças e contradições.

O Brasil segue com um impressionante déficit civilizatório, porque nos faltam ideários. Para começar, nos ressentimos imensamente da ausência de uma tradição liberal. O Brasil náo tem liberais. Nunca os teve. Aquilo que se diz aqui em nome do liberalismo é, via de regra, expressão do cinismo. A noção básica de que as pessoas possuem direitos que devem ser respeitados incondicionalmente – independente de quem sejam as pessoas – é coisa abstrata demais para ser compreendida pelo senso comum embrutecido.

O mesmo vale para a afirmação: as pessoas têm deveres para honrar incondicionalmente. Claro, porque não há direito sem dever correspondente, nem dever que não pressuponha direito. Mas porque nunca tivemos o ideário liberal, também não desenvolvemos o gosto pela democracia. Ditadura, aliás, é uma palavra apreciada por cerca de 1/3 dos brasileiros que estarão votando neste domingo e o gosto pelos caudilhos, pelas soluções violentas, pelas armas de fogo, pela necessidade de punir fisicamente os que “merecem” sofrer, pela homofobia, pelo racismo, transita faceiro por nosso imaginário, povoando-o de seres primitivos. Pela mesma razão, nossa imprensa segue desconsiderando a diferença entre suspeitos, indiciados, denunciados e condenados. Para ela, todos são “bandidos”.

Marx estava certo quanto disse que as gerações mortas oprimem como um pesadelo o cérebro dos vivos. Na política brasileira, direita e esquerda se dissolveram na herança getulista. O lulismo é a mais recente manifestação deste caldo pragmático que reúne gregos e troianos em torno da redução do IPI dos automóveis, no apoio à ROTA em São Paulo, nas procissões religiosas, na guerra contra as drogas, no peleguismo sindical e em Belo Monte. Com as exceções conhecidas, esquerda e direita no Brasil compram votos e usam a máquina pública para fins privados com a mesma desenvoltura; desprezam as ideias e a liberdade com igual arrogância e nada têm a dizer sobre os problemas complexos de nossa época. São esfinges sem qualquer enigma, antes de tudo, porque se criaram num País sem ideários. Também por isso, as opções eleitorais se assemelham tanto e a crítica mais radical que recebem tem um viés udenista. E assim seguimos, em pleno século XXI, entre o getulismo e o udenismo, mais órfãos do que nunca, enganados em todas as certezas e certos em alguns de nossos enganos.

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