quarta-feira, 22 de abril de 2009

Sobre a Legitimidade do Voto


A classe dos juristas começa a opinar. Tudo indica que a decisão do TSE de empossar o segundo colocado não emplaca para 2.010.



E S T A D O D E M I N A S ● T E R Ç A - F E I R A , 2 D E D E Z E M B R O D E 2 0 0 8
JOSÉ NILO DE CASTRO
Advogado publicista, presidente do Instituto de Direito Municipal

Legitimidade democrática

Impactante, a manchete “À espera de um prefeito – Eleitos em 20 municípios de Minas podem ser cassados antes mesmo da posse” (EM, 29/11) chamou-me a atenção sobre a legitimidade democrática.

No artigo 14 da Constituição Federal, está estabelecida a arquitetura indestrutível da soberania popular.O povo soberano é o dono do poder (artigo 1º, parágrafo único, da CF) e, pelo voto soberano, decide que governo quer, prestigiando a democracia e perenizando a República. A sua vontade, imaculada na escolha, pode ser, por outro lado, conspurcada pelos famigerados processos de “tapetão”: adversários derrotados ou prevendo derrotas político-eleitorais inviabilizam ou tentam inviabilizar, na Justiça Eleitoral, a fruição do patrimônio jurídico resultante das urnas. Patologia do sistema! Seria uma das idéias falsas da democracia representativa a que faz referência o jus-filósofo francês Émile-Auguste Chartier, conhecido por Alain, quando afirma que o povo governa? Realmente, falta povo e sobram “nobres” interessados, vencidos na consulta popular, querendo governar, contra a vontade já previamente demonstrada da maioria. Entretanto, à guisa de existência de eleições suspeitas, não pelo cidadão sufragante, cuja vontade é soberanamente virginalizada na escolha, constata-se o advento de nova era, a de que quem for derrotado nas urnas não deverá empossar-se no lugar de quem venceu as eleições majoritárias e teve o mandato cassado pela Justiça Eleitoral.

Viceja, há muitos anos, na história do constitucionalismo, e está expressamente previsto na Constituição (arts. 1º, parágrafo único,e77, parágrafo 2º) o princípio da maioria na democracia representativa.
Nesse sentido de direção, e a partir do momento em que o Tribunal Superior Eleitoral (TRE) puniu atos da infidelidade partidária e o Supremo Tribunal Federal (STF) convalidou a constitucionalidade da decisão do TSE, proclamando que os votos pertencem ao partido, não ao eleito, revela-se tão indissociavelmente estranha quanto inaceitável, noplano da Constituição, a hipótese de o candidato derrotado nas urnas ser empossado no lugar de quem vencera, mas cujo mandato fora cassado. Procedendo assim, não se teria democracia representativa legítima e, sim, uma contra democracia.
A soberania do eleitor já foi inquestionavelmente agredida pela decretação da perda do mandato de seu eleito vencedor. E será mais terrivelmente se o vencido for empossado no lugar do vencedor. Quid juris? Novas eleições devem ser realizadas no pleito majoritário, não se diplomando e tampouco se empossando quem fora vencido, pois, assim agindo, estaria infringindo o princípio constitucional da maioria, que decide quem deve governar. A minoria não pode ser nem ter governo sobre a maioria.

Nesse quadro, então, que se ouçam de novo as urnas ,a vontade popular, que é legitimamente o único poder a conferir mandato, não decisão judicial no sistema político da representatividade. A questão terá seguramente resposta positiva pelo STF, quando fora apreciada e julgada a argüição de descumprimento de preceito fundamental, proposta recentemente pelo PSDB.

Destarte, os princípios da soberania popular – cláusula pétrea da Constituição –, da democracia e da maioria têm conexão intrínseca. A democracia tem como suporte ineliminável o princípio majoritário, como ensina J. J. Gomes Canotilho, razão pela qual o princípio constitucional da maioria não se compadece da praxe de diplomar e de empossar candidato, que, em eleições majoritárias, fora derrotado. Esse modelo de solução é do passado. Com efeito, foi reconhecido pelo STF e pelo TSE que o voto do eleitor pertence ao partido. Assim, quando a legenda é vitoriosa no pleito e seu candidato vencedor nas eleições majoritárias,tem decretada a perda do mandato eletivo pela Justiça Eleitoral, assiste-lhe, ao partido, o direito de pugnar por novas eleições, validando a continuidade doprocesso democrático. Em conseqüência, as urnas devem falar de novo, sob pena de a Constituição ser violada e jamais, por comodidade ou por interpretações malsãs e ao arrepio da Lex Legum ou por outro motivo qualquer, determinar a diplomação ou a posse do candidato derrotado pela vontade da maioria, porque, se assim o fizer, resultará na ilegitimidade democrática.


José Nilo de Castro - Bacharel em Direito pela UFMG; Mestre e especialista em Direito Público pela UFMG; Doutor de Universidade (especialização em Direito Administrativo) e Doutor de Estado (especialização em Direito Público), pela Université de Droit, d'Économie et de Sciences Sociales de Paris (PARIS II) França; Ex-Prof. Adjunto II de Direito Administrativo da Faculdade de Direito Milton Campos; Advogado militante, na área de Direito Constitucional, Administrativo, Tributário, Ambiental e Eleitoral; Fundador e Diretor da JN&C - Advocacia Associada S/C e da JN&C Serviços, com sede em Belo Horizonte e criador e Diretor da Revista Brasileira de Direito Municipal - RBDM; Fundador e Presidente do JNC IDM - Instituto de Direito Municipal; Autor de vários livros sobre Direito Municipal e centenas de artigos publicados em revistas especializadas.

Nenhum comentário: