terça-feira, 12 de novembro de 2019

O GOLPE NA BOLÍVIA

Na Bolívia, Evo Morales foi deposto por um  golpe. 

Desde que a Bolívia realizou eleições gerais em 20/10/2019 a ambiência de ruptura institucional se agudizou.

Os dois principais candidatos à presidência eram o atual presidente Evo Morales (do MAS, Movimento para o Socialismo) e Carlos Mesa (FRI, Frente Revolucionária de Esquerda).

Evo estava no poder desde 2006, em que pese um referendo de 2016 houvesse rejeitado a possibilidade de sua reeleição. Em 2018, a Justiça Eleitoral reverteu a decisão do referendo, autorizando Morales a tentar o quarto mandato presidencial.

O argumento da Corte constitucional era que o limite de mandatos viola a garantia constitucional de que qualquer cidadão tem o direito de se candidatar, de acordo com o ordenamento jurídico boliviano.

A apuração dos votos começou ainda no domingo, dia 20. Na Bolívia o voto é manual, numa cédula gigante com nome e foto dos candidatos, para permitir a participação das pessoas que não sabem ler. 

Por conta da demora para sair os resultados, o TSE boliviano tinha duas apurações. Uma, mais demorada, que contava todos os votos, um por um. E a outra, mais rápido (express), para divulgar os resultados o mais rápido possível.

Ainda na noite do domingo de eleição, saiu uma parcial do resultado da apuração express. Essa parcial indicava que a decisão seria em segundo turno, porque Evo Morales ganhava por menos de 10 pontos de Carlos Mesa. Depois dessa divulgação, a contagem foi interrompida.

Os resultados só voltaram a ser divulgados no final da tarde da segunda-feira, após 20h de interrupção. E, surpresa: agora a apuração indicava que Evo Morales levava em primeiro turno por pequena margem superior aos 10% necessários.

Na noite de segunda-feira (21), após a divulgação de que Evo levaria no primeiro turno, o próprio presidente reivindicou a vitória. Opositores se rebelaram e incendiaram sedes do Tribunal Eleitoral

Na terça-feira (22), Carlos Mesa disse que não iria reconhecer a derrota. Os observadores da OEA também lançaram suspeitas sobre a apuração. A apuração oficial ainda não tinha terminado. Milhares marcharam em La Paz contra Evo. O vice-presidente do TSE boliviano renunciou diante das dúvidas sobre o processo.

Na quarta-feira (dia 24) Quatro dias após a eleição, finalmente a apuração terminou e Evo Morales foi declarado vencedor no primeiro turno. Brasil, Estados Unidos, Argentina e Colômbia não reconhecem a vitória de Evo Morales e pedem realização de segundo turno.

Os opositores, antes liderados por Carlos Mesa, pediam um segundo turno. No mesmo dia 24, mudaram a reivindicação para anulação das eleições e apontam como líder 
Luis Fernando Camacho, empresário, advogado e líder de movimento de direita em Santa Cruz.

Na quinta-feira (dia 25), liderados por Camacho, os manifestantes passam a pedir não só a anulação da eleição, mas uma nova votação, sem Mesa e sem Evo Morales.

Acuado, o governo da Bolívia aceitou que a Organização dos Estados Americanos (OEA) fizesse uma auditoria do processo eleitoral inteiro. Em 10 de novembro, a OEA divulgou resultado preliminar apontando fraude e a necessidade de novas eleições.

Ao tomar conhecimento do relatório, Evo ainda anunciou novas eleições, mas a notícia não foi suficiente para conter o movimento golpista que se alastrava pelas ruas, incendiando residências de governistas, depredando prédios públicos, ocupando ruas, aeroportos e estradas.

Naquele momento, ele já tinha perdido apoio dos militares, que se recusavam a reprimir manifestações. Os chefes das forças armadas "sugeriram" o afastamento do presidente para "pacificar o país". Sem condições de governar, Evo renuncia, mas denuncia que está sendo vítima de um golpe.

Nos últimos dias, várias autoridades na ordem de sucessão de Evo renunciaram também, criando um quadro de desorientação no país.

Os apoiadores de Evo ensaiam protestos nas ruas nos últimos dias e o caos continua. Não há sinais de que a crise possa ser debelada nos próximos dias.

A Conjuntura Política Boliviana

Desde que Evo saiu vitorioso no revogatório de 10 de agosto deste ano e teve seu mandato reconfirmado, a oposição ampliou as manifestações partindo das regiões mais ricas do país, a chamada 'meia lua' (Beni, Pando, Tarija e Santa Cruz).

Exigem a devolução de uma porcentagem do imposto sobre hidrocarbonetos, usado pelo governo para financiar um programa de previdência social e querem autonomia administrativa dos Estados, aprovada em referendo no início do ano.

A oposição rejeita a proposta da nova Constituição, considerada de cunho estatizante, e protestam pelo fato de seu projeto ter sido aprovado sem a presença da oposição.

O discurso anticomunista incita a expulsão de venezuelanos e cubanos da Bolívia. Os protestos ocorrem de fato desde o ano de 2003, atingindo o seu ponto máximo nos últimos dias.

O governo decretou estado de sítio na noite de sexta, onde houve confrontos no aeroporto de Cobija, em Pando. Nas províncias de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija, houve mais de 30 cortes de estradas, ocupações de entidades do Estado e ataques a várias instalações petrolíferas.

Tudo indica que Evo perdeu o apoio das Forças Armadas, que se alinharam com os interesses das regiões mais ricas do país. Mesmo com Evo cedendo e anunciando novas eleições, os militares exigiram sua renúncia.



O PERFIL DO GOLPE

O movimento golpista avançou sobre meios de comunicação estatais e ligados ao movimento sindical. Foi um movimento estratégico para isolar o governo da população. 

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A prefeita da cidade de Vinto, da província de Cochabamba, foi humilhada publicamente pela multidão por transportar camponeses apoiadores de Evo para enfrentar manifestantes.



Maria Eugenia Choque e Antonio Costas, presidente e vice presidente do Tribunal Superior Eleitoral da Bolívia, foram presos pelo corpo militar que tomou o poder no país no domingo (10). A prisão foi apresentada por soldados mascarados em uma entrevista coletiva (https://youtu.be/y1obcM-fnVI). Além deles, mais 36 funcionários da justiça eleitoral foram detidos. Maria Eugenia já havia renunciado ao cargo, quando foi presa.

O presidente Evo Morales ainda tentou um chamado pelo diálogo com os três partidos de oposição que conseguiram eleger deputados nas últimas eleições, mas apenas um aceitou.

Manifestantes oposicionistas invadiram a Bolívia TV e a rádio Pátria Nova, canais estatais bolivianos, no sábado. 

Os jornalistas e trabalhadores das redes foram ameaçados de morte caso não fossem interrompidas as transmissões. Somente com a chegada da Defensoria Pública no local foi garantido que os funcionários pudessem deixar o local com segurança.

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A emissora Bolívia TV e a rádio Pátria Nova tiveram seu sinal cortado pelos golpistas ainda no sábado (9 de novembro) e José Aramayo, diretor de rádio ligada à Confederação Sindical Única de Trabalhadores Campesinos da Bolívia (CSUTCB), foi amarrado em uma árvore pelos oposicionistas. 

A casa dos governadores de Oruro e de Chuquisaca
 também foram alvo dos golpistas. No mesmo dia, a casa da irmã de Morales também foi incendia. O própria Morales teve sua residência invadida e saqueada.

O presidente propôs neste sábado a construção de uma mesa de diálogo para pacificar o país diante das grandes tensões que abalam a Bolívia. 

Morales convidou os três partidos de oposição que obtiveram acento no Parlamento mas recebeu apenas respaldo do Partido Democrata Cristão (PDC), que disputou a Presidência com Chi Hyun Chun e ficou em terceiro lugar.

Já Carlos Mesa, segundo colocado nas eleições pelo Comunidade Cidadã (CC), não aceitou o convite, assim como Oscar Ortíz, do Bolívia Disse Não (BDN). O mais radical opositor é Luis Fernando Camacho.

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