sexta-feira, 4 de outubro de 2019

LAVA JATO OU SUPREMO: UM DOS DOIS VAI PARA O BREJO


A
questão da ordem dos depoimentos dos delatores reposiciona o julgamento do ex-presidente Lula, ao mesmo tempo que tem o poder de anular vários processos da Lava Jato.

A figura do delator foi utilizada amplamente pela Lava Jato. Celebrado o acordo de delação premiada, o delator se institucionaliza legalmente no processo, passando a ter os benefícios que a lei lhe confere.

De igual modo, sua localização processual em relação aos demais no processo não é mais apenas de corréu. Ele inegavelmente passa a atuar como linha auxiliar da acusação, abrindo mão do direito ao silêncio, estando obrigado a delatar.

Diante disso, o interesse processual do delator é absolutamente oposto ao interesse do delatado. Em que pese o delator ser formalmente réu, o seu interesse é pela condenação do delatado.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entenderam, em sua maioria, que os réus delatados devem apresentar as suas alegações finais por último, dando a chance de se manifestarem depois dos delatores.

Diante da tese, contrária à Lava-Jato, os Ministros anularam duas sentenças da operação.

A primeira foi em agosto, quando os ministros invalidaram o processo do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, condenado a 11 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Bendine foi patrocinado pelo advogado criminalista e professor, Alberto Zacharias Toron, que teve a iniciativa de pedir para apresentar as alegações finais por último em sua atuação na defesa do ex-presidente da Petrobras. Na ocasião, o então juiz Sergio Moro negou o pedido e a questão foi levada até o Supremo, que anulou a condenação.

Foi como uma bomba na cabeça dos lavajatistas, porque o Moro tinha por costume não obedecer essa ordem, exatamente para dificultar a defesa dos réus.

Em um novo revés para a Lava Jato, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta-feira, 26, a favor da tese levantada pela defesa de Márcio de Almeida Ferreira, ex-gerente da Petrobras, que alegou que seu cliente sofreu grave constrangimento ilegal por não poder apresentar as alegações finais depois da manifestação dos réus colaboradores.

Com maioria formada, o presidente Dias Toffoli adiou a apresentação de seu voto para a quarta-feira (02/10), para definir como a decisão será aplicada aos processos em andamento nas outras esferas do Poder Judiciário.

Na Quarta, Toffoli resolveu adiar a sessão novamente, sob o argumento de que alguns ministros estariam viajando, mas é evidente que os motivos são outros. Um acordo está em andamento sobre a modulação dos efeitos da decisão.

Os procuradores da Lava Jato já argumentam que a decisão do STF pode levar à anulação de 32 sentenças envolvendo 143 dos 162 condenados na operação. Isso porque os casos voltariam à fase das alegações finais, etapa anterior à sentença de primeira instância, e alguns condenados poderiam ser liberados.

Alexandre de Moraes, que sugedriu a aplicação de medidas apenas em processos nos quais os réus reclamaram o direito de falar por último em primeira instância. Este é a situação de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras, e que suscitou o debate que levou à anulação da primeira sentença do ex-juiz Sergio Moro.

O presidente do STF, Dias Toffoli, já defendeu publicamente a criação de um limite para atenuar o alcance da decisão.

O Supremo agora está na berlinda. Se modular, vai restringir o direito de ampla defesa, um direito fundamental. 

Ordem de Habeas Corpus se concede ou não se concede. Nossa tradição jurídica informa que uma vez concedida a ordem, o próprio artigo 580 do CPP determina o efeito extensivo a corréus que estejam na mesma situação fático-jurídica concretizando o princípio da isonomia.

Não há hipótese de modulação - situação excepcional prevista no art. 927, § 3º, do Código de Processo Civil - em Habeas Corpus, remédio heróico para a proteção de direitos fundamentais de liberdade.


Contudo, até já se sabe quais as propostas de modulação estarão em jogo:

A primeira é que ela só se aplique a quem reclamou da ordem das alegações finais na origem do processo. A segunda é que ela só seja válida para quem comprovar o dano causado pela desobediência da ordem.

O CASO DE LULA

A rigor, após a homologação da delação de Leo Pinheiro, a decisão se amolda perfeitamente às duas condenações do ex-presidente Lula: a ação do apartamento do Guarujá e a do sitio de Atibaia.

Um depoimento decisivo para a condenação de Lula foi o de José Aldemario Pinheiro Filho, executivo da empresa OAS, mais conhecido como Léo Pinheiro. 

O depoimento de Leo Pinheiro foi fundamental para a condenação de Lula em 2017, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, pela propriedade de um apartamento triplex na cidade do Guarujá, no litoral paulista, como sabemos.

Na ocasião, Leo Pinheiro foi tratado como delator pela força-tarefa da operação Lava Jato, e recebeu benefícios de delator pelo juiz Sérgio Moro, embora não tivesse, no período, contudo, acordo assinado com o Ministério Público Federal, como exige o art. 4º, §§ 6º e 7º da Lei 12.850/2013, que regulamenta o instituto das delações premiadas.

Somente dois anos depois, em 13 de setembro de 2019, o ministro Edson Fachin homologou o acordo de delação premiada de Leo Pinheiro. A coisa foi tão estranha que até a  então Procuradora Geral da República se posicionou contra a homologação.

No entanto, não sendo Leo Pinheiro, ao tempo do julgamento, um delator, como poderia a defesa do ex-presidente Lula solicitar prazos sucessivos?

Por aí se tira que a tentativa de modulação não será tão simples.

Nenhum comentário: