O pacote anticrime de Moro é um tiro no pé para a segurança pública. Sem se reportar a dados, estatísticas, fundamentações teóricas criminológicas sem avaliações de impacto orçamentário, o projeto é uma ameaça ao país e uma afronta a consciência jurídica nacional, por vários motivos.
Além de ferir a Constituição em vários aspectos, contrariar decisões do STF, ainda cria novos tipos penais e pretende retardar a saída dos presos do sistema carcerário, sem medir os impactos desses medidas para um sistema penitenciário à beira do colapso.
A título de esclarecimento preliminar é preciso dizer que o STF já tomou posição em relação ao regime integral fechado da pena e também em relação ao regime fechado inicial obrigatório. O pacote de Moro vai na direção contrária ao entendimento da Corte Suprema.
Sobre a questão da presunção da inocência e trânsito em julgado na segunda instância, o STF ainda vai se posicionar, o que atesta que o caminho seria uma emenda constitucional e não uma lei ordinária, como propõe Moro. Nesse caso, a proposta somente reforça o argumento de que a condenação em segunda instância carece de previsão legal e, portanto, não é permitida pelo nosso ordenamento jurídico.
A proposta de vídeo conferência vai desvirtuar o sistema de audiências de custódia, um espaço criado para permitir o contato direto do preso com o juiz, que avaliará, dentre outras coisas, eventuais abusos e violências praticadas contra ele.
O plea bargain tem problemas no seu país de origem e vem sendo apontando como responsável pela explosão carcerária, atingindo especialmente latinos e negros. Num país desigual como o Brasil, com precária institucionalização das defensorias públicas, o acordo será prejudicial especialmente para os mais pobres.
Em resumo:
1 - a proposição de regime inicial obrigatório em casos de reincidência ou crime habitual, corrupção ou peculato, por si só é uma bomba. Pode aumentar em 80% a população carcerária.
2 - é omisso em questões envolvendo o fortalecimento do sistema de segurança, estratégia de investigação científica, proteção a testemunha, unificação de polícias e de procedimentos, proteção e garantias da carreira policial, controle do uso abusivo da violência e corrupção interna.
3 - é omisso em relação a crimes praticados por corporações privilegiadas no atual sistema, como policiais, juízes, promotores e especialmente políticos.
4 - é omisso quanto às estratégias de prevenção ao crime, ressocialização de detentos, organização do sistema prisional e atendimento em políticas públicas de segmentos agenciados para o crime, especialmente a juventude pobre e negra das periferias.
5 - propõe a execução de pena em segunda instância por lei ordinária, contrariando a Constituição Federal.
6 -propõe o cumprimento da pena logo após a condenação pelo tribunal do júri, incrementado mais ainda o encarceramento.
7 - nos crimes hediondos propõe 60% do cumprimento da pena, para a progressão de regime, retardando o tempo de permanência da massas carcerária nos presídios.
8 - dificultando a prescrição penal sem qualquer proposta que resguarde o regular e ágil andamento processual.
9 - aumenta em 1/4 da pena os crimes praticados com arma de fogo.
10 - propõe o "plea bargain", do modelo americano, um acordo para aplicação imediata da pena, que, dentre outras coisas, afronta o princípio constitucional do devido processo legal.
11 - com a proposta do "informante do bem", aumentará os casos de delação em crimes contra a administração pública, em troca de recompensas.
12 - imposição de regime obrigatório fechado para lideranças de organizações criminosas, sem possibilidade de progressão de regime enquanto mantiver o vínculo com a organização, fato de difícil apuração e comprovação ao longo do cumprimento da pena. Salientando que na maioria dos Estados os presos estão divididos por facções nas unidades prisionais.
Dentre essas propostas, chamamos a atenção para o forte viés punitivista e encarcerador. O impacto delas para o sistema carcerário, num país que ostenta a terceira maior população carcerária do mundo, não foram mensurados. A lógica que as orienta apenas agravará o problema da violência e contribuirá para o colapso do sistema penitenciário.
Isso tudo sem ainda fazer uma análise acerca da proposta que altera o princípio da legítima defesa, com impacto inegável sobre a questão da letalidade policial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário