domingo, 25 de outubro de 2015

Facções e Escola: o desafio de reconquistar a juventude para um projeto global antiviolência.

Do ano passado para cá, a violência continua oscilando para perfis cada vez mais regressivos. O que tem nos chamado a atenção agora é a violência nas escolas. Esse fenômeno exige análise apurada dos novos contornos da violência na conjuntura atual.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no último dia 8, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, fornece alguns elementos para uma compreensão prévia. O documento apresenta, com dados estatísticos, a questão da violência nas escolas.

Assim, 67,7% dos diretores de escola do Maranhão afirmaram ter presenciado situações de agressão verbal ou física de alunos a outros alunos no último ano trabalhado. Da mesma forma, 40,8% deles confirmaram a ocorrência de agressão verbal ou física de alunos dirigida a professores ou funcionários. E ainda 7,7% dos diretores foram ameaçados por alunos, chegando mesmo a ser vítimas de atentados à vida (2,6%).

Entre os professores maranhenses, a situação não é diferente. Quase 70% deles relataram casos de agressão verbal ou física de alunos a outros alunos. Outros 40,7% dos docentes presenciaram agressão verbal ou física de alunos a professores ou funcionários. O montante de 6,4% dos professores foram ameaçados por alunos e 2,1% sofreram atentado contra a vida.

A violência que atinge a comunidade escolar, tais como porte de armas por adolescentes, furtos, agressões físicas e verbais, ameaças aos educadores e servidores, depredação do patrimônio escolar, são apenas o reflexo de uma nova faceta da violência que acomete sobretudo  os colégios da região metropolitana de São Luís.

Os dados de um sistema educacional obsoleto, carente de equipamentos e de projetos pedagógicos centrados na realidade, por si sós, não justificam os seguidos e recentes episódios onde a presença das facções emerge como uma realidade nova.

Os episódios de violência (como a que ceifou a vida da estudante Milena) parecem apenas justificar um conhecido discurso defensivo, que apenas orienta para o aprofundamento do isolamento da escola perante a comunidade e reforçam os mecanismos de segurança, como as grades, os vigilantes armados, as câmeras. No horizonte não há algo mais.

Evidente que a chamada "sociedade do espetáculo" fundamenta a nova onda de violência, de igual forma, agora sob a inspiração de facções criminosas.

 A mercadoria continua a ser uma imagem, uma representação não corpórea. E a vida na facção permite a visibilidade social falaciosa de uma representação distanciada da unidade do mundo, da realidade.

 Jovens delinquentes assumem a imagem como ícone de poder, que lhes permite vivenciar o "ethos guerreiro" como forma de reconhecimento, daí a música e o discurso, onde o "alemão" é a figura a ser combatida permanentemente.

Na ausência de projetos sociais compartilhados a violência toma corpo como competição mais aguda, pela pretensão do sujeito perceber-se como melhor e predador do corpo do outro, no interior de um espaço imaginário da vida sem limites ("vida loka"), retratada pela ostentação do consumo e das tatuagens que celebram a ruptura com o pacto civilizatório.

Quando a facção adentra ao espaço das gangues, uma outra lógica se instala, porque a capacidade de arregimentação coordenada e centralizada é bem maior. A facção é o paroxismo da violência das gangues, direcionada para um determinado fim.

Daí, que a presença delas nas escolas assusta e desorienta a comunidade escolar. Não é mais a presença circundante e discreta, que apenas vendia seus ilícitos produtos nas proximidades dos colégios. Agora eles assistem as aulas nas horas vagas.

O desafio é agora muito mais que espantar os visitantes indesejados nas calçadas dos colégios. Estamos diante da inadiável necessidade de reconquistar a juventude para um projeto global de paz e humanidade, por dentro e por fora das escolas.

Sobre essa nova dinâmica, já é possível dizer alguma coisa:

a) Que o Estado não consegue interferir com eficiência na dinâmica de expansão das facções criminosas, embora elas operem ostensivamente em ações ousadas e empreguem parte das suas energias combatendo entre si;

b) Que a matriz original dessa produção de facciosos em série ainda reside nos presídios, que não apresentam nenhum diferencial para impedir seu funcionamento, muito pelo contrário - estão organizados segundo o critério primacial da presença das facções;

c) Que as estatísticas confirmam o fechamento do ciclo de territorializações das facções, que agora operam principalmente em crimes de maior envergadura, como assaltos, sequestros, tráfico, em detrimento das execuções, que agora ocorrem em menor escala;

d) Que a letalidade policial seletiva adotada impulsionou uma nova estratégia de reposição das peças da engrenagem da violência, voltada especialmente para o público juvenil, ocupando o espaço das gangues e tribos, adotando uma linguagem típica de sedução (consumo, poder e visibilidade/reconhecimento);

e) Que o assédio juvenil que incorpora e supera a anterior cultura das gangues e "galeras", está potenciada pelo poder bélico e pelo discurso do confronto, onde o corpo predado é palco do espetáculo da violência.
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*  Esse texto foi produzido para servir de subsídio para a palestra ministrada no Colégio Estadual Vinícius de Moraes, no dia 19 de Outubro, onde estudava Milena Coelho do Nascimento, vítima de várias lesões produzidas por arma branca, no dia 15 do mesmo mês, na saída do colégio. No dia seguinte à palestra, Milena teve a morte cerebral declarada, no meio de um processo de revitimização que atinge não apenas sua memória, seus familiares e amigos, mas a própria comunidade escolar.

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