terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O problema não é só a Kátia Abreu


O Brasil hoje é uma República ruralista. Não se trata mais do antigo ping-pong do café com leite, onde as oligarquias paulistas e mineiras se revezavam no poder. Agora o problema é até mai sério, porque o ruralismo se reciclou no centro da economia globalizada, tornando refém os governos interessados em aumentar as divisas internacionais por intermédio do pacto das elites.

Esse novo pacto pode ser traduzido em desenvolvimento da infra-estrutura combinada com alto padrão produtivo, que possa competir no mercado internacional de commodities. Essa equação tem a cara da Dilma e da Kátia Abreu.

A aliança com os ruralistas reconfigura o cenário do binômio esquerda-direita, unindo a receita da governabilidade com os esquemas tradicionais da política tradicional, presentes no financiamento de campanha. Isso inclui a grande flexibilização das alianças e a reconfiguração da hegemonia no Congresso Nacional, onde o agronegócio que avança sobre os ecossistemas e os territórios indígenas dialoga com as multinacionais da indústria de alimentos do capitalismo de ponta.

Um pequeno e expressivo exemplo da força dessa "Nova República" vimos recentemente. O relator da reforma do Código Penal na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, Vital do Rêgo (PMDB-PB), acatou as emendas que mudam o conceito de trabalho escravo, diminuindo a possibilidade de punição a quem se utiliza dessa forma de exploração de mão de obra e reduzindo direitos dos trabalhadores. A proposta será colocada em votação nesta quarta feira (dia 17), no bojo do novo Código Penal. Depois seguirá para o plenário.

O blogue do Sakamoto explica: 

"Contemplando as sugestões dos senadores Blairo Maggi (PR-MT) e Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), o novo texto exclui as condições degradantes de trabalho (incompatíveis com a dignidade humana, caracterizadas pela violação de direitos fundamentais ou que coloquem em risco a saúde e a vida do trabalhador) e a jornada exaustiva (em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo e sistemático que acarreta danos à sua saúde ou risco de morte) como elementos definidores de trabalho análogo ao de escravo.

Ou seja, se não forem comprovados o trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas) e a servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente uma dívida e por ela fica preso), os outros elementos que hoje, também caracterizam trabalho escravo, o empregador não será responsabilizado pelo crime.

Na prática, isso dificulta o resgate de imigrantes estrangeiros em oficinas de costura, como bolivianos e paraguaios, ou de migrantes brasileiros na construção civil ou no corte de cana, por exemplo. Nesses casos, as condições degradantes é um elemento que vem sendo constatado com frequência por auditores fiscais do trabalho e procuradores do trabalho durante fiscalizações.

Em sua justificativa, Vital – que também é presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – afirmou que isso garantirá “certeza e segurança jurídica aos aplicadores da lei''.

Também explicou que a nova redação do artigo 149 é compatível com o projeto de regulamentação da PEC do Trabalho Escravo – promulgada em 5 de junho, após 19 anos de trâmite pelo Congresso Nacional. Essa proposta de emenda constitucional aprovada prevê o confisco de propriedades em que trabalho escravo for encontrado e sua destinação à reforma agrária ou ao uso habitacional urbano e era uma antiga bandeira dos atores que atuavam no combate a esse crime.

A proposta de regulamentação para essa nova legislação, aprovada em comissão especial mista, foi produzida pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR). Prevê a mesma subtração de direitos trabalhistas, excluindo as condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva dos elementos caracterizadores de trabalho escravo que o projeto do novo artigo 149.

O projeto de Jucá também acaba com a “lista suja'' do trabalho escravo, cadastro público de empregadores flagrados com esse crime, atualizado semestralmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego desde 2003 e que vem sendo usado pelo setor empresarial como importante ferramenta de gerenciamento de risco. Esse projeto de regulamentação continua tramitando pelo Senado."

Por tudo o que se assiste na atual conjuntura é possível dizer que o nosso problema não é somente a Kátia Abreu.

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