quarta-feira, 19 de março de 2014

Decisão suspende transporte de pedras de gesso em povoados de Codó


Tribunal de Justiça/MA

Por unanimidade de votos, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) suspendeu o transporte de pedras de gesso (gipsita) feito pela empresa Gessomar na estrada que passa pelos povoados de Bom Jesus e Nova Luta, no município de Codó. Os membros do órgão colegiado entenderam que a saúde dos moradores das comunidades deve prevalecer sobre o alegado prejuízo econômico para a empresa.

Para dissipar quaisquer dúvidas se a atividade de extração da gipsita causa ou não poluição prejudicial à saúde das pessoas, a decisão também determinou que seja realizada perícia no local para avaliar a extensão de danos causados, bem como supostos prejuízos à produção de cultura de subsistência. E, ainda, que seja providenciada, se possível, a construção de um desvio, evitando-se que as caçambas passem pelo meio dos povoados.

O conflito teve início em 29 de agosto do ano passado, dia em que, segundo o recurso ajuizado pela Associação Quilombola de Santa Maria dos Moreiras Jerusalém e Bom Jesus, cerca de 200 representantes de 16 comunidades interditaram a estrada vicinal que liga o povoado Barracão à mina de gesso da empresa, para chamar atenção do que eles apontaram como intensas degradações ambientais causadas pelas atividades mineradoras na região.

Acrescentaram que há cinco anos a empresa utiliza a estrada que serve de acesso para centenas de pessoas, e onde existem várias casas, para transporte de gesso, provocando nuvens de poeira que estariam causando danos à saúde das populações locais e ao plantio de vegetais, como milho, feijão e mandioca.

A Gessomar argumentou que é livre a locomoção em todo o território nacional e que o princípio fundamental da livre iniciativa está lado a lado com os valores sociais do trabalho.

Decisão liminar de primeira instância havia determinado que a associação desbloqueasse a estrada que dá acesso à mina de gipsita, abstendo-se de impedir a passagem dos caminhões, sob pena de multa diária de R$ 500,00 por hora de descumprimento.

LESÃO GRAVE - O desembargador Raimundo Barros (relator) entendeu que a sentença de 1º grau não podia continuar produzindo efeitos, ante a ocorrência de lesão grave e difícil reparação à saúde e à subsistência dos moradores dos povoados. Ele registrou que o direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida.

Barros acrescentou que a movimentação constante de caminhões carregados de gesso pelo meio dos povoados, produto destinado à fabricação de gesso, poderá acarretar transtornos à saúde dos moradores.
O magistrado deu provimento ao recurso da Associação Quilombola, a fim de revogar a decisão de primeira instância. Os desembargadores Maria das Graças Duarte e Ricardo Duailibe tiveram o mesmo entendimento.



AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº: 052115-2013
NÚMERO ÚNICO: 0011574-16.2013.8.10.0000 CODÓ
AGRAVANTE:ASSOCIAÇÃO QUILOMBOLA DE SANTA MARIA DOS MOREIRAS JERUSALEM E BOM JESUS CODÓ-MA
ADVOGADOS: DIOGO DINIZ RIBEIRO CABRAL, ANA MARIA MENEZES RODRIGUES, LUIS ANTONIO CAMARA PEDROSA, NEUSA MARIA GOMES DUARTE, VALDISLEIA DE OLIVEIRA RIBEIRO MURBACH
AGRAVADO: GESSOMAR- INDÚSTRIA DE GESSO DO MARANHÃO
ADVOGADO: ADAIL ULISSES DE OLIVEIRA NETO
RELATOR: Desembargador RAIMUNDO José BARROS de Sousa
EMENTA
PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR INOMINADO. TRANSPORTE DE GIPSITA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DETERMINA O DESBLOQUEIO DE ESTRADA SOB PENA DE APLICAÇÃO DE MULTA POR HORA. DECISÃO CASSADA. DIREITO À SAÚDE PREVALECE SOBRE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EMPRESARIAL.REALIZAÇÃO DE PERÍCIA IN LOCO. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO. UNANIMIDADE.
1. A decisão agravada não pode continuar produzindo efeitos, ante a ocorrência de lesão grave e difícil reparação à saúde e à subsistência dos moradores dos povoados Bom Jesus e Nova Luta.
2. O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida.
3. A agravante agiu corretamente ao impedir o acesso de caminhões tipo caçamba, através da estrada que passa pelo meio do povoado e dá acesso à mina de gipsita, pois é razoável concluir-se que a movimentação constante de caminhões pelo meio dos povoados, carregados de gipsita, produto destinado à fabricação de gesso, poderá acarretar transtornos à saúde dos moradores.
4. Decisão cassada.
5. Realização de perícia in loco e avaliação de possibilidade de construção de desvio.
6. Agravo conhecido e provido. Unanimidade.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, unanimemente, contra o parecer ministerial, em conhecer e dar provimento ao agravo, nos termos do Voto do Desembargador Relator.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Raimundo José Barros de Sousa (Relator), Maria das Graças de Castro Duarte Mendes e Ricardo Tadeu Bugarin Duailibe.
Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Sâmara Ascar Sauaia.
Sala das Sessões da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 17 de março de 2014.
Des. RAIMUNDO José BARROS de Sousa
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido liminar de efeito suspensivo interposto por ASSOCIAÇÃO QUILOMBOLA DE SANTA MARIA DOS MOREIRAS JERUSALEM E BOM JESUS CODÓ-MA, por seus advogados, irresignados com a decisão da lavra do Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Codó/MA que, nos autos da Medida Cautelar Inominada nº 2213-67.2013.8.10.0034 ajuizada pela empresa GESSOMAR - INDÚSTRIA DE GESSO DO MARANHÃO LTDA deferiu medida liminar inaudita altera pars e determinou que a agravante promova o desbloqueio da estrada que dá acesso à mina de gipsita, na altura dos povoados Bom Jesus e Nova Luta, abstendo-se de impedir a passagem dos caminhões que fazem o transporte para a empresa agravada, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (Quinhentos reais) por hora de descumprimento.
Em suas razões (fls. 03/10) a agravante sustenta na manhã do dia 29/08/2013 aproximadamente 200 representantes das comunidades Livramento, Eira I, Eira II, Tamburi, Santa Maria, Bom Jesus, Nova Luta, Açude, Novo Mundo, Granada, São José, Alto Alegre da Lagoa do Costa, Cipoal dos Pretos, Palmeiras, Rumo, Soledade interditaram a estrada vicinal que liga o Povoado Barracão à Mina de Gesso da agravada para chamar atenção acerca das intensas degradações ambientais causadas pelas atividades mineradoras promovidas pela agravada.
Diz que há cinco anos a agravada utiliza a estrada que serve de acesso para centenas de pessoas e onde várias casas a margeiam para transporte de gesso provocando nuvens de poeira que provocam danos à saúde das populações e ao plantio de espécies vegetais, como milho, feijão e mandioca em decorrência do acúmulo de poeira e gipsita, atividade danosa que desenvolve por 24 horas.
Em sede de tutela antecipada pugna pela suspensão da decisão agravada que determinou o desbloqueio da estrada e no mérito, o provimento do agravo para revogar a decisão ora impugnada.
Juntada de documentos às fls. 12/33.
Posterguei a apreciação da liminar após oferecimento de informações do juízo a quo.
Notificado, o juízo de base prestou informações conforme consta às fls. 45/47, ocasião em que assevera que não exerceu juízo de retratação e que à requerida, ora agravante, foi oportunizada a defesa com citação válida.
Deferimento de pedido de efeito suspensivo às fls. 50/53.
A agravada ofertou contrarrazões às fls. 58/71, ocasião em que arguiu preliminarmente a intempestividade do recurso, sob o argumento de que não houve o cumprimento do disposto no art. 526 do CPC, pois somente foi protocolada cópia do agravo em 04/11/2013, sendo que o prazo final seria 01/11/2013; no mérito, diz ausentes os requisitos para concessão da liminar argumento que é livre a locomoção em todo o território nacional e que o princípio fundamental da livre iniciativa está lado a lado com os valores sociais do trabalho, pede observância do art. 170 da Constituição da República e ao final que seja negado provimento ao recurso.
Remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Joaquim Henrique de Carvalho Lobato, este opinou pelo não conhecimento do agravo, como se observa nos argumentos trazidos às fls. 102/105.
É o relatório.
V O T O
Conforme relatado, a ASSOCIAÇÃO QUILOMBOLA DE SANTA MARIA DOS MOREIRAS JERUSALEM E BOM JESUS CODÓ-MA, por seus advogados interpôs agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo, irresignados com a decisão da lavra do Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Codó/MA que, nos autos da Medida Cautelar Inominada nº 2213-67.2013.8.10.0034 ajuizada pela empresa GESSOMAR - INDÚSTRIA DE GESSO DO MARANHÃO LTDA deferiu medida liminar inaudita altera pars e determinou que a agravante promova o desbloqueio da estrada que dá acesso à mina de gipsita, na altura dos povoados Bom Jesus e Nova Luta, abstendo-se de impedir a passagem dos caminhões que fazem o transporte para a empresa agravada, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (Quinhentos reais) por hora de descumprimento.
Ab initio, cumpre apreciar preliminar de não conhecimento do recurso ante o não cumprimento do disposto no art. 526 do CPC, ou seja, comunicação ao juízo de base no prazo de três dias acerca da interposição do recurso.
A preliminar não merece prosperar, pois o agravo de instrumento agravo interposto em 29/10/2013, sendo que o prazo inicial iniciava-se em 30/10/2013 e o termo final ocorreria em 01//11/2013 (sexta).
No entanto, conforme informação da secretaria judicial lançada às fls. 99 a comunicação a que se refere o dispositivo legal foi encaminhada ao juízo de base por meio de email no dia 01/11/2013 (sexta), sendo impresso o protocolo apenas no dia 04/11/2013(segunda), logo foi obedecido o prazo de lei.
Assim, rejeito a preliminar suscitada. Passo ao exame do mérito.
O cerne da presente demanda é verificar se deve prevalecer decisão interlocutória lançada no bojo de Medida Cautelar Inominada ajuizada pela Agravada que determinou o desbloqueio da estrada que dá acesso à mina de gipsita, na altura dos povoados Bom Jesus e Nova Luta, abstendo-se a agravante de impedir a passagem dos caminhões que fazem o transporte para a empresa agravada, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (Quinhentos reais) por hora de descumprimento.
A decisão agravada não pode continuar produzindo efeitos, ante a ocorrência de lesão grave e difícil reparação à saúde e à subsistência dos moradores dos povoados Bom Jesus e Nova Luta.
Em suas razões, o agravante destaca que:
"(...) Há cinco anos, a empresa agravada vem utilizando a estrada, que serve de acesso para centenas de pessoas e onde várias casas a margeiam, para o transporte de gesso em caçambas e em razão das intensas atividades, extensas nuvens de poeira e de gesso provocam entre as populações rurais extensos danos à saúde. Vale destacar que as caçambas da agravada realizam os referidos percursos (aproximadamente 50 Km entre a mina e Codó) sem nenhuma proteção (tela), o que aumenta o risco em relação aos moradores das comunidades, visto que várias pedras de gesso caem das caçambas constantemente.
Em relação aos danos causados pelas atividades, podemos destacar diminuição do plantio de espécies vegetais, como milho, feijão e mandioca, em decorrência do acúmulo de poeira e de gipsita. Além, vários, aparelhos elétricos das famílias são danificados pela poeira que em grandes quantidades invadem as casas dia e noite (...)"
Deve ser registrado que o direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida.
No caso dos autos, agiu corretamente a agravante ao impedir o acesso de caminhões tipo caçamba, através da estrada que passa pelo meio do povoado e dá acesso à mina de gipsita, pois é razoável concluir-se que a movimentação constante de caminhões pelo meio dos povoados, carregados de gipsita, produto destinado à fabricação de gesso, poderá acarretar transtornos à saúde dos moradores.
Além do mais, em situações como esta sob exame, conforme já mencionado na decisão de concessão de efeito suspensivo fazendo-se uma ponderação entre o direito à saúde/vida digna dos moradores e o exercício da atividade comercial da empresa, o primeiro deve prevalecer sobre o segundo, pois a saúde dos moradores dos povoados já referenciados deve preponderar em relação ao alegado prejuízo econômico para a agravada e para o Município no que diz respeito à eventual arrecadação dos tributos gerados por tal atividade.
Entendo ainda que, para dissipar quaisquer dúvidas se a atividade de mineração da agravada na extração do produto denominado Gipsita, efetivamente causa ou não poluição prejudicial à saúde das pessoas, deverá ser realizada perícia no local para avaliar a extensão dos danos causados, bem como supostos prejuízos à produção de cultura de subsistência e de forma mais imediata deverá ser avaliada também, acaso possível, um desvio evitando-se que as caçambas passem pelo meio dos povoados mencionados.
Ante o exposto, contra o parecer ministerial, conheço e dou provimento ao agravo a fim de revogar a decisão agravada, devendo ser providenciada perícia in loco, bem como, se possível a construção de um desvio para o transporte do produto da agravada.
É como voto.
Sala das Sessões da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 17 de março de 2014.
Des. RAIMUNDO José BARROS de Sousa
Relator

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