sexta-feira, 3 de maio de 2019

O SEMINÁRIO DO GOVERNO PARA DEBATER A QUESTÃO QUILOMBOLA

DOIS SEMINÁRIOS

O governo do Maranhão realizou um Seminário para debater a questão quilombola de Alcântara, no dia 30 de abril deste ano. A iniciativa partiu da SEDHIPOP, após o estranhamento com movimentos sociais com a realização do Seminário anterior, com a presença do Ministro Marcos Pontes, para discutir ciência e tecnologia, sem a presença de quilombolas.

A argumentação do governo para justificar a realização de um seminário para debater o novo Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) foi sofrível, e somente reforçou uma visão equivocada de ciência e tecnologia, que não pode ser excludente, nem muito menos indiferente às questões sociais. O escorregão foi tão feio que permaneceu como assunto constrangedor no seminário do dia 30, denunciado pelo Movimento dos Atingidos pela Base (MAB).

O evento destinado aos quilombos foi denominado "Painel Alcântara, Quilombos e Base Espacial" e foi realizado no auditório do Palácio Henrique De La Roque.

A iniciativa do Secretário de Direitos Humanos, Francisco Gonçalves, foi sem dúvida elogiável, abrindo o governo para um debate duro com a sociedade e especialmente com um campo político mais crítico ao AST, composto não apenas por quilombolas, mas por um espectro mais amplo de ativistas e intelectuais que ali se fizeram presentes.

Alcântara coloca na ordem do dia questões importantes e atuais da conjuntura, envolvendo a relação do país com organismos internacionais de defesa dos direitos humanos; a relação com a nova geopolítica dos EUA; a questão da Venezuela; a defesa estratégica da soberania nacional. Nada mais correto do que construir espaços de reflexão sobre essa questão, por iniciativa de um governo que se diz de esquerda e de oposição a Jair Bolsonaro.

Dois seminários, um como contraponto ao outro, apenas revelam como se configura concretamente a tensão entre pragmatismo e utopia nos governos de esquerda. No governo Flávio Dino essa tensão é indissociável de uma base de sustentação política diversificada e vacilante, do ponto de vista ideológico.

PAINELISTAS QUILOMBOLAS ROUBAM A CENA

Na mesa do painel, a procuradora da república, Deborah Duprat; o antropólogo Alfredo Wagner; os deputados federais, Bira do Pindaré (PSB) e Márcio Jerry (PCdoB). Mas chamaram a atenção do auditório a intervenção de dois quilombolas de Alcântara, Marcos (do sindicato de trabalhadores rurais) e Leonardo (do MAB). Como palestrantes, roubaram a cena com um discurso firme e permeado de testemunhos das atrocidades praticadas pelo CLA contra as comunidades locais.

Os aplausos incomodaram o governador, não por ciúmes, decerto, mas por revelarem uma adesão ao discurso fluente dos quilombolas, crítico ao AST e suas promessas demagógicas, numa linha que o governo resiste em fazer, por incúria ou pragmatismo oportunista. Tanto que o governador sentiu na obrigação de quebrar o protocolo, por duas vezes, para rebater a fala dos quilombolas. O incômodo foi visível.

Leonardo, sexagenário, liderança da comunidade de Brito, não se calou diante do desmentido público do governador à crítica que fizera da postura do senador Weverton Rocha (PDT), em entrevista à TV Senado. Mais do que de repente, o episódio fez o senador aparecer no auditório, em gesto combinado para a seguir ser convidado para a mesa, onde tentou se justificar e rebater a informação trazida por Leonardo.

SOBRE A POLÊMICA ENTREVISTA

Leonardo denunciou publicamente a postura do senador Weverton Rocha em relação ao AST, em entrevista à TV Senado. Segundo ele, o senador teria dado como certa a expansão da base sobre a faixa litorânea, onde estão localizadas a maioria das comunidades ameaçadas de deslocamento desde o início dos anos 2.000.

O governador Flávio Dino tomou um microfone para rebater o fato, mesmo não estando na mesa do painel, naquele momento, ainda no instante da fala dos palestrantes. Fez um longa e incômoda digressão para defender seu aliado, mas a razão permanecia com o humilde alcantarense, pelo visto.

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Leonardo criticou uma passagem da entrevista onde o senador Weverton, por desconhecimento da realidade, reconheceu a expansão para o litoral, mesmo acreditando na versão do governo de que não haverá expansão. Essa contradição está visível no ponto 9:42 da entrevista publicizada no site https://www.senado.gov.br/noticias/TV/Video.asp?v=454019.

O episódio revela o distanciamento dessa representação parlamentar de alguns problemas sociais crônicos do Estado. Mesmo o projeto de lei envolvendo royalties, sem consulta às comunidades, revela falta de traquejo e distanciamento dos movimentos sociais.

Alcântara é uma situação complexa, exige estudo e aprofundamento. Os movimentos sociais da cidade são experimentados em embates políticos, suas lideranças são criativas e bem fundamentadas. Conhecem a legislação que resguarda seus direitos históricos.

Desmentir e tentar desqualificar o testemunho de Leonardo não atestou apenas malícia do governo. Revelou principalmente falta de conhecimento do assunto.

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