Há mais de 30 anos comunidades quilombolas de Alcântara, pequeno município do Estado do Maranhão, estão envolvidas na luta por um território de 62 mil hectares cedidos para uma base espacial.
A área foi escolhida à época da ditadura militar por ter boas condições geográficas, especialmente a proximidade com a linha do Equador - o que possibilita lançamentos em órbita de baixa inclinação e que economizam energia para manobras no espaço.
Essas terras (de início, 52 mil hectares) foram desapropriadas pelo Governo do Estado do Maranhão para a construção do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) da Força Aérea Brasileira (FAB), onde o governo federal desenvolve o programa aeroespacial com foguetes.
Em 1991, no governo Fernando Collor, um novo decreto ampliou de 52 mil para 62 mil hectares o terreno destinado ao CLA – mais de 40% da área total do município de Alcântara –, abarcando parte de territórios identificados como quilombolas.
Para implantar o CLA em 1983, o governo deslocou 312 famílias quilombolas de suas terras sem consultá-las, sem pagar indenizações ou reparar os danos sociais, culturais, políticos e econômicos a elas. Até hoje os processos de desapropriação se arrastam no âmbito do Poder Judiciário.
Aproximadamente 70% dos 22 mil habitantes de Alcântara vivem na área rural, boa parte em comunidades quilombolas. O município concentrou grande massa de mão obra escrava e conviveu com os aldeamentos indígenas e missões religiosas que concorriam com a empresa escravista.
De acordo com a Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, o município concentra o maior número de comunidades quilombolas certificadas no Brasil: são 156.
Os 62 mil hectares de terra desapropriados em benefício do CLA estão superpostos em território quilombola, considerado um vazio populacional pelos militares, no início da década de oitenta. A princípio, a FAB pretendia utilizar com exclusividade uma área de 8.713 hectares, onde seriam realizadas as atividades operacionais.
Com a expansão das atividades e novos projetos de foguetes, a FAB está reivindicando uma área de 12.646 hectares na região do litoral de Alcântara para o prosseguimento do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE).
A expansão pressupõe novamente o deslocamento de famílias remanescentes quilombolas de suas terras tradicionais, no setor nordeste da península.
Desde 2003, o MPF promove uma ação civil pública com o objetivo de obrigar o Incra e a União a tomarem providências para garantir a completa identificação, delimitação territorial e titulação das terras das comunidades remanescentes de quilombos de Alcântara e impedir novos deslocamentos de famílias quilombolas. A ação foi subsidiada com laudo antropológico, onde há a conclusão de que novos deslocamentos de famílias são inviáveis.
No governo Dilma, em 2008, o INCRA publicou o RTID do território quilombola, reconhecendo como tais, 110 comunidades. Aproximadamente 78 mil hectares foram destinados às comunidades quilombolas de Alcântara e 9 mil hectares às atividades do CLA.
Um procedimento de conciliação posterior à publicação do RTID foi instaurado pela Advocacia da União, com o objetivo de solucionar as controvérsias decorrentes da pretensão de expandir as áreas destinadas ao programa espacial brasileiro.
No governo Temer, a Câmara de Conciliação resultou sem desfecho e o processo de mediação foi transferido para a Casa Civil. Atualmente, conforme a intenção do governo federal, os 8,7 mil hectares (ha) serão ampliados para 12,6 mil ha, o que implica no desalojamento desta vez de mais 23 núcleos populacionais e 200 famílias.
Segundo comunicado da Aeronáutica em junho de 2017, o objetivo da expansão da área é "consolidar o centro e adquirir competência no lançamento de satélites que atendam a demanda de projetos relacionados, como o PESE (Programa Estratégico de Sistemas Espaciais) e futuras versões do VLS (Veículo Lançador de Satélite)".
Em 16 de agosto de 2001, o problema dos quilombolas foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos). À época, a comissão viu diversas violações aos direitos humanos. A mesma comissão voltou neste ano a Alcântara, durante visita ao país, para uma nova apuração. Um novo relatório será divulgado em breve....
Recentemente, o governo federal anunciou a conclusão de um novo acordo de salvaguardas tecnológicas com os EUA, mas não houve consulta aos quilombolas conforme determina a Convenção 169, da OIT.
Não se conhecem as tratativas, nem os termos com quais o Brasil celebrou esse acordo, que ainda será submetido ao Congresso Nacional. Certamente, reacenderá o debate sobre a soberania nacional.
O governo federal nunca dialogou com as comunidades atingidas sobre o assunto e ela não sabe sequer se realmente será deslocada e, se for, não sabe para onde vai.
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