quarta-feira, 13 de março de 2019

A PROPOSTA DE EXPANSÃO DO CLA DE ALCÂNTARA


Há mais de 30 anos comunidades quilombolas de Alcântara, pequeno município do Estado do Maranhão, estão envolvidas na luta por um território de 62 mil  hectares cedidos para uma base espacial.

A área foi escolhida à época da ditadura militar por ter boas condições geográficas, especialmente a proximidade com a linha do Equador - o que possibilita lançamentos em órbita de baixa inclinação e que economizam energia para manobras no espaço.

Essas terras (de início, 52 mil hectares) foram desapropriadas pelo Governo do Estado do Maranhão para a construção do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) da Força Aérea Brasileira (FAB), onde o governo federal desenvolve o programa aeroespacial com foguetes.

Em 1991, no governo Fernando Collor, um novo decreto ampliou de 52 mil para 62 mil hectares o terreno destinado ao CLA – mais de 40% da área total do município de Alcântara –, abarcando parte de territórios identificados como quilombolas.

Para implantar o CLA em 1983, o governo deslocou 312 famílias quilombolas de suas terras sem consultá-las, sem pagar indenizações ou reparar os danos sociais, culturais, políticos e econômicos a elas. Até hoje os processos de desapropriação se arrastam no âmbito do Poder Judiciário.

Aproximadamente 70% dos 22 mil habitantes de Alcântara vivem na área rural, boa parte em comunidades quilombolas. O município concentrou grande massa de mão obra escrava e conviveu com os aldeamentos indígenas e missões religiosas que concorriam com a empresa escravista.

De acordo com a Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, o município concentra o maior número de comunidades quilombolas certificadas no Brasil: são 156.

Os 62 mil hectares de terra desapropriados em benefício do CLA estão superpostos em território quilombola, considerado um vazio populacional pelos militares, no início da década de oitenta. A princípio, a FAB pretendia utilizar com exclusividade uma área de 8.713 hectares, onde seriam realizadas as atividades operacionais.

Com a expansão das atividades e novos projetos de foguetes, a FAB está reivindicando uma área de 12.646 hectares na região do litoral de Alcântara para o prosseguimento do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE).

A expansão pressupõe novamente o deslocamento de famílias remanescentes quilombolas de suas terras tradicionais, no setor nordeste da península.

Desde 2003, o MPF promove uma ação civil pública com o objetivo de obrigar o Incra e a União a tomarem providências para garantir a completa identificação, delimitação territorial e titulação das terras das comunidades remanescentes de quilombos de Alcântara e impedir novos deslocamentos de famílias quilombolas. A ação foi subsidiada com laudo antropológico, onde há a conclusão de que novos deslocamentos de famílias são inviáveis.

No governo Dilma, em 2008, o INCRA publicou o RTID do território quilombola, reconhecendo como tais, 110 comunidades. Aproximadamente 78 mil hectares foram destinados às comunidades quilombolas de Alcântara e 9 mil hectares às atividades do CLA.

Um procedimento de conciliação posterior à publicação do RTID foi instaurado pela Advocacia da União, com o objetivo de solucionar as controvérsias decorrentes da pretensão de expandir as áreas destinadas ao programa espacial brasileiro. 

No governo Temer, a Câmara de Conciliação resultou sem desfecho e o processo de mediação foi transferido para a Casa Civil. Atualmente, conforme a intenção do governo federal, os 8,7 mil hectares (ha) serão ampliados para 12,6 mil ha, o que implica no desalojamento desta vez de mais 23 núcleos populacionais e 200 famílias.

Segundo comunicado da Aeronáutica em junho de 2017, o objetivo da expansão da área é "consolidar o centro e adquirir competência no lançamento de satélites que atendam a demanda de projetos relacionados, como o PESE (Programa Estratégico de Sistemas Espaciais) e futuras versões do VLS (Veículo Lançador de Satélite)".

Em 16 de agosto de 2001, o problema dos quilombolas foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos). À época, a comissão viu diversas violações aos direitos humanos. A mesma comissão voltou neste ano a Alcântara, durante visita ao país, para uma nova apuração. Um novo relatório será divulgado em breve....

Recentemente, o governo federal anunciou a conclusão de um novo acordo de salvaguardas tecnológicas com os EUA, mas não houve consulta aos quilombolas conforme determina a Convenção 169, da OIT.

Não se conhecem as tratativas, nem os termos com quais o Brasil celebrou esse acordo, que ainda será submetido ao Congresso Nacional. Certamente, reacenderá o debate sobre a soberania nacional.

O governo federal nunca dialogou com as comunidades atingidas sobre o assunto e ela não sabe sequer se realmente será deslocada e, se for, não sabe para onde vai.

Nenhum comentário: