quarta-feira, 6 de abril de 2016
Pausa para a poesia
Dois poemas me vieram numa inspiração repentina. Compartilho agora:
RIO DE LÁGRIMAS
Se fui o menino das águas turvas dos rios, da lágrima e do açoite,
Sobrevivi na lama e no lodo, nas entranhas espúrias da terra,
De onde ergui meu canto de lâmina que no corpo se enterra.
Sou testemunha que viu o rio chorando no fundo da noite.
Tantas vezes vi o rio aportando na madrugada
Coroado de névoa branca, rangendo os dentes no frio.
Tantas vezes ergui o punho na sezão amarela desse rio
Que me perdi nas veredas de uma estrada assombrada.
E quem não sentiu o abraço cálido de um rio não foi menino,
Não chegou a deslizar nas águas turvas da chuva fina
E não se jogou do alto da árvore no vácuo da própria sina.
Esse um outro que miro torto no espelho da íris assassina
Apenas deixou passar o tempo líquido na janela do destino,
Morrendo de angústia desesperada que se dobra como um sino.
ENGASGO
Esse poema que me trai na ausência do verbo alado
É pura sintonia fina da alma na insônia delirante.
Ele anda comigo, qual vício da bebida no silêncio alcoolizante,
E me recolhe no espasmo do dia trêfego e mal iluminado.
Eu busco a letra, a forma dilatada de um sol incessante,
Impassível à pronúncia, baú hermeticamente fechado
Ao pavor de asas coloridas - sentimento emboscado.
É o vagir do nascimento ruidoso de extinta língua pulsante.
Esse poema que repousa no prato qual comida intragável
É a mariposa insone das minhas noites de chuva tropical
Cerceando o ar escuro na luz de um mar improvável.
Ele vem, qual banzeiro, quando, ensimesmado, paro de navegar,
E fala, quando inexiste boca, na sombra do clarão do esgar
Vomitando flores vivas no repasto da hora capital.
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Um comentário:
Belos poemas. Muito inspirados. Parabéns
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