segunda-feira, 25 de abril de 2016

Poder Judiciário em Anajatuba criminaliza ribeirinhos que lutam em defesa dos campos naturais



No dia 14 de abril a Polícia Civil cumpriu em Anajatuba decreto de prisão preventiva expedido pela juíza da Comarca, Jaqueline Rodrigues da Cunha, que determinou a prisão de 21 pessoas da zona rural do município, quase todos pescadores, trabalhadores rurais e extrativistas.

Tudo decorrente ainda de um problema social que tem como causa principal a ganância de grileiros de terras públicas e a omissão do Estado brasileiro. Os grileiros avançam sobre os campos naturais, erguendo cercas, de forma ilegal, há vários anos, com a tolerância das autoridades locais e em prejuízo da comunidade e do meio ambiente.

Esses campos alagados são do patrimônio público, de acordo com a Lei nº 5.047/90, áreas de preservação permanente ou de reserva ecológica, onde são vedadas atividades econômicas e a transferência dessas áreas para particulares, a qualquer título.

O decreto estadual 11.900/90 criou a Área de Proteção Ambiental da Baixada e a SPU identifica incidência de águas federais nesse conjunto lacustre. No ano de 2000, a APA foi reconhecida como sítio RAMSAR.

Desde 2004, o Ministério Público Estadual propõe ações civis públicas e expede recomendações visando impedir a criação de búfalos e o cercamento dos campos naturais. Diversas denúncias foram protocoladas pelas comunidades, relatando o problema mas nada de concreto foi feito até agora.

Todo esse anteparo jurídico continua sendo solenemente desrespeitado pelos fazendeiros da região de Anajatuba e a população prejudicada passou à ofensiva, derrubando por conta própria as cercas ilegais.

O mandado de prisão preventiva tipifica as condutas dos populares no Código Penal, como dano à propriedade privada (art. 163), formação de quadrilha (art. 288), desobediência (Art. 330) e exercício arbitrário das próprias razões (Art 345).

Duas pessoas foram presas, por enquanto. O Habeas Corpus impetrado já teve liminar negada pelo Desembargador plantonista, Marcelo Carvalho, e agora pelo Desembargador Relator, Tyrone José Silva.

Por detrás de todo esse acontecimento, está presente a apropriação privada dos campos naturais inundáveis, e o fato de que pescadores e lavradores locais estão praticamente cercados e prejudicados em seus direitos de ir, vir, transitar, pescar, abastecer suas residências com água e criar seus animais.

Uma das supostas vítimas da ação comunitária, Maria José Pinheiro Carvalho, acionou o Poder Judiciário local, tendo a juíza Jaqueline Rodrigues da Cunha prontamente concedido liminar em Ação de Interdito Proibitório, afirmando estar provado ser “A autora a legítima possuidora do imóvel localizado na Baixa do Porto das Gabarras, povoado Afoga, município de Anajatuba/Ma, com área total de 280.39,60 hectares, conforme certidão de Posse expedida pela Serventia Extrajudicial desta comarca e levantamento topográfico”.

A fragilidade técnica da decisão começa pela expressão "certidão de posse", um pretenso documento expedido pela serventia extrajudicial da comarca. O ordenamento jurídico desconhece essa função cartorial: expedir certidões de posse. O que caracteriza a posse é uma situação de fato, nisto ela difere da propriedade.

Tem mais. Foi a suposta desobediência a essa liminar, precisamente, dito pela juíza como "perigo à ordem pública", que fundamentou o decreto de prisão preventiva.

Consultando o sistema Themis,  constata-se que a pretensa "proprietária (ou posseira?)" entrou com Ação de Usucapião na comarca pleiteando a referida área, Processo nº 4302009, mas a juíza anterior, Edeuly Maia Silva, acolhendo manifestação da Advocacia-Geral da União, cuja sentença transitou livremente em julgado, reconheceu a incompetência absoluta do juízo de Anajatuba para julgar o feito em razão da matéria.

Com base no Relatório de Vistoria, expedido pela Secretaria de Patrimônio da União, a AGU afirmou categoricamente que a área pleiteada por Maria José Pnheiro é "terrenos de marinha com acrescidos, bem imóvel da União, consoante o art. 20 – VII da CRFB/88” (fls.38). Daí o interesse da União Federal sobre o processo.

Tal processo encontra-se agora na 5ª Vara Federal, sob o nº 0017372-61.2014.4.01.3700, havendo, inclusive, ação de oposição aos direitos da requerente, interposto pela Advocacia Geral da União, 0064020-02.2014.4.01.3700, ambas ações não julgadas até a presente data. Como tal proprietária-posseira poderia ter alcançado a titularidade do domínio ou mesmo o direito de posse, em detrimento de toda a comunidade local que sobrevive há séculos dos campos naturais que ela insiste em cercar?

A juíza da Comarca de Anajatuba está errando feio, do cível ao criminal, porque não poderia conceder medida liminar, se as terras em disputa pertencem ao patrimônio da União Federal. Muito menos poderia mandar prender pessoas cujas condutas estão amparadas pelo instituto do desforço imediato (CC, art.1.210, § 1º) ou mesmo pelo legítimo estado de necessidade.

A incapacidade em conduzir o processo possessório não autoriza a instituição do Estado penal máximo.

Segundo a alegação da Advocacia-Geral da União, os campos naturais da baixada, na proximidade de igarapés com influência de marés, caracterizam-se quase sempre como “terrenos de marinha com acrescidos”, integrando, portanto, o acervo patrimonial da União, de responsabilidade da Secretaria de Patrimônio da União (SPU).

Como disse o o juiz aposentado, Jorge Moreno, a real situação desses campos precisa ser devidamente investigada e apurada, pois pode ser a ponta de um iceberg de uma das maiores grilagens de terras públicas da União, cabendo ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal investigarem a ocorrência desses crimes.

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