CULTURA DO ATRASO
por Zema Ribeiro*
Temos mais ou menos dez dias daqui até junho, quando acontecem em São Luís (e em todo o Maranhão e Brasil) os festejos juninos. A não publicação de um edital para a seleção de artistas e manifestações culturais que irão ocupar palcos na capital e interior nos mostra qual será – está sendo – a condução da política cultural do Maranhão, com a volta de Roseana Sarney ao poder e de Bulcão à Secretaria de Estado da Cultura.
O secretário deu declarações pavorosas, recentemente, ao blogueiro Daniel Matos (imirante). Leio e releio – com bastante atraso – e não acredito no que vejo. Penso que declarações como as do “gestor” já não pudessem existir em pleno século XXI. “Em minha gestão o Tutuca não ganhará nada, está fora. A briga com o Ronald (Pinheiro, compositor) mostrou o quanto ele estava engajado politicamente com o grupo que faz oposição ao nosso”, afirmou, com o personalismo e autoritarismo característicos dos que servem à família Sarney.
Como é que é? Quer dizer que para participar de programações culturais artistas devem estar engajados, ou mesmo alinhados, politicamente com o grupo que ora ocupa o poder? Queremos artistas ou políticos? “A música que ele faz é de qualidade duvidosa”, afirma à frente. Fosse verdade, nada que um edital público não resolvesse. Aliás, editais públicos garantiram, na gestão anterior, a participação de artistas e manifestações culturais alinhadas ao grupo Sarney em programações culturais – não só o São João. Este “revanchismo” barato beira a imbecilidade.
Mais infelizes – e idiotas – ainda foram as declarações de Bulcão sobre Cesar Teixeira. Transcrevemos a íntegra do tópico para, em seguida, comentá-lo. Eis o que afirmou Bulcão: “Considero infeliz a postura do Cesar [transcrevemos o nome corretamente, sem o acento] Teixeira (compositor) no período que antecedeu a cassação do ex-governador. Ele chegou a transformar sua música ‘Oração Latina’ em uma espécie de hino no acampamento batizado de ‘Balaiada’. Se o Cesar tem visão política antagônica ao atual governo, deveria, ao menos, se abster, pois em vários momentos já precisou de ajuda do grupo que costuma atacar. Ou será que ele não lembra da época em que foi amparado por Roseana Sarney, no Rio de Janeiro, quando enfrentava grave problema de saúde, na década de 70?”.
Abobrinha ao molho de contradições. Como é que é? Quem for contra o grupo deles que se cale? É isso mesmo? Eis aí outro aspecto do tosco pensamento do “gestor”: Cesar não transformou sua música em hino de nada: desde que composta, em 1985, quando venceu o Festival Viva Maranhão de Música Popular, Oração Latina embala momentos importantes da história do Estado, sobretudo os que envolvem as lutas dos trabalhadores, o que é quase sinônimo de “anti-sarneysmo”.
Sabedor de que em 2009 não poderei me divertir nas festividades de São João ao som de Cesar Teixeira, liguei para o, em minha modesta opinião, “maior compositor vivo do Maranhão”. Ele também havia acabado de ler sobre o assunto e afirmou: “Isso é uma mentira deslavada de um capacho da oligarquia Sarney. Isso nunca aconteceu. Estive no final de 73 no Rio, passei mais ou menos um mês lá e quando o dinheiro acabou, voltei. Não tive ajuda de ninguém, nunca estive doente no Rio, ela não me ajudou coisa nenhuma. Fiquei surpreso com a declaração, não sei de onde ele tirou essa ideia. Desafio Bulcão, Roseana ou qualquer um a provar isso”.
A entrevista de Bulcão traduz o grau de autoritarismo, preconceito, discriminação e atraso a que foi relegada a política cultural do Estado, devolvida a um servidor fiel da família Sarney, não por acaso reincidente no cargo. A re-transformação de Oração Latina em hino tem duas traduções simultâneas: que Cesar Teixeira é homem/cidadão/artista/jornalista coerente e não foge à luta por um Maranhão/Brasil/mundo melhor (e/ou contra Sarney); e que o povo enxerga em Cesar esse ícone compromissado com as causas populares, seja pela via da/o arte/jornalismo e/ou das atitudes pessoais.
A verborragia viperina de Bulcão comparece ao blogue de Daniel Matos sob o título-disfarce Bulcão: “São Luís precisa de uma biblioteca moderna; ‘Benedito Leite’ deve virar museu” [18/maio/2009], onde o mesmo também afirma sua vontade de modernizar a tradicional biblioteca pública estadual retirando-a da Praça do Pahtheon, ideia que me soa absurda. Por que não continuar o trabalho iniciado na gestão anterior, que, não tivesse sido interrompido, zeraria o número de municípios sem biblioteca pública no Estado?
A gestão cultural estadual caminha para (a)trás(o) quando torna a enxergar o Maranhão como se este fosse apenas São Luís. Na falta do que fazer pela implementação de políticas públicas culturais efetivas – sobretudo no interior do Estado –, algo a que têm ojeriza, resta-lhes difamar antagonistas, de forma irresponsável e leviana.
*Zema Ribeiro escreve no blogue http://zemaribeiro.blogspot.com, onde este texto foi originalmente publicado.
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