terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Esquerda terá presença inédita no Congresso

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Partidos considerados de esquerda e centro-esquerda vão ocupar 38% das cadeiras da Câmara e 33,5% das vagas do Senado. Para analista político, composição favorece debates sobre questões como casamento gay, descriminalização do aborto e cotas

Crescimento da esquerda no Senado é puxado pelo PT, que passa a ter 15 senadores

Edson Sardinha

A esquerda terá um espaço inédito no Congresso Nacional que toma posse hoje (1º). A classificação ideológica das siglas brasileiras e o impacto disso na produção legislativa podem provocar longos debates. Porém, uma coisa é certa: PT, PCdoB e Psol, tidos como de esquerda, e PSB, PDT, PPS e PV, historicamente associados à centro-esquerda, ocuparão 219 (37%) das 594 cadeiras do Parlamento. Entre eles, apenas Psol e PPS não fazem parte da base de apoio da presidenta Dilma Rousseff.

Na Câmara dos Deputados, a participação somada de esquerda e centro-esquerda chegará a 38%. No Senado, o índice é menor, mas a esquerda nunca usufruiu na Casa de tanto espaço quanto terá na legislatura que tem início hoje. Dos 81 senadores, 19 (23,5%) são filiados a PT, PCdoB ou Psol. Com os oito senadores de centro-esquerda, o grupo ocupará 27 cadeiras. Há quatro anos, eram 23. Agora, com 15 senadores, os petistas só terão menos representantes do que o PMDB, considerado de centro.

Na Câmara, esquerda e centro-esquerda também nunca ocuparam tanto espaço, pelo menos desde 1986, quando foram realizadas as primeiras eleições após a ditadura militar. Na legislatura iniciada em 1987, eles ocupavam apenas 14,5% das cadeiras da Casa. Quatro anos mais tarde, pularam para inéditos 20%. De lá pra cá, passaram-se duas décadas e a presença deles praticamente dobrou na Câmara. Ao todo, 106 deputados são de partidos de esquerda e 86, de centro-esquerda, o que corresponde a 38% da composição da Casa, índice superior aos 36% registrados no início da legislatura que se encerra.

Para analistas políticos ouvidos pelo Congresso em Foco, a maior presença de partidos de esquerda e centro-esquerda pode interferir na pauta legislativa, abrindo espaço para debates sobre temas polêmicos, como a união civil de homossexuais, a descriminalização do aborto, o aprofundamento de políticas de cotas raciais e sociais e a redução da jornada trabalhista. Se não vai resultar na aprovação delas, pode ao menos facilitar a entrada desses assuntos na ordem do dia do plenário, acreditam.


Trajetória ideológica da Câmara desde 1987


(participação percentual das bancadas por legislatura)


Orientação ideológica    Leg. 87/91   Leg. 91/95  Leg. 95/99  Leg. 99/2003  Leg. 2003/2007  Leg.2007/2011 Leg. 2011/2015
________________________________________________________________________________________________
Centro (1)
______________________39______29________34_________36__________28,5_________31__________26,3_____
Centro Direita(2)

______________________40______42,5_______34,5_______30__________28,5_________24,5_________27,7____
Esquerda (3)
______________________4,5______8_________11,5_______13__________20___________19__________21______
Centro-Esquerda(4)
______________________10______12________10__________9__________12___________17__________17______
Direita(5)
______________________6,5______8,5_______10_________12__________11___________8,5__________8,6_____


1) PMDB, PSDB e PMN.

2) PFL/DEM, PTB, PL/PR, PSC, PTC, PHS, PAN, PRB, PSL, PST, PSD, PSDC, PSP, PRN, PRS, PTR, PDC e o antigo Partido Popular (PP, que disputou apenas as eleições de 1994 e depois foi incorporado ao atual Partido Progressista, PP).

3) PT, PCdoB e Psol.

4) PDT, PSB, PPS e PV.

5) PP (que ao longo do período 1987/2011 teve também as denominações de PDS, PPR e PPB), Prona (que se fundiu ao PL, formando o PR, no início de 2007) e PTdoB.

Fonte: Congresso em Foco

Dos extremos para o centro

“O diagnóstico é verdadeiro. Temos a maior concentração de parlamentares à esquerda do espectro político. Mas num governo de coalizão essas forças acabam se diluindo. Elas puxam as posições dos partidos de direita e centro-direita que também participam do governo para o centro”, avalia o diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz.

Para o cientista político Leonardo Barreto, a maior presença dos partidos de esquerda e centro-esquerda no Congresso se deve basicamente a dois fatores: as duas eleições de Lula e a dificuldade das legendas conservadoras de assumirem um discurso próprio no Brasil.

“Os partidos conservadores têm muita dificuldade de se assumirem como tais. O DEM (antigo PFL), por exemplo, se refundou com o objetivo de resgatar o eleitorado conservador. Mas não concluiu seu processo porque foi obrigado a moderar o discurso para se associar ao PSDB na busca pelo Executivo. Essa ligação faz com o que partido se apresente de forma ambígua para as pessoas”, considera o professor.

Embates e contradições

Para Leonardo Barreto, uma mostra de que o embate entre direita e esquerda resiste ao tempo foi a derrubada da cobrança da CPMF no Senado em 2007. A rejeição da proposta de emenda constitucional que prorrogava a cobrança do tributo até 2011 foi liderada pelo DEM. “Esse foi o ponto alto do partido nos últimos anos”, ressalta o cientista político. A redução de impostos é tradicionalmente uma bandeira de partidos conservadores em todo o mundo.

Por mais que o PT tenha caminhado para o centro e legendas de centro-esquerda, como PDT e PSB, tenham flexibilizado o ingresso de quadros originários de partidos mais conservadores, Antônio Augusto acredita que esses partidos não abandonaram bandeiras históricas caras à esquerda, como a defesa dos direitos humanos e de oportunidades de ascensão econômica e social. Para ele, o fato de os bancos nunca terem lucrado tanto quanto nos oito anos do governo Lula, por exemplo, não quer dizer que o PT tenha esquecido suas origens.

“Esse aspecto da coloração política, com essa variação de esquerda e direita, é hoje menos uma visão econômica. Com um Congresso mais à esquerda, é possível incluir na agenda temas como união civil entre pessoas do mesmo sexo, descriminalização do aborto, criminalização da homofobia, combate à redução da maioridade penal e defesa de políticas afirmativas para minorias. Se dependesse da direita, nenhuma dessas coisas prosperaria”, afirma o analista político.

Leonardo Barreto também considera relevante a capacidade de influência que podem desempenhar os partidos de esquerda e centro-esquerda, que fazem parte majoritariamente do governo Dilma. “Ela colocou no discurso de campanha que faria a desoneração da folha de pagamento. Mas está vendo que isso é superdifícil, porque a solução econômica não é a solução política. A econômica seria cortar, por exemplo, contribuições sindicais. Com a base que tem hoje, Dilma terá de fazer isso com mais cuidado”, exemplifica o professor da UnB. O movimento sindical é uma das bases de sustentação de partidos como o PT e o PDT.

Mudanças graduais

Na avaliação dele, isso não significa que o próximo Congresso adotará práticas inovadoras em relação ao anterior. “As pessoas não podem alimentar muitas expectativas porque as questões institucionais permanecem as mesmas. As bases pelas quais a maioria dos partidos e dos parlamentares decide se apoia ou não a agenda do governo, como a distribuição de espaços políticos no Executivo e a liberação de obras e recursos, continuam as mesmas. Antevejo um Congresso muito pouco pró-ativo, movido pelo Executivo ou por crises. O Executivo tem plena possibilidade de implantar sua agenda”, observa Leonardo Barreto.

Para ele, não será desta vez que o Legislativo promoverá mudanças profundas, como as reformas política e tributária. “Em vez de mudanças globais, você vai ter pingadinhas, alguma coisa de cada uma das reformas que estão sendo citadas. Alguma agenda sobre a questão das mulheres vai ser trabalhada. A questão do aborto e do casamento gay também pode ser discutida”, afirma.

Antônio Augusto de Queiroz concorda com a possibilidade da retomada do debate desses assuntos. Tanto pela pressão dos partidos, como pela pressão da sociedade civil, a exemplo do que houve com a Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular. Mas, para ele, uma importante contribuição que o perfil partidário do novo Senado favorece é a modernização da Casa, conhecido reduto oligárquico.

“Essa presença maior dos partidos de esquerda e centro-esquerda é muito importante no Senado, principalmente para a modernização da instituição, que sempre foi casa conservadora. Com parlamentares mais jovens, com perfil mais à esquerda, é possível dar maior dinâmica à Casa, diminuir o provincianismo e o conservadorismo”, considera o diretor do Diap.

Composição ideológica no Senado

(participação percentual das bancadas por legislatura)


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Orientação ideológica                        Legislatura   2007/11                              Legislatura 2011/15




Centro (1)                                                 38                                                       38                                           

Centro-direita (2)                                 24,5                                                       22,5
Esquerda (3)                                          17,2                                                       23,5
Centro-Esquerda(4)                               11                                                         10
Direita (5)                                              1,2                                                         6
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1) PMDB, PSDB e PMN.

2) PFL/DEM, PTB, PL/PR, PSC, PRB.

3) PT, PCdoB e Psol.

4) PDT, PSB, PPS e PV.

5) PP (que ao longo do período 1987/2011 teve também as denominações de PDS, PPR e PPB).

Fonte: Congresso em Foco

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