quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
Carnaval
Acordar planando nas partículas suspensas
Da chuva deixada pela noite cortada
Por trovões e coriscos espectrais.
Enrolado no pano de sol estendido no chão batido,
Madrugando na temperatura mais caída da manhã,
Ouvindo o ressonar dos corpos,
A tristonha acauã e o agudo ladrido de cães,
E o revoar de papagaios sobre os cocais.
O borbulhar dos peixes no remanso
e a explosão das águas nas cabeceiras,
Os cardumes enlouquecidos
pelas chuvas torrenciais de fevereiro.
E assim revirar o tempo dos insetos famintos,
As lacerações das ervas daninhas,
O lamaçal das veredas tortas e sujas,
Esquecendo as frutas coloridas no chão de capim
Que serão mais tarde devoradas por um tapete vermelho de quatis.
E não cronometrar as horas é como andar descalço
No fundo de areia alva dos rios.
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017
Por que Lula pode atrapalhar
A candidatura de Lula para a disputa de 2018 é certa.
O PT já afirmou publicamente que não há outro nome.
Nas pesquisas, o petista, que já era favorito no primeiro turno, agora aparece como imbatível também no segundo, conforme a pesquisa CNT/MDA.
Por enquanto, Lula está na frente em todos os cenários. Lideranças como Marina Silva (Rede), Aécio Neves (PSDB) e Michel Temer (PMDB) parecem não dispor de sinais de vitalidade até agora.
As análises mais otimistas em relação a Lula podem esconder problemas. Por isso, eu prefiro ser pessimista agora. Prove da acidez:
a) O Legado petista
Diante do cenário de crise, o legado petista é autoevidente para a população. E a lembrança de Lula está relacionada ao período de abastança dos programas sociais. Tanto mais o PMDB fracassa para gerenciar a crise, mais força eleitoral terá o legado petista. Esse legado minimiza o cenário atual da economia mundial criando falsas expectativas. O vale tudo da campanha autoproclamará a eficiência do lulismo, que se posicionará acima da ética e dos erros cometidos pelo seu partido, reforçando a crise de representação política.
b) A naturalização da corrupção política
O PMDB piorou o cenário de corrupção no país. Está fortalecendo na população a crença de que a política é naturalmente corrupta. Desse modo, o PMDB é o principal avalista para a anistia dos erros cometidos pelo PT. O problema é que o vale tudo no período eleitoral desgastará os dois lados no lamaçal de denúncias, abrindo espaço para alternativas éticas. Diante do vazio ético, um segmento do eleitorado tende a crescer, inclusive aquele mais alinhado ao neofacismo. E quando o neofacismo cresce, a esquerda também cresce, fazendo uma espécie de contrapeso. Por aí virá a alternativa. Nesse sentido, o PT e o PMDB exercerão um papel negativo em 2018, reforçando a tese de que todos são iguais do ponto de vista ético. A vitória do PT nesses moldes pode representar uma sinalização perigosa para fortalecimento da corrupção eleitoral e administrativa. Se nada alterar o cenário, o PT seguirá como uma força conservadora qualquer, preso às mesmas práticas dos outros partidos da direita brasileira.
c – O personalismo
Lula ainda é fruto de uma política equivocada do PT, que reforça o personalismo. Ele não é o PT e a população não vota no programa do PT. Isso tem significado para as instâncias partidárias e agora mais do que nunca tende a se aprofundar, como estratégia desesperada para a volta ao poder. A imagem de Lula será trabalhada para se distanciar da imagem do seu partido, associado hoje à corrupção. Dessa forma, Lula contribuirá muito mais para o enfraquecimento da noção de partido e de programa ideológico. O sucesso de Lula terá como resultado um PT muito mais enfraquecido e um presidente muito mais livre para fazer as alianças que bem entender.
d – O PT na encruzilhada
Para disputar a eleição, o PT tentou escamotear a crise ética. Não puniu seus dirigentes e tentou em vão assumir o lugar de vítima. Isso fortaleceu uma candidatura de Lula cega para autocrítica. O PT tentará outra experiência sem reciclagem moral e ética. Nesse rumo, não haverá outra coisa a não ser o presidencialismo de coalização, corruputo e decadente. A distopia petista somente será contida no marco da construção de uma frente de esquerda. Somente um programa ideológico salvará o país de Lula e seus arroubos demagógicos. Quem caberá dentro dessa aliança dependerá da conjuntura da crise, da regressão de direitos e das possibilidades de autocrítica. Se Lula for preso, o PT acordará definitivamente, mas pode ser tarde.
e - As alternativas
A crise ética e ideológica abriu espaço para uma alternativa. Ela se fortalecerá mais ainda se o plebiscito Lula fracassar. E a alternativa precisa acontecer já em 2018, sob pena de ocorrer um cenário onde a força do lulismo se depare com um muro de contenção incapaz de vencer no segundo turno. Não havendo abertura para uma frente de esquerda, Lula pode apenas atrapalhar a alternativa, ocupando o espaço da esquerda no segundo turno. O desgaste pode ocorrer dentro da campanha e mais escândalos podem ocorrer em pleno segundo turno inclusive. O lulismo é um perigo, porque pode ser parte de uma estratégia da direita para vencer as eleições.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017
O cidadão de bem
O chamado "cidadão de bem" não é nenhuma novidade.
Hitler era um cidadão de bem para o sistema de sua época.
A inquisição matava no fogo em nome dos cidadãos de bem.
Muitos indígenas foram exterminados ou escravizados em nome da sociedade dos homens de bem.
Os defensores do escravismo eram cidadãos de bem, sem dúvida.
Os capitães do mato prestavam serviços ao cidadão de bem.
A Ku Klux Kam, no idos de 1860, também reunia cidadãos de bem nos EUA.
Em suma, o cidadão de bem é o guardião da moral e dos "bons costumes". Moral e costumes hegemônicos da sociedade numa determinada época.
Por isso, os chamados "homens de bem" costumam perseguir e odiar os diferentes. O homem de bem segue o padrão do macho, branco e proprietário. Esse é o modelo dominante da sociedade. Aliás, é fato curioso não usarem a expressão "mulher de bem".
A mulher de bem não existe. É apenas uma pessoa recatada e do lar. É costela do homem de bem. Um apêndice e um repositório de desejos eminentemente reprodutivos.
Os homens de bem não conseguem lidar com uma sociedade de iguais. Essa sociedade reclama igualdade de direitos, universalidade.
Os homens de bem lutam por distinção (leia-se privilégios) decorrente da posição de classe. Sim, porque não devemos esquecer que ele não apenas é macho, mas é proprietário. Proprietários têm patrimônio, dinheiro.
Por isso, homens de bem são ciosos com as aparências. Pretendem com isso manter os outros no seu devido lugar. As distinções, os títulos e a comendas fazem parte da ritualística dos homens de bem. Eles traduzem isso interessadamente por mérito.
Eles sabem que uma sociedade de iguais é uma ameaça aos seus "méritos". Eles sabem que seus méritos são alcançados na ausência da igualdade. Por isso nada mais ameaçador para um cidadão de bem do que a universalidade dos direitos.
O título de "doutor", sequestrado do academicismo, é um esforço de distinção dos homens de bem. Os anéis de formatura de igual forma. A expressão "você sabe com quem está falando?" é o "abracadabra" do cidadão de bem. É apenas um meio de relembrar sua posição social, excluindo o interlocutor da ambiência dos homens de bem.
Os cidadãos de bem sempre existiram. Eles mudam de rosto, mas seus trejeitos são os mesmos. Eles aplaudiam os enforcamentos e os esquartejamentos. Hoje eles gozam de outras formas, mas sempre ladeando o sistema punitivo com pompas e formalidades.
Para eles, a punição é sinônimo de segurança. É garantia do patrimônio, de um lugar social. Essa estória de ressocialização é apenas conversa mole. O importante é tirar o sujeito do páreo (de circulação).
Bandido bom é bandido morto. É uma expressão nazista. É irmã dessa outra: "índio bom é índio morto." Quer dizer justiçamento, desrespeito a um julgamento formal. Imagine que o sistema de justiça formal já padece de seletivismo. Nem a isso eles chegam.
Bandido é o antônimo de cidadão de bem. Bandido é pobre. Tem que ser. Bacana não é bandido. "Menor" infrator é o pobre. Filho da classe média não é bandido. Ladrão de gravata pode ficar fora da cadeia porque parece com o cidadão de bem.
O sistema penal persegue então os bandidos, que são aqueles que praticam a criminalidade de rua. São os pobres. Os ricos que roubam têm curso superior, via de regra e por via das dúvidas. O cidadão de bem é cristão. Sonega imposto, fura a fila, estaciona em local proibido e dirige na contramão. Se tiver oportunidade de roubar, também rouba, saqueia supermercados e até caminhões de carga tombados.
A representação política por excelência do cidadão de bem é o político corrupto.
Muito cuidado com o cidadão de bem.
A crise no Espírito Santo e a desmilitarização das PMs
Depois da crise no Espírito Santo, o debate sobre a reformulação da segurança pública voltou à tona com um componente regressivo.
Dentro da onda conservadora, surgem os argumentos destorcidos, como o que associa a desmilitarização ao fim das polícias, por exemplo.
Ao lado deles, seus desdobramentos lógicos, tais como os que proclamam a imprescindibilidade das PMs, única detentora do título de protetora da sociedade.
É verdade que as coisas não andam bem. O abandono foi tão grande que boa parte do que ocorre no ES não dependeria da simples troca de fardas.
E esse é um cuidado que temos que ter para debater um tema complexo. Nada salvaria uma segurança pública sem investimento do Estado.
A desmilitarização é um debate que se enfrenta mirando a cultura do militarismo como herança da ditadura. Ela, por razões históricas, se impôs sobre um segmento das nossas forças policiais em que pese a abertura democrática.
A transição não feita, porque essa cultura serve muito bem a alguns interesses próprios que negam a polícia a missão de defender a cidadania e garantir direitos.
A herança da ditadura militar sobre as PMs é tão profunda que estão debaixo dos mesmos regulamentos. Só que a polícia, por definição, não faz a guerra e não defende a soberania nacional, tarefa específica e exclusiva das forças armadas regulares.
Mas essa aproximação - que não é apenas unidade de regulamentos, obviamente - tem efeitos simbólicos e doutrinários, por exemplo a missão de combater o inimigo interno e externo. Esse nebuloso postulado para os dias atuais ainda funciona como a força moral que condiciona a relação da polícia com as manifestações de protesto típicas das democracias.
As elites brasileiras também sabem que sem a polícia ostensiva nesses moldes seria impossível remediar pela força o colapso da representação política. O policial uniformizado na esquina simboliza a base da relação entre o Estado e a sociedade, cuja face mais tangível funciona como vigilância e repressão sobre a população mais pobre, naturalizando o comportamento abusivo, violador, racista, preconceituoso e brutal.
Resta patente que o militarismo projeta seus efeitos deletérios não apenas para a sociedade, mas também para dentro da corporação. As regras que definem a relação entre a base da tropa e o oficialato não encontram mais respaldo na Constituição. A arbitrariedade e o poder absoluto dos comandos ferem garantias mínimas de qualquer cidadão, escondidas no manto da princípio da hierarquia, um dogma que não dialoga com o interesse público subjacente a qualquer norma de organização dos servidores públicos.
No caso da greve dos PMs do Espírito Santo nem a terminologia equivocada das manchetes do jornais denuncia a distorção institucionalizada pelo militarismo. Os PMs são proibidos de fazer greves e suas associações não podem participar de negociações coletivas de trabalho porque ao PM não é permitido também a organização sindical.
A mente conservadora pode alegar que se fosse permitido aos PMs o direito de greve seria pior, porque não sobraria nenhuma força policial para socorrer a sociedade nos momentos de crise. Mas o exemplo do Espírito Santo é o suficiente para desmontar a fragilidade desse argumento.
Os PMs disfarçam a greve em motim, em revolta ou em aquartelamento, puro e simples. Via de regra, utilizam seus familiares como biombo para o impedimento ao trabalho. E isso tudo ocorre porque não há institucionalização para reger as relações de trabalho entre a PM e o governo de plantão. No caso de greve, um regulamento resolveria as condições e os requisitos para que ocorresse a dinâmica das negociações, sob o império do ordenamento jurídico, sem prejuízo para a sociedade.
Sem tais normativas legais, as greves das PMs resvalam para o crime militar, única forma de enquadramento atualmente existente para reger as reivindicações por melhores condições de trabalho da PM - via de regras justas e legítimas.
Por isso mesmo é que setenta por cento dos soldados, cabos, sargentos e subtenentes querem a desmilitarização e a mudança desse modelo. Entre os oficiais, por razões óbvias, o placar é mais apertado: 54%.
Por último, é preciso esclarecer: a desmilitarização não se faz instantaneamente. Demanda tempo, planejamento e regras de transição para proteção de direitos.
Dentro da onda conservadora, surgem os argumentos destorcidos, como o que associa a desmilitarização ao fim das polícias, por exemplo.
Ao lado deles, seus desdobramentos lógicos, tais como os que proclamam a imprescindibilidade das PMs, única detentora do título de protetora da sociedade.
É verdade que as coisas não andam bem. O abandono foi tão grande que boa parte do que ocorre no ES não dependeria da simples troca de fardas.
E esse é um cuidado que temos que ter para debater um tema complexo. Nada salvaria uma segurança pública sem investimento do Estado.
A desmilitarização é um debate que se enfrenta mirando a cultura do militarismo como herança da ditadura. Ela, por razões históricas, se impôs sobre um segmento das nossas forças policiais em que pese a abertura democrática.
A transição não feita, porque essa cultura serve muito bem a alguns interesses próprios que negam a polícia a missão de defender a cidadania e garantir direitos.
A herança da ditadura militar sobre as PMs é tão profunda que estão debaixo dos mesmos regulamentos. Só que a polícia, por definição, não faz a guerra e não defende a soberania nacional, tarefa específica e exclusiva das forças armadas regulares.
Mas essa aproximação - que não é apenas unidade de regulamentos, obviamente - tem efeitos simbólicos e doutrinários, por exemplo a missão de combater o inimigo interno e externo. Esse nebuloso postulado para os dias atuais ainda funciona como a força moral que condiciona a relação da polícia com as manifestações de protesto típicas das democracias.
As elites brasileiras também sabem que sem a polícia ostensiva nesses moldes seria impossível remediar pela força o colapso da representação política. O policial uniformizado na esquina simboliza a base da relação entre o Estado e a sociedade, cuja face mais tangível funciona como vigilância e repressão sobre a população mais pobre, naturalizando o comportamento abusivo, violador, racista, preconceituoso e brutal.
Resta patente que o militarismo projeta seus efeitos deletérios não apenas para a sociedade, mas também para dentro da corporação. As regras que definem a relação entre a base da tropa e o oficialato não encontram mais respaldo na Constituição. A arbitrariedade e o poder absoluto dos comandos ferem garantias mínimas de qualquer cidadão, escondidas no manto da princípio da hierarquia, um dogma que não dialoga com o interesse público subjacente a qualquer norma de organização dos servidores públicos.
No caso da greve dos PMs do Espírito Santo nem a terminologia equivocada das manchetes do jornais denuncia a distorção institucionalizada pelo militarismo. Os PMs são proibidos de fazer greves e suas associações não podem participar de negociações coletivas de trabalho porque ao PM não é permitido também a organização sindical.
A mente conservadora pode alegar que se fosse permitido aos PMs o direito de greve seria pior, porque não sobraria nenhuma força policial para socorrer a sociedade nos momentos de crise. Mas o exemplo do Espírito Santo é o suficiente para desmontar a fragilidade desse argumento.
Os PMs disfarçam a greve em motim, em revolta ou em aquartelamento, puro e simples. Via de regra, utilizam seus familiares como biombo para o impedimento ao trabalho. E isso tudo ocorre porque não há institucionalização para reger as relações de trabalho entre a PM e o governo de plantão. No caso de greve, um regulamento resolveria as condições e os requisitos para que ocorresse a dinâmica das negociações, sob o império do ordenamento jurídico, sem prejuízo para a sociedade.
Sem tais normativas legais, as greves das PMs resvalam para o crime militar, única forma de enquadramento atualmente existente para reger as reivindicações por melhores condições de trabalho da PM - via de regras justas e legítimas.
Por isso mesmo é que setenta por cento dos soldados, cabos, sargentos e subtenentes querem a desmilitarização e a mudança desse modelo. Entre os oficiais, por razões óbvias, o placar é mais apertado: 54%.
Por último, é preciso esclarecer: a desmilitarização não se faz instantaneamente. Demanda tempo, planejamento e regras de transição para proteção de direitos.
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017
O bipolarismo e a AGU
É difícil entender como alguém que aprovava a estratégia petista ao nomear Lula agora reprova a mesma estratégia do PMDB, em proteger Moreira Franco. A direita que urrava com a nomeação de Lula agora simplesmente faz cara de paisagem. Esse é o jogo da velha política que os dois lados fazem bem. Ficar do lado da ética exige coragem e independência nos dias de hoje.
Eu só não consigo entender porque a estratégia dos partidos pode se confundir com o interesse público, a ponto de a AGU funcionar como advogada dos réus nesses processos.
No frigir dos ovos, é o cidadão brasileiro que remunera a defesa judicial dessas figuras.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
Segurança pública para humanos direitos?
Não é novidade que a onda conservadora que toma conta do país construa seus discursos de legitimação.
Também não é novidade que esses discursos sejam aceitos e difundidos amplamente pelos segmentos conservadores da sociedade.
O pensamento conservador elabora em todos os espaços da vida discursos de justificação ideológica. Tem seus inspiradores e seus adeptos.
No campo da segurança pública, o discurso neofacista é especialmente perigoso. Ele tenta recriar a realidade em que pese um consenso universal acerca de determinados dados sobre a violência.
O pensamento conservador nessa área faz de conta que tais dados inexistem e continua sua cruzada insana lutando contra o óbvio.
E encontra eco não apenas na falta de informação, mas na rejeição absoluta à informação. É uma espécie de negação da realidade. Nesse aspecto, o conservadorismo na fase aguda, é autista.
A juventude neonazista nega a existência do holocausto. Os coxinhas negam a morte de Marisa, ex-primeira dama da República, esposa de Lula.
O discurso da direita em segurança pública tem sua caixa de ressonância não apenas na "bancada de bala", mas na voz de determinados operadores do sistema.
Por ocasião do enterro da policial civil, Iran Santos, no cemitério Parque da Saudade, no bairro do Vinhais, ouvimos o discurso do Secretário de Segurança, uma gravação que se propagou em vários grupos de whatsapp.
Não retratou a fala de um militante do histórico PCdoB, partido que se considera de esquerda no Brasil. Lembrou o discurso do fanático da direita, Jair Bolsonaro, porque o populismo penal de direita e de esquerda são na verdade irmãos siameses.
A nova onda conservadora parece que arrasta parte da esquerda nos seus discursos legitimadores.
Será impossível reformular a política de segurança, enquanto refém do discurso punitivista, na contramão da realidade.
O fundamento desse discurso pode ser identificado pelos seguintes lugares comuns:
a) que as leis são frouxas e não permitem que os "bandidos" permaneçam presos - desconhecendo que a estrutura prisional do país ruiu e nestas condições a prisão é a universidade do crime. Ou seja, se prender cada vez mais trouxesse segurança, nós já seríamos um dos países mais seguros do mundo, uma vez que já estamos quase alcançando a terceira população carcerária do planeta.
b) que a polícia prende e a justiça solta.
I - desconhecendo que se a justiça mantivesse no cárcere todas as pessoas presas pela polícia o sistema penitenciário implodiria mais rapidamente. Desconhecendo ainda que quanto mais rígidas forem as leis mais tempo na prisão permanecerão os infratores, incrementando o recrutamento pelas facções num círculo vicioso que ameaça a segurança dos cidadão fora dos muros das cadeias.
I - desconhecendo que se a justiça mantivesse no cárcere todas as pessoas presas pela polícia o sistema penitenciário implodiria mais rapidamente. Desconhecendo ainda que quanto mais rígidas forem as leis mais tempo na prisão permanecerão os infratores, incrementando o recrutamento pelas facções num círculo vicioso que ameaça a segurança dos cidadão fora dos muros das cadeias.
II - reforça o descrédito no Poder Judiciário como instituição fundamental para assegurar garantias individuais do cidadão e alimenta a crença de que a polícia é a vingadora da sociedade, ocultando os mecanismos de funcionamento do próprio sistema de justiça, que não apenas concebem a participação de outras instituições,como também apresentam defeitos e falhas que remontam ao próprios procedimentos policiais.
c) que as entidades de direitos humanos se importam mais com a morte dos criminosos do que com a morte dos "cidadãos de bem" ou dos policiais.
I - desvirtuando o fato de que as entidades de direitos humanos denunciam a arbitrariedade policial e a violação dos direitos humanos no contexto onde as operações policiais implicam em ilegalidades, como o extermínio e letalidade fora dos parâmetros legais. Polícia cumprindo a lei e respeitando garantias individuais de TODOS é um pressuposto dos Estados de Direito. Até porque à polícia não é dado JULGAR e, portanto, a ela não se confere a última palavra na taxação de quem é ou não é culpado.
II - que as entidades da sociedade civil de direitos humanos não se confundem com órgãos estatais de defesa dos direitos humanos, tais como as comissões de direitos humanos e as secretarias de direitos humanos. O cidadão comum deve ser atendido pelo Estado nos seus direitos de vítimas da violência. O país alcança a cifra de quase 60 mil homicídios por ano, sem falar nos crimes de menor gravidade. Cada uma dessas vítimas tem o direito de provocar o Poder Judiciário para reivindicar as reparações previstas no ordenamento jurídico e existem as instituições estatais com a incumbência de fazer esse atendimento específico. Embora o senso comum diga o contrário, as entidades de direitos humanos não visitam os infratores da lei e nem dispõem de orçamento para visitar todas as vítimas da violência, mas podem orientar as que buscam apoio nesse sentido.
III - o monitoramento do sistema carcerário não se confunde com a assistência jurídica ao detento individualmente falando. Esse atendimento jurídico é levado a efeito por órgãos estatais, como a Defensoria Pública e, até determinado ponto, pelo próprio Ministério Público. O monitoramento das condições do sistema carcerário é efetuado pelas entidades de direitos humanos e tem em vista principalmente a defesa da sociedade, que tem o direito a um sistema penitenciário que não contribua para o agravamento da segurança pública, tornando os egressos do sistema mais violentos pela falência da tarefa de ressocialização, pelo recrutamento das facções e pelo tratamento cruel e degradante no ambiente prisional.
I - desvirtuando o fato de que as entidades de direitos humanos denunciam a arbitrariedade policial e a violação dos direitos humanos no contexto onde as operações policiais implicam em ilegalidades, como o extermínio e letalidade fora dos parâmetros legais. Polícia cumprindo a lei e respeitando garantias individuais de TODOS é um pressuposto dos Estados de Direito. Até porque à polícia não é dado JULGAR e, portanto, a ela não se confere a última palavra na taxação de quem é ou não é culpado.
II - que as entidades da sociedade civil de direitos humanos não se confundem com órgãos estatais de defesa dos direitos humanos, tais como as comissões de direitos humanos e as secretarias de direitos humanos. O cidadão comum deve ser atendido pelo Estado nos seus direitos de vítimas da violência. O país alcança a cifra de quase 60 mil homicídios por ano, sem falar nos crimes de menor gravidade. Cada uma dessas vítimas tem o direito de provocar o Poder Judiciário para reivindicar as reparações previstas no ordenamento jurídico e existem as instituições estatais com a incumbência de fazer esse atendimento específico. Embora o senso comum diga o contrário, as entidades de direitos humanos não visitam os infratores da lei e nem dispõem de orçamento para visitar todas as vítimas da violência, mas podem orientar as que buscam apoio nesse sentido.
III - o monitoramento do sistema carcerário não se confunde com a assistência jurídica ao detento individualmente falando. Esse atendimento jurídico é levado a efeito por órgãos estatais, como a Defensoria Pública e, até determinado ponto, pelo próprio Ministério Público. O monitoramento das condições do sistema carcerário é efetuado pelas entidades de direitos humanos e tem em vista principalmente a defesa da sociedade, que tem o direito a um sistema penitenciário que não contribua para o agravamento da segurança pública, tornando os egressos do sistema mais violentos pela falência da tarefa de ressocialização, pelo recrutamento das facções e pelo tratamento cruel e degradante no ambiente prisional.
d) que policiais e defensores de direitos humanos são coisas diferentes
I- quando na verdade não existe segurança pública sem respeito aos direitos humanos, sob pena de afronta à nossa própria Constituição Federal e à Lei vigente. Os policiais são tão responsáveis pelo cumprimento dos direitos humanos como qualquer outra entidade, com a agravante de que são verdadeiramente o "braço armado do Estado", enquanto que o cidadão comum é parte vulnerável dessa relação que implica a garantia da preservação da sua integridade física e psicológica nas abordagens e nos procedimentos policiais, porque, como já dito, a polícia não julga e existe o direito de presunção de inocência.
I- quando na verdade não existe segurança pública sem respeito aos direitos humanos, sob pena de afronta à nossa própria Constituição Federal e à Lei vigente. Os policiais são tão responsáveis pelo cumprimento dos direitos humanos como qualquer outra entidade, com a agravante de que são verdadeiramente o "braço armado do Estado", enquanto que o cidadão comum é parte vulnerável dessa relação que implica a garantia da preservação da sua integridade física e psicológica nas abordagens e nos procedimentos policiais, porque, como já dito, a polícia não julga e existe o direito de presunção de inocência.
II- que as entidades de direitos humanos deveriam garantir assistência material aos familiares dos policiais mortos em confronto com a criminalidade, ocultando o fato de que as corporações policiais não são vulneráveis e, como "braço armado do Estado", dispõem de condições para exigir esses direitos do próprio aparelho do Estado, com muito maior eficiência do que as entidades da sociedade civil de direitos humanos. Essas entidades têm como foco a assistência e a orientação de pessoas e coletividades hipossuficientes e excluídas do sistema de justiça e de desenvolvimento.
f) bandido bom é bandido morto - desconsiderando que o sistema de justiça e de segurança é seletivo, voltado especialmente para a prisão da criminalidade de rua, praticada especialmente pelos mais pobres, negros, jovens e moradores de periferia, maiores vítimas da exclusão social e da desigualdade. Enquanto isso, esse mesmo sistema é falho para apurar e punir os crimes praticados pelas elites, na maioria dos casos fora do alcance dos procedimentos policiais, cuja estrutura não está voltada para investigação científica dos crimes de maior complexidade. Bandido morto é bandido pobre!
g) Direitos humanos para humanos direitos - o que é a mesma coisa que dizer que é a polícia é que define quem tem garantias fundamentais e quem não tem, desconhecendo que a clientela do sistema penal é selecionada majoritariamente entre os mais pobres, sendo estes comumente apontados como os responsáveis por excelência pela violência e pela criminalidade, numa lógica que obscurece os fatores sociais que condicionam a criminalização e o estereótipo criminal. Usurpando o lugar de JULGAR o infrator, a polícia não apenas descumpre a lei como também nega a universalidade dos direitos humanos, à luz dos quais garantias mínimas de preservação de integridade física e psíquica não significam em absoluto a desresponsabilização criminal.
Em suma, é de admirar que um gestor do sistema - que sabe de tudo isso (ou não?) - continue a disseminar lugares comuns que calham muito bem na boca dos leigos e dos desinformados.
g) Direitos humanos para humanos direitos - o que é a mesma coisa que dizer que é a polícia é que define quem tem garantias fundamentais e quem não tem, desconhecendo que a clientela do sistema penal é selecionada majoritariamente entre os mais pobres, sendo estes comumente apontados como os responsáveis por excelência pela violência e pela criminalidade, numa lógica que obscurece os fatores sociais que condicionam a criminalização e o estereótipo criminal. Usurpando o lugar de JULGAR o infrator, a polícia não apenas descumpre a lei como também nega a universalidade dos direitos humanos, à luz dos quais garantias mínimas de preservação de integridade física e psíquica não significam em absoluto a desresponsabilização criminal.
Em suma, é de admirar que um gestor do sistema - que sabe de tudo isso (ou não?) - continue a disseminar lugares comuns que calham muito bem na boca dos leigos e dos desinformados.
E quando se constata que esse tipo de discurso encontra eco profundo numa ambiência coletiva formada especialmente por operadores do sistema - coroada por um rotundo amém cristão - é de fazer pasmar.
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