O caso do governo do Maranhão motiva uma reflexão mais apurada sobre a democracia e a função dos partidos políticos no Brasil.
A Súmula Vinculante nº 13, do STF, não surgiu no ordenamento jurídico brasileiro por obra do acaso. Ela é produto de um sentimento que obrigou o tribunal de cúpula do Poder Judiciário a enfrentar um aspeto do problema que acomete a política do nosso país, desde os primórdios da colonização portuguesa.
Na Carta de Pero Vaz de Caminha já se podia ler:
Diante a omissão flagrante do Congresso Nacional, a referida Súmula foi publicada, sob protestos de vários segmentos da área jurídica, que se opunham ao ativismo judicial e ao risco da invasão de atribuições nos poderes. O Supremo decidiu corajosamente à míngua da atuação da política representativa, mergulhada em crise de legitimidade.
De fato, a República não poderia prescindir da necessária atualização de alguns princípios, esquecidos no submundo do patrimonialismo brasileiro. Os casos de apropriação do patrimônio público por amigos, parentes e apaniguadas são inúmeros e comprometem a lógica da separação entre o público e o privado, fundamento para a meritocracia e para a honestidade na Administração Pública.
Portanto, seja uma questão moral (a direita republicana pensa assim), seja uma questão ideológica (a esquerda radical pensa assim), essa prática fere os princípios constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da moralidade na Administração Pública. Ou seja, o nepotismo é considerado hoje uma prática nefasta e anti-ética.
O problema no Maranhão é que a Súmula do Supremo está sendo utilizada para justificar imoralidades comparáveis às práticas do período oligárquico. Mais do que uma questão legal, tornou-se uma questão política e ideológica.
Lembremo-nos que a ideia inicial da súmula era dar a maior abrangência possível aos princípios da moralidade e da impessoalidade, mas isso não foi alcançado, frustrando-se expectativas de avanços. A Súmula, embora a política tradicional discorde, não representa o fim das diversas modalidades de nepotismos existentes no Brasil. Sequer pode conter o monopólio do conceito.
É o próprio Supremo que afirma nos seus julgados: "O enunciado da Súmula Vinculante nº 13 não pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, uma vez que a tese constitucional nele consagrada consiste na proposição de que essa irregularidade decorre diretamente do caput do art. 37 da Constituição Federal, independentemente da edição de lei formal sobre o tema (Rcl 9284 / SP - SÃO PAULO. DJe-227 DIVULG 18-11-2014 PUBLIC 19-11-2014). No mesmo sentido; Rcl 15451 AgR / RJ - RIO DE JANEIRO.DJe-066 DIVULG 02-04-2014 PUBLIC 03-04-2014).
A moralidade e a impessoalidade são imposições legais que têm por objetivo promover a separação entre a esfera pública e a esfera privada. Nesse ponto, o poder de nomeação para exercício de cargos públicos de confiança não poderia ser utilizado para conceder favores ou permitir que o Estado funcione como “cabide de empregos”. Esse raciocínio simples já é maior do que a Súmula Vinculante n.º13.
Só para se ter uma ideia, tendo por fundamento a referida Súmula, o STF considera legal a nomeação de parentes para cargos de governo (os chamados agentes políticos), tais como secretários e Ministros. Tal absurdo, embora ao abrigo da Súmula, sempre foi denunciado pelos grupos oposicionistas no Maranhão, como prática imoral e patrimonialista.
A nomeação de parente para exercer cargo de confiança com atribuições políticas é considerada imoral, pelo senso médio de qualquer eleitor. Essas nomeações claramente apontam para a criação de um regime de privilégio e, por conseguinte, atentatório ao princípio da igualdade, sem qualquer fundamento de validade constitucional, para além de qualquer súmula.
Mesmo no âmbito do STF, a não incidência do verbete da Súmula Vinculante n° 13 do STF quanto às nomeações para cargos de agentes políticos não as torna incensuráveis. O Ministro Menezes Direito, no julgamento de uma reclamação por suposta violação à Súmula Vinculante n° 13 do STF afirmava:
"Eu me permitiria fazer uma pequena observação. Por ocasião do julgamento do leading case que levou à edição da Súmula 13, estabeleceu-se que o fato de a nomeação ser para um cargo político nem sempre, pelo menos a meu ver, descaracteriza o nepotismo. É preciso examinar caso a caso para verificar se houve fraude à lei ou nepotismo cruzado que poderia enseja a anulação do ato ( AgR-MC-RCL n° 6650, 2008, p. 16).
A Ministra Cármen Lúcia também não se conformou com o alcance interpretativo da Súmula, afirmando "não existir “liberdade absoluta em espaço algum”; do contrário, “o governante poderia escolher apenas os seus familiares para todos os cargos. E por ser cargo político, isso seria permitido? De modo algum” (RE 579.951, 2008, p. 50).
Diante de uma possível interpretação restrita da Súmula (certamente por uma visão patrimonialista de Estado), ainda assim teremos no horizonte problemas jurídicos. Os casos de fraude à lei ou abuso de poder podem ser perfeitamente caracterizados para burlar a vedação ao nepotismo, por exemplo.
E é exatamente essa a compreensão que se deve ter na análise das nomeações para cargos de agentes políticos. Mesmo quando não seja possível extrair da norma constitucional vedação absoluta para que esta recaia sobre algum parente do governante, é preciso investigar não apenas a legalidade, mas a legitimidade. E assim, repudiar todo o ato que, embora revestido de suposta legalidade, não se mostre conforme o Direito, tornando-o ilegítimo.
Tais reflexões de ordem jurídica não são menos importantes do que as posições ideológicas. Talvez esse seja o incômodo de Deputado Domingos Dutra, Secretário de Representação Institucional no DF do Governo Flávio Dino, um anti-sarneísta crônico vendo ruir os fundamentos do seu discurso histórico contra a oligarquia.