Não há dúvidas de que a geração e o consumo de energia indicam e promovem o crescimento da economia, determinando o modelo de desenvolvimento de um país.
No Brasil, historicamente se impôs o processo de geração de energia centralizada, baseada em grandes usinas hidrelétricas, térmicas e nucleares.
Esse modelo hoje está em crise. Diante das questões ambientais e civilizatórias, agora é preciso repensar esse paradigma. São fatores que hoje pesam no debate: a ameaça das mudanças climáticas e a necessidade de se reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Se o Pré-Sal dá folego a esse modelo, não responde às questões cruciais envolvendo a sustentabilidade. Ele continua preso aos processos de geração centralizada, dentro dos pacotes de grandes obras de infraestrutura, envolvendo empreiteiras e financiadoras de campanhas políticas.
Sobre a eficiência e a pertinência desse padrão de geração de energia, convém lembrar as dezenas de obras não concluídas, ligadas a ele, como a Transposição do São Francisco, a Ferrovia Norte-Sul, ou a pavimentação da BR-163. A Usina Belo Monte é um capítulo importante da majoração de custos, com impactos subestimados ao ecossistema local e às comunidades indígenas.
Num país à beira da depressão econômica, com índices de inflação em ascensão, a emissão de gases de efeito estufa e a destruição do meio ambiente complementam um cenário de tragédia.
Os grandes empreendimentos energéticos (petrolíferos, hidrelétricos e nucleares) sempre desafiam alternativas quando se implantam em determinadas regiões e atingem determinadas populações.
Contudo, isso não quer dizer que as alternativa energéticas não possam reproduzir alguns aspectos desse modelo, elitista, corrupto e profundamente impactante sobre comunidades vulneráveis.
Nesse caso, seria importante dar uma olhada de perto no programa de alternativa eólica, que se implanta atualmente na região do Baixo Parnaíba.
A anunciada implantação de um Parque Eólico na região de Paulino Neves e Barreirinhas mobilizou prefeitos e o próprio governo estadual.
A empresa Omega apresenta um discurso difícil de se rebater: “vendemos energia renovável que ajuda a baratear o preço final ao consumidor e preservamos as atividades locais”, dizem os representantes da empresa.
Segundo o que foi divulgado, o investimento da primeira fase do projeto superará R$ 1 bilhão, tem início previsto para 2015 e previsão de entrega para 2017. O potencial de produção na região pode superar 800 MW de potência instalada, com investimentos que podem chegar a R$ 4 bilhões, equivalente a 6,5% do PIB do Maranhão.
É claro que os olhos de alguns políticos e empresários brilharam. O Maranhão, pela qualidade dos seus ventos, será um dos maiores produtores de energia "limpa", "criando cadeias de renda e emprego não só na implantação, como também na venda dessa energia ao mercado nacional", dizem.
No clima de euforia que se instala, o Governo automaticamente se entregou, fazendo parcerias para a construção de uma estrada, de apenas 30 km, ligando Barreirinhas a Paulino Neves, dentro de uma experiência de parceria público-privada.
Conforme anunciado, a primeira fase de construção da estrada será executada pela empresa Ômega Energia. Em seguida, o Governo do Estado prosseguirá com as obras de pavimentação do novo trecho.
A Omega jogou certinho. Colou seu produto com a possibilidade de integração rodoviária do Maranhão à Rota das Emoções, unindo o Parque Nacional de Jericoacoara (CE) e as cidades limítrofes ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.
Muita rapidamente também se iniciaram as obras para a construção de um "linhão", que possibilitará o escoamento da energia a ser produzida pelos ventos da região. Os impactos do linhão sobre as comunidades tradicionais, seus territórios e assentamentos, e sobre os ecossistemas onde elas estão enraizadas, jamais foram discutidos, com as comunidades diretamente impactadas.
O órgão de terras do Estado transformou-se em simples avalizador da servidão de passagem onde o "linhão" simplesmente esbulha os territórios e os assentamentos, num clima de ameaça e chantagem sobre as comunidades, pressionadas a ceder aos interesses da grande empresa. A secretaria de Meio Ambiente mantém-se como braço aliado do agronegócio, repetindo o filme que todo mundo já viu.
Nenhuma entidade de representação dos trabalhadores foi consultada, ou convidada a debater tais impactos sobre os trabalhadores rurais, os únicos sacrificados em nome da suposta alternativa e seu discurso sedutor.
No Maranhão, mesmo os programas de desenvolvimento que poderiam ser politicamente sustentáveis muito rapidamente se transformam em mecanismos de opressão e de exclusão social.
O projeto eólico em Barreirinhas-Paulino Neves aprofundou o menosprezo à agricultura familiar, na medida em que elimina as possibilidades de um modelo de geração de energia distribuída e descentralizada, onde os agricultores familiares também possam ser produtores de energia, fortalecendo o desenvolvimento sustentável a partir do protagonismo das comunidades tradicionais, nos seus territórios e assentamentos.
A energia produzida pela empresa Omega é subproduto da mesma lógica, envolvendo financiamentos de campanha e depredação ambiental e cultural. O linhão representa a mesma necessidade de trasporte da energia a longas distâncias, tal como nas hidroelétricas, consumindo grandes investimentos em linhas de transmissão, impactando comunidades e ecossistemas.
Estamos diante de um engodo de alternativa energética, preso aos mesmos fundamentos éticos do desenvolvimento por intermédio dos grandes empreendimentos, com significativos impactos socioambientais.
No Maranhão não se fala em painéis solares, migrogeradores hídricos ou eólicos, aproveitamento de resíduos em residências e pequenas empresas, tal como ocorre na Alemanha, na China e na Itália. Essas alternativas poderiam permitir a autonomia dos territórios étnicos, fortalecendo um modelo de turismo profundamente compromissário com a nova ética civilizatória.
O governo estadual poderia investir em mecanismos de produção de energia limpa pelas próprias comunidades rurais, cuja produção doméstica pode converter despesa em renda, com venda de excedentes para companhias energéticas.
O BNDES poderia financiar esse modelo e o governador, cioso por aparições no cenário nacional, poderia liderar iniciativas para deflagrar esse debate, que oriente o país em direção à uma economia sem carbono, ao invés de comprar alienadamente o discurso de exclusão da elites.
Aqui, simplesmente subordinou-se a alternativa eólica ao monopólio empresarial, explicitamente hostil às comunidades rurais, justamente para negar a pertinência do modelo alternativo a uma proposta de desenvolvimento inclusiva, reconhecedora das nossas identidades, cuja riqueza sociocultural - que não pode ser comprada e nem vendida - pode ser igualmente fonte de desenvolvimento.
Precisamos repensar os caminhos da alternativa energética no Maranhão, antes que ela seja definitivamente sequestrada pelos interesses do agronegócio, que abre as portas dos Lençóis e suas riquezas ecológicas e culturais à especulação imobiliária.
O governo Dino restaura agora o antigo ciclo de turismo predatório que avançou sobre os territórios do entorno do Parque e somente foi barrado parcialmente por um intervenção fundiária preventiva, que ainda não se consolidou, nos governos passados.
A rota das emoções pode se concretizar na prática em rota das tragédias para um número significativo de comunidades tracionais da região do Baixo Parnaíba, se um programa de desenvolvimento fundamentado na agricultura familiar não emergir na arena pública rapidamente.