domingo, 28 de fevereiro de 2016

Vídeo recoloca a questão do assédio moral no treinamento das forças policiais



A influência histórica que as forças policiais militares receberam das Forças Armadas é uma realidade.

Ela se manifesta de diferentes maneiras. Uma delas está no treinamento militarista, voltado para a guerra. Ocorre que o treinamento de guerra visa eliminar fisicamente o inimigo. E existe uma diferença grande entre uma situação de guerra e uma situação de repressão ao crime ou uma situação de contenção de distúrbios.

Mesmo que isso seja de difícil compreensão para o senso comum do povo, até a pessoa que comete crimes ainda tem alguns direitos, que precisam ser respeitados pelas forças policiais, a bem da segurança jurídica e das garantias individuais dos cidadãos.

O combate bélico não é apenas inadequado para as forças policiais, como forma de abordagem. Ele está na base dos altos índices de letalidade e de tortura produzidos pelas polícias no Brasil.

Dentro das corporações, predomina uma crença de que o treinamento baseado em violência física, psicológica, e até moral, é necessário para condicionar o corpo e a mente dos soldados para situações limite.

E esse tipo de treinamento - dentro de um círculo cada vez mais elitizado chamado de "caveiras" ou de operações especiais - reforça o abismo existente entre a sociedade e as polícias, colocando em último plano valores como o do diálogo, o da mediação e o da relação com a comunidade, para solução dos problemas.

O problema é que o treinamento violento ensina o policial a ser violento. E a violência está acima da lei, quando regulada apenas pela hierarquia.

Esse vídeo, embora justificado pelo comando da PM, é apenas o retrato de um treinamento que poderia alcançar os mesmos fins, se executado de outra forma.

Mas está evidente que o foco principal não é adaptar o soldado para situações onde o spray de pimenta esteja presente. É muito mais criar o ambiente de desespero para produzir a violência psicológica dentro da disciplina hierárquica, cujo valor principal é a obediência cega pela humilhação e o assédio moral.

Se fosse apenas para adaptar o soldado ao spray, tudo isso poderia ser alcançado gradualmente num outro ambiente, com muito maior respeito à saúde e à dignidade do profissional da PM.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

O Lançamento da Frente Povo Sem Medo no Maranhão



O lançamento da Frente Povo Sem Medo ocorreu no dia 25, no auditório do Cesir da Fetaema. Cerca de 600 pessoas estiveram presentes no ato. 

O ato político tem grande significado no Estado, representando a entrada no cenário da estratégia de construção de frentes populares de um campo político de esquerda e independente dos governos Dilma e Dino.

Várias entidades nacionais e de outros Estados também compareceram, reafirmando a necessidade de enfrentar o avanço da direita nos governos e nas ruas.







O coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Guilherme Boulos marcou presença no evento e desde a manhã do mesmo dia acompanhou a jornada de luta dos trabalhadores rurais articulados pelo movimento Fóruns e Redes, que ocupou o INCRA.


 A FPSM se prepara para o ato unificado do dia 31 de março que marcará a presença de setores populares mais críticos ao PT e ao governo Dilma.

O ato unificado entre as frentes Brasil Popular e Povo sem Medo pretende mobilizar 100 mil pessoas. Os movimentos sociais são contrários à Reforma da Previdência, ao Ajuste Fiscal e fazem a defesa do Emprego e dos Direitos dos Trabalhadores, além da conservação do mandato da presidenta democraticamente eleita, Dilma Rousseff.

As duas Frentes, apesar das diferenças políticas que as caracterizam, elaboram saídas para a recessão em que o país se encontra, sem sacrifícios da classe trabalhadora.

A FPSM afirma que o “ajuste fiscal” do governo federal diminui investimentos sociais e ataca direitos dos trabalhadores. Os cortes na educação pública, o arrocho no salário dos servidores, a suspensão dos concursos são parte dessa política. 

É consenso na Frente que que medidas presentes na Agenda Brasil como, aumento da idade de aposentadoria e ataques aos de direitos e à regulação ambiental também representam enormes retrocessos. Enquanto isso, o 1% dos ricos não foram chamados à responsabilidade. Suas riquezas e seus patrimônios seguem sem nenhuma taxação progressiva. O povo está pagando a conta da crise.

Reafirmando o imperativo de barrar o ataque dos setores mais conservadores atacam , com sua pauta antipopular, antidemocrática e intolerante, especialmente no Congresso Nacional, ela se opõe à contrarreforma política, redução da maioridade penal, a ampliação das terceirizações, as tentativas de privatização da Petrobrás e a lei antiterrorismo expressam este processo.

De fato, no momento político e econômico que o país tem vivido se torna urgente a necessidade de o povo intensificar a mobilização nas ruas, avenidas e praças contra esta ofensiva conservadora, o ajuste fiscal antipopular e defendendo uma saída que não onere os mais pobres.

E a FPSM frente nasce em um momento de grandes embates e com a responsabilidade de fazer avançar soluções populares para nossa encruzilhada. Sabemos que para isso será preciso independência política, firmeza de princípios e foco em amplas mobilizações.

No ato de lançamento estavam presentes também Intersindical, MSTBL, Jsol, Diretórios Estadual e Municipal do Psol. 

A Coordenação da Frente será provisória e aberta à participação de outras entidades e movimentos sociais. 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Guilherme Boulos estará em São Luís



Guilherme Boulos estará em São Luís, dia 25 de Fevereiro. Para fortalecer a construção da Frente Brasil sem Medo, o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto estará na plenária de adesão do Movimento Fóruns e Redes. Centenas de trabalhadores vindos do interior do Estado estarão no auditório do Cesir da FETAEMA, para prestigiar e ouvir essa importante liderança que propõe a construção de uma frente para a defesa dos direito dos trabalhadores contra a política econômica recessiva que aplica a alta dos juros e retira recursos de programas sociais. A plenária será aberta à participação de todos. Local: Rua Urucutiua, 11, Araçagy, São José de Ribamar/MA (estrada da Raposa). Horário: a partir das 15 horas.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Corte na carne negra: Política de titulação de territórios quilombolas tem encolhimento orçamentário de 80% em 2016

Terra de Direitos

22/02/16


Por Fernando G. V. Prioste, assessor jurídico da Terra de Direitos

A destinação de verbas federais para a titulação de territórios quilombolas em 2016 sofreu corte de 80%, se comparada com a destinação de 2015. Assim, passados 484 anos do início da escravidão negra no Brasil, outros 128 anos da sua abolição formal e inconclusa e, ainda, outros 28 anos da promulgação da Constituição Federal que finalmente reconheceu às comunidades quilombolas direitos às suas terras tradicionais, para o ano de 2016 estão destinados para titulação de territórios quilombolas apenas 5 milhões de reais, em contraposição aos 25 milhões destinados ano passado. Mais uma vez é a população negra que sofre no momento de arrocho econômico do Estado: o corte orçamentário mais profundo é na carne negra.

A destinação orçamentária para a política quilombola nunca esteve à altura das necessidades da política federal, ainda que em alguns momentos históricos tenha apresentado pequenos avanços. O quadro abaixo apresenta a evolução da destinação orçamentária da política de titulação de territórios quilombolas desde sua criação.


Fonte: Lei Orçamentária Anual

Como se vê, a destinação orçamentária iniciou com 5 milhões em 2009, pouco recurso frente à demanda nacional. Cresceu até chegar ao patamar de 51 milhões em 2012, quando então iniciou uma queda vertiginosa até este ano de 2016, com um orçamento de 5 milhões de reais. Qual a justificativa política para esse rebaixamento inaceitável da destinação de recursos para desapropriação de áreas quilombolas?

Realizando uma avaliação da eficiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) quanto ao trabalho realizado, isto tendo em referência o recurso a este órgão destinado para a titulação dos territórios quilombolas de 2009 a 2015, observa-se que, conforme o quadro abaixo, apenas nos anos de 2012 e 2015 a execução orçamentária esteve aquém do quanto disponível para desapropriações, quando foram executados, respectivamente, 92% e 57% da verba disponível.


Fonte: Lei Orçamentária Anual

Logo, a diminuição do valor disponível para desapropriação de terras em favor das comunidades quilombolas não tem como fundamento a baixa execução orçamentária do INCRA. Isto, apesar do crescente sucateamento da autarquia agrária, que conta a cada ano com menos servidores, com menores recursos para atividades meio e pouco apoio político do alto escalão do Governo Federal. Os motivos da não priorização da ação quilombola são políticos e estruturais, e seus reflexos são sentido diretamente pelos quilombolas que têm seus direitos violados.

Assim, apesar de desde 1988 a Constituição Federal garantir às comunidades quilombolas o direito fundamental de acesso aos seus territórios tradicionais, o Governo Federal emitiu apenas 30 títulos em favor das comunidades, sendo que muitas dessas titulações são parciais, não abrangendo a totalidade das áreas das comunidades. Abaixo segue um quadro que evidencia o ritmo das titulações de territórios quilombolas ao longo do tempo, analisando-se o desenvolvimento a partir das principais fases dos processos de titulação.


Fonte: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

Pelo quadro se observa que houve algum crescimento da política de titulação até o ano de 2009, havendo uma acentuada queda a partir de 2010, com uma pequena recuperação em 2014 e nova desaceleração em 2015. Se o atual ritmo de titulações permanecesse estável, e fossemos levar em conta que as titulações dos territórios quilombolas iniciaram apenas no ano de 2004, logo após à edição do Decreto Federal 4887/03, tendo ainda como referência que hoje oficialmente existem 2.648 comunidades quilombolas reconhecidas pelo Estado, seriam necessários mais de 970 anos para que o Estado brasileiro cumprisse com a determinação constitucional de titular todos os territórios quilombolas. A simples evidência de que o Estado brasileiro poderia levar quase mil anos para titular todos os territórios quilombola no Brasil é gravíssima prova do profundo racismo institucional que persiste em nossa sociedade.



Relevante destacar que atualmente existem 36 territórios quilombolas em fase final de avaliação para desapropriação pelo INCRA, situação que levaria a desapropriar cerca de 800 imóveis em favor de comunidades quilombolas. A estimativa do INCRA para o pagamento das indenizações dessas desapropriações é de R$ 425 milhões. Assim, com um orçamento de apenas 5 milhões de reais, que corresponde a apenas 1,17% da demanda já existente para desapropriações, são os quilombolas que pagarão, muitos com a vida, pela falta de priorização política do Governo Federal.

Essa dinâmica de desaceleração da já insuficiente ação do Estado para titular os territórios das comunidades quilombolas impõe o estabelecimento de um Plano Nacional de Titulação dos Territórios Quilombolas. Isto, pois atualmente o Estado não tem metas claras para a titulação de territórios, muito menos um plano estratégico para que se monitore a execução da política. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LXXVIII, reconheceu a duração razoável do processo como direito fundamental. Sabendo que a política pública de titulação dos territórios quilombolas se dá através de processos administrativos, é possível afirmar que o Estado brasileiro viola frontalmente a Constituição também nesse quesito. A adoção de um plano estratégico nacional para as titulações dos territórios com metas, indicadores e prazos de execução é juridicamente impositiva, politicamente necessária e moralmente indispensável.

Ademais, à restrição orçamentária que praticamente inviabiliza o trabalho do INCRA neste ano de 2016, somam-se outras ameaças aos direitos das comunidades quilombolas. Neste ano de 2016 a PEC 215 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239 serão, novamente, foco de atenção e mobilização das organizações quilombolas, pois podem desconstituir, ou mesmo restringir, a base jurídica que sustenta a titulação dos territórios das comunidades quilombolas. Assim, a falta de priorização política do Governo Federal, somada à grande ofensiva ruralista no Judiciário e no Legislativo, compõe o cenário desalentador para a política de titulação de territórios quilombolas neste ano de 2016.



Logo, a dura restrição orçamentária da política pública de titulação dos territórios quilombolas não é fruto do acaso. No momento de arrocho financeiro do Estado os cortes são mais profundos onde não há prioridade política. Esse é o principal fundamento que relegou a política de titulação de territórios à total inoperância neste ano de 2016, dado seu orçamento pífio. O projeto político de país do Governo Federal não tem como prioridade resolver o histórico problema de excessiva concentração fundiária no Brasil, muito menos viabilizar condições reais para a reprodução física, social, econômica e cultural das comunidades quilombolas. Assim, apesar da existência de diversas políticas e programas federais para a população negra, a falta de recursos impede o avanço real na efetivação de direitos para a construção da dignidade social do povo negro.

A prioridade do Governo Federal é alavancar um processo neoextrativista baseado na exportação de commodities agrícolas e minerais que supostamente equilibram a balança comercial brasileira. Nesse contexto ainda estão mega projetos hidrelétricos, ferroviários, hidroviários e portuários, entre outros, que se destinam a viabilizar a expansão de uma cultura econômica reprimarizada e subalternizada na geopolítica mundial. Na escala social e econômica mundial cabe ao Brasil o papel de fornecedor de matéria prima barata para os países desenvolvidos, sendo que os capitais nacional e internacional são os principais responsáveis por empurrar o Estado brasileiro para essa degradante posição na estrutura produtiva mundial.

O setor agropecuário ligado ao grande capital já tem disponível neste momento R$ 10 bilhões em financiamento de pré-custeio para a safra 2016/2017. Ou seja, o Governo Federal antecipou 10 bilhões de reais para financiamento da produção de commodities agrícolas do plano safra que só deve ser anunciado em julho deste ano. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a antecipação desse recurso tem o objetivo de “estabilizar a economia e recuperar o crescimento e o emprego”.

Ou seja, a política quilombola de acesso à terra não é vista, nem de longe, como ação social e política de combate às desigualdades sociais estruturais. Ao mesmo tempo, no final do ano de 2015, no auge da austeridade fiscal seletiva do Governo Federal, foram disponibilizados R$ 1,5 bilhão apenas financiar o plantio de 400 mil hectares de cana-de-açúcar. Ainda hoje, a mesma indústria açucareira que utilizou por quase quatro séculos a mão de obra escrava de negros e negras tem financiamento e apoio político absolutamente desproporcional quando comparada com as demandas quilombolas. A escravidão ainda não acabou.

Para Isabela da Cruz, jovem liderança da comunidade quilombola Paiol de Telha, “o corte no orçamento do INCRA vai afetar diretamente o andamento dos processos de titulação que já estão em fase final de desapropriação. Com isso, apesar da luta quilombola e do fortalecimento do movimento social, a presente geração do povo quilombola pode não viver para ver o resultado”. No ano de 2015 faleceu a liderança quilombola Domingos Gonçalvez dos Santos, aos 86 anos. Após lutar por mais de quarenta anos pela titulação de seu território e ver, em outubro de 2014, o INCRA assinar a portaria de reconhecimento das terras da comunidade Paiol de Telha, não viveu para ver a titulação do território, que até hoje não se efetivou.

Esse não é o primeiro grande desafio que os povos e comunidades quilombolas enfrentam, pois são mais de quinhentos anos de lutas, vitórias e derrotas contra o colonialismo racista que oprime o povo negro nas Américas. Os capitais nacionais e internacionais turbinam e determinam a priorização política estatal relativa às atividades neoextrativistas, como se este fosse um suposto modelo de desenvolvimento para a nação. Nesse contexto, o achatamento do orçamento quilombola é sintoma de uma política que deve ter como foco de luta popular a superação do atual modelo macroeconômico capitalista, que subordina os interesses do povo e do Estado brasileiro aos interesses do capital. Que Xangô nos guie nessa luta!

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Conselho Nacional dos Direitos Humanos lamenta decisão do STF que permite prisão a partir de 2ª instância



NOTA DO CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS - CNDH SOBRE A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO HABEAS CORPUS Nº 126.292/SP

Considerando que a Constituição da República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, e ao tratar dos direitos e garantias fundamentais traz como um de seus pilares o princípio da presunção de inocência, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (artigo 5º, inciso LVII);

Considerando que o trânsito em julgado da sentença penal condenatória só ocorre com o julgamento final do processo, admitir-se a execução da pena privativa de liberdade em caráter provisório, quando ainda possível a sua reversão, pode vir a configurar violação dos direitos humanos, já que possível a prisão de um inocente. A liberdade de ir e vir é direito assegurado a todo e qualquer cidadão, a exigir proteção e limites por parte do Estado democrático de direito;

Considerando que a busca pela efetividade do sistema penal não pode se sobrepor à imperiosa necessidade da certeza da culpa, e que a presunção de inocência é cláusula pétrea e a vedação ao retrocesso é princípio de natureza político-jurídica que não permite a mitigação de direitos fundamentais;

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos - CNDH vem publicamente manifestar profunda preocupação com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, que proferiu o entendimento de que a execução provisória da pena, após a publicação de acórdão penal condenatório, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção da inocência.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Energia Alternativa e Exclusão no Baixo Parnaíba


Não há dúvidas de que a geração e o consumo de energia indicam e promovem o crescimento da economia, determinando o modelo de desenvolvimento de um país.

No Brasil, historicamente se impôs o processo de geração de energia centralizada, baseada em grandes usinas hidrelétricas, térmicas e nucleares.

Esse modelo hoje está em crise. Diante das questões ambientais e civilizatórias, agora é preciso repensar esse paradigma. São fatores que hoje pesam no debate: a ameaça das mudanças climáticas e a necessidade de se reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Se o Pré-Sal dá folego a esse modelo, não responde às questões cruciais envolvendo a sustentabilidade. Ele continua preso aos processos de geração centralizada, dentro dos pacotes de grandes obras de infraestrutura, envolvendo empreiteiras e financiadoras de campanhas políticas.

Sobre a eficiência e a pertinência desse padrão de geração de energia, convém lembrar as dezenas de obras não concluídas, ligadas a ele,  como a Transposição do São Francisco, a Ferrovia Norte-Sul, ou a pavimentação da BR-163. A Usina Belo Monte é um capítulo importante da majoração de custos, com impactos subestimados ao ecossistema local e às comunidades indígenas.

Num país à beira da depressão econômica, com índices de inflação em ascensão, a emissão de gases de efeito estufa e a destruição do meio ambiente complementam um cenário de tragédia.

Os grandes empreendimentos energéticos (petrolíferos, hidrelétricos e nucleares) sempre desafiam alternativas quando se implantam em determinadas regiões e atingem determinadas populações. 

Contudo, isso não quer dizer que as alternativa energéticas não possam reproduzir alguns aspectos desse modelo, elitista, corrupto e profundamente impactante sobre comunidades vulneráveis.

Nesse caso, seria importante dar uma olhada de perto no programa de alternativa eólica, que se implanta atualmente na região do Baixo Parnaíba.

A anunciada implantação de um Parque Eólico na região de Paulino Neves e Barreirinhas mobilizou prefeitos e o próprio governo estadual.

A empresa Omega apresenta um discurso difícil de se rebater: “vendemos energia renovável que ajuda a baratear o preço final ao consumidor e preservamos as atividades locais”, dizem os representantes da empresa.

Segundo o que foi divulgado, o investimento da primeira fase do projeto superará R$ 1 bilhão, tem início previsto para 2015 e previsão de entrega para 2017. O potencial de produção na região pode superar 800 MW de potência instalada, com investimentos que podem chegar a R$ 4 bilhões, equivalente a 6,5% do PIB do Maranhão.

É claro que os olhos de alguns políticos e empresários brilharam. O Maranhão, pela qualidade dos seus ventos, será um dos maiores produtores de energia "limpa", "criando cadeias de renda e emprego não só na implantação, como também na venda dessa energia ao mercado nacional", dizem.

No clima de euforia que se instala, o Governo automaticamente se entregou, fazendo parcerias para a construção de uma estrada, de apenas 30 km, ligando Barreirinhas a Paulino Neves, dentro de uma experiência de parceria público-privada.

Conforme anunciado, a primeira fase de construção da estrada será executada pela empresa Ômega Energia. Em seguida, o Governo do Estado prosseguirá com as obras de pavimentação do novo trecho.

A Omega jogou certinho. Colou seu produto com a possibilidade de integração rodoviária do Maranhão à Rota das Emoções, unindo o Parque Nacional de Jericoacoara (CE) e as cidades limítrofes ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.

Muita rapidamente também se iniciaram as obras para a construção de um "linhão", que possibilitará o escoamento da energia a ser produzida pelos ventos da região. Os impactos do linhão sobre as comunidades tradicionais, seus territórios e assentamentos, e sobre os ecossistemas onde elas estão enraizadas, jamais foram discutidos, com as comunidades diretamente impactadas.

O órgão de terras do Estado transformou-se em simples avalizador da servidão de passagem onde o "linhão" simplesmente esbulha os territórios e os assentamentos, num clima de ameaça e chantagem sobre as comunidades, pressionadas a ceder aos interesses da grande empresa. A secretaria de Meio Ambiente mantém-se como braço aliado do agronegócio, repetindo o filme que todo mundo já viu.

Nenhuma entidade de representação dos trabalhadores foi consultada, ou convidada a debater tais impactos sobre os trabalhadores rurais, os únicos sacrificados em nome da suposta alternativa e seu discurso sedutor.

No Maranhão, mesmo os programas de desenvolvimento que poderiam ser politicamente sustentáveis muito rapidamente se transformam em mecanismos de opressão e de exclusão social.

O projeto eólico em Barreirinhas-Paulino Neves aprofundou o menosprezo à agricultura familiar, na medida em que elimina as possibilidades de um modelo de geração de energia distribuída e descentralizada, onde os agricultores familiares também possam ser produtores de energia, fortalecendo o desenvolvimento sustentável a partir do protagonismo das comunidades tradicionais, nos seus territórios e assentamentos.

A energia produzida pela empresa Omega é subproduto da mesma lógica, envolvendo financiamentos de campanha e depredação ambiental e cultural. O linhão representa a mesma necessidade de trasporte da energia a longas distâncias, tal como nas hidroelétricas, consumindo grandes investimentos em linhas de transmissão, impactando comunidades e ecossistemas.

Estamos diante de um engodo de alternativa energética, preso aos mesmos fundamentos éticos do desenvolvimento por intermédio dos grandes empreendimentos, com significativos impactos socioambientais.

No Maranhão não se fala em painéis solares, migrogeradores hídricos ou eólicos, aproveitamento de resíduos em residências e pequenas empresas, tal como ocorre na Alemanha, na China e na Itália. Essas alternativas poderiam permitir a autonomia dos territórios étnicos, fortalecendo um modelo de turismo profundamente compromissário com a nova ética civilizatória. 

O governo estadual poderia investir em mecanismos de produção de energia limpa pelas próprias comunidades rurais, cuja produção doméstica pode converter despesa em renda, com venda de excedentes para companhias energéticas. 

O BNDES poderia financiar esse modelo  e o governador, cioso por aparições no cenário nacional, poderia liderar iniciativas para deflagrar esse debate, que oriente o país em direção à uma economia sem carbono, ao invés de comprar alienadamente o discurso de exclusão da elites.

Aqui, simplesmente subordinou-se a alternativa eólica ao monopólio empresarial,  explicitamente hostil às comunidades rurais, justamente para negar a pertinência do modelo alternativo a uma proposta de desenvolvimento inclusiva, reconhecedora das nossas identidades, cuja riqueza sociocultural - que não pode ser comprada e nem vendida - pode ser igualmente fonte de desenvolvimento.

Precisamos repensar os caminhos da alternativa energética no Maranhão, antes que ela seja definitivamente sequestrada pelos interesses do agronegócio, que abre as portas dos Lençóis e suas riquezas ecológicas e culturais à especulação imobiliária.

O governo Dino restaura agora o antigo ciclo de turismo predatório que avançou sobre os territórios do entorno do Parque e somente foi barrado parcialmente por um intervenção fundiária preventiva, que ainda não se consolidou, nos governos passados.

A rota das emoções pode se concretizar na prática em rota das tragédias para um número significativo de comunidades tracionais da região do Baixo Parnaíba, se um programa de desenvolvimento fundamentado na agricultura familiar não emergir na arena pública rapidamente.

Com decisão do Supremo, presunção de inocência está na UTI - Por Leonardo Isaac Yarochewsky

Conjur

17 de fevereiro de 2016, 20h01


O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quarta-feira (17/2) que é possível a execução da pena depois de condenação confirmada em segunda instância. A mudança na jurisprudência da corte, por 7 votos a 4, ocorreu no julgamento do HC 126.292, que discute a legitimidade de ato do TJ-SP que, ao negar provimento ao recurso exclusivo da defesa, determinou o início da execução da pena.

Antes houve, porém, várias tentativas de aniquilar o sagrado princípio constitucional da presunção de inocência.

Em 2011, o ministro Cezar Peluso apresentou a chamada PEC dos Recursos, com o objetivo de reduzir o número de recursos ao Supremo e ao STJ e dar mais agilidade às execuções de segunda instância. Na época, a OAB e vários juristas se manifestaram contra a proposta. A Ordem destacou que a PEC feria “de morte” o direito à ampla defesa e prejudicaria “o acesso da defesa de um cidadão a todos os graus de jurisdição".

O presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Antonio Cesar Bochonek, aliado ao juiz Sergio Moro — Projeto de Lei do Senado 402/2015 —, defendeu a proposta estarrecedora de “atribuir à sentença condenatória, para crimes graves em concreto, como grandes desvios de dinheiro público, uma eficácia imediata, independente do cabimento de recursos”.

Em seu voto nesta quarta, acompanhando o voto divergente proferido pela ministra Rosa Weber, o ministro Marco Aurélio lembrou a PEC e pontuou que a proposta não prosperou no Legislativo, mas que hoje no Supremo ela iria, lamentavelmente, prosperar. Votaram, ainda, contra a mudança da jurisprudência e, consequentemente, a favor da Constituição da República, da democracia e do Estado de Direito, o decano do STF, ministro Celso de Mello e o presidente da corte, ministro Ricardo Lewandowski.

O princípio da presunção de inocência remonta ao Direito Romano. Na Idade Média, o referido princípio foi afrontado em razão, principalmente, dos procedimentos inquisitoriais que vigoravam na época, chegando mesmo a ser invertido, já que a dúvida poderia levar a condenação. Contudo, o princípio da presunção de inocência foi consagrado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, refletindo uma nova concepção do Direito Processual Penal. Uma reação dos pensadores iluministas ao sistema persecutório que marcava o antigo regime, no qual a confissão — “rainha das provas” — era obtida por meio da tortura, de tormentos e da prisão.

Segundo Lugi Ferrajoli, o princípio da presunção de inocência é correlato do princípio da jurisdicionalidade (jurisdição necessária). Para Ferrajoli, “se é atividade necessária para obter a prova de que um sujeito cometeu um crime, desde que tal prova não tenha sido encontrada mediante um juízo regular, nenhum delito pode ser considerado cometido e nenhum sujeito pode ser reputado culpado nem submetido a pena”.

Mais adiante, o respeitável jurista italiano assevera que o princípio da presunção de inocência é um princípio fundamental de civilidade, “fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado”[1]. Na Itália, informa ainda Ferrajoli, com o advento do fascismo, a presunção de inocência entrou em profunda crise. Os freios contra os abusos da prisão preventiva deixaram de existir em nome da “segurança processual” e da “defesa social”, sendo considerada a mesma indispensável sempre que o crime tenha suscitado “clamor público”[2].

No Estado de Direito, é inadmissível, intolerável e inaceitável flexibilizar direitos e garantias individuais em nome do combate deste ou daquele delito. A investigação, a acusação e o julgamento devem ser orientados pelos princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência, do juiz imparcial, da proibição de prova ilícita, da proporcionalidade etc.

Para aqueles que ainda se satisfazem com a ilusão de que o Direito Penal é uma panaceia para todos os males da sociedade, inclusive a corrupção, de que o processo penal deve retroceder ao período medieval e que, ainda, acreditam em tantos outros mitos, vale a lição de Rubens R. R. Casara[3] de que “de todos os mitos que integram no universo processual penal, há um sempre presente em regimes autoritários que se apresentam como Estados de Direito: o de que o processo penal é instrumento de segurança pública/pacificação social. Esse mito surge em meio a um discurso de viés repressivo, no qual se identifica perspectiva utilitarista, reforçadora do caráter instrumental/formal do processo penal...”.

A decisão do STF atingiu o coração do princípio da presunção de inocência, mas, oxalá, permita que ele sobreviva como princípio, como princípio constitucional, como princípio do Estado Democrático de Direito. Estado Democrático de Direito, que não se satisfaz simplesmente com a democracia formal, mas sobretudo um verdadeiro Estado Democrático de Direito que efetivamente garanta os direitos fundamentais e onde prevaleça a maximização da liberdade e a minimização do poder punitivo estatal.



[1] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
[2] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
[3] CASARA, Rubens R. R. Mitologia processual penal. São Paulo: Saraiva, 2015.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Militarização da polícia vai na contramão dos direitos humanos - Por Marcela Reis

Abong

Índice de mortes de civis pela PM é alto e são raras as investigações de casos envolvendo agentes do Estado

Há um mês, o uso dos termos ‘auto de resistência’ e ‘resistência seguida de morte’ foram proibidos e, agora, em seus lugares deve ser usado ‘lesão corporal (ou morte) decorrente de oposição à intervenção policial’. A resolução conjunta do Conselho Superior de Polícia, órgão da Polícia Federal, e do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil foi baseada em decisão aprovada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, em 2012. Na época, Organizações da Sociedade Civil (OSCs) reivindicaram o fim das expressões para garantir maior transparência nas investigações de lesões corporais e mortes ocorridas durante ações dos agentes do Estado.

Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da ONG Conectas, explica que a modificação na nomenclatura, no entanto, não é suficiente e que sua efetividade é limitada. “A resolução determina que todo o emprego da força em que haja ofensa à integridade corporal ou à vida da vítima deverá gerar inquérito policial. Hoje, na maioria dos casos, há, no máximo, procedimento investigatório sigiloso nas corregedorias internas”. Ele acredita que só uma reestruturação completa das forças de segurança dará efetividade para a resolução.

Dados da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam que 3.022 pessoas foram mortas por policiais no Brasil em 2014, um total de oito vítimas por dia – o que representa um aumento de 37,2% em relação a 2013. Entre 2008 e 2013, foram contabilizadas 11.197 mortes em confrontos policiais em todo o País.

Em relação ao ano de 2015, só há dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo: um total de 532 mortes em situação de confronto com a Polícia Militar (PM) foram registradas entre janeiro e novembro.

A PM é responsável pela preservação da ordem pública e policiamento ostensivo. Já a Polícia Civil é a polícia judiciária. A divisão do trabalho policial foi determinada durante a ditadura militar e se manteve na Constituição de 1988, que ainda está em vigor. Até hoje, são as Forças Armadas que fazem o contato direto com os/as cidadãos/ãs.

Petronella Boonen (Nelly), educadora do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo e especialista em Justiça Restaurativa, argumenta que o contato dos/as agentes do Estado com a sociedade civil não deve ser de segurança, mas de ação social. “A PM é treinada para combater o inimigo, mas essa não deve ser a função da polícia, ela tem que ser treinada para os cidadãos, para a cocidadania”, defende.

Opinião reforçada por Custódio. “As forças militarizadas atuam na lógica de neutralização do inimigo. isso é inerente à sua natureza. A função constitucional de garantir a segurança pública exige a garantia dos direitos do cidadão em primeiro lugar.”

Desmilitarização

Um relatório (que faz parte do Exame Periódico Universal) divulgado pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2012 mostra que países-membros da Organização fazem um apelo ao Brasil por medidas mais eficazes para reduzir a incidência de execuções extrajudiciais e combater a atividade dos “esquadrões da morte”.

Custódio explica que desmilitarizar é conferir maior transparência à atuação da polícia. “A atividade policial deve ser objeto de controle externo por instituições independentes da polícia, tais como Ouvidorias e Corregedorias externas, com equipe própria e poder real de investigação, para que suspeitas de abuso possam ser apuradas sem conflitos de interesses.”

Em São Paulo, no ano de 2010, 25 policiais foram mortos/as, enquanto a polícia matou 510 civis (20,4 vezes mais). Já em 2011, esses números foram 28 contra 460 — uma média de 16,4 civis assassinados/as para cada agente do Estado. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Menos de 10% dos crimes são solucionados no País, o que, segundo Custódio, prova que o modelo focado na repressão não contribui para a segurança pública.

Para o coordenador, o regime militar da polícia afeta seu trato com o/a cidadão/ã que deveria proteger, mas também as condições de trabalho dos/as próprios/as policiais. Em pesquisa de 2009, na opinião de 64.120 profissionais da segurança pública em todo o País, 70% são contrários/as ao modelo policial fixado pelo artigo 144 da Constituição.

A PEC 51/2013, de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), está em trâmite no Congresso Nacional e um dos pontos da proposta é desmilitarizar a polícia. Além disso, prevê carreira única para os órgãos policiais, ou seja, as atuais Polícias Civil e Militar seriam dissolvidas em uma polícia só, que teria função ostensiva e faria investigação, tudo sem ser militarizada.

Racismo

A pesquisa Desigualdade racial e segurança pública em São Paulo: letalidade policial e prisões em flagrante, realizada em 2014 pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), concluiu que o número de negros/as mortos/as em decorrência de ações policiais para cada 100 mil habitantes em São Paulo é três vezes maior que o registrado para a população branca.

Os dados mostram que as maiores vítimas das execuções policiais são os jovens negros: 61% das vítimas da polícia no Estado são negras, 97% são homens e 77% têm de 15 a 29 anos.

“A brutalidade com que a PM reprime protestos populares à frente das câmeras é uma mera dica de como age diuturnamente nas periferias, onde não há interesse midiático”, observa Custódio.

Nelly é testemunha de que os dados não são meras estatísticas: “Eu moro no Capão Redondo> Nos últimos anos, eu paro para olhar como as abordagens policiais são e testemunho a violência. Os abordados não são brancos, são negros; o inimigo é bem determinado.”