O conflito fundiário se instaurou após o aparecimento do ex-titular do cartório de São José Ribamar, e político, Alberto Franco, com supostos títulos de propriedade envolvendo a área de 74 hectares. Em 2013, ele também foi acusado de grilagem de terras nos municípios de Paço do Lumiar e São José de Ribamar, conforme noticiaram os jornais da época.
Segundo as investigações, documentos eram emitidos pelo cartório do 1º Ofício de São José de Ribamar, com a participação de Alberto Franco, na época, interventor da serventia. Outras oito pessoas acabaram denunciadas também por formação de quadrilha e falsificação de documentos.
O povoado de Engenho é uma comunidade tradicional, que habita a localidade há pelo menos 70 anos contínuos, com benfeitorias como casas erguidas, plantações e criação de pequenos animais.
O documento apresentado por Alberto Franco, num país civilizado, não teria o poder de expulsar possuidores tão antigos. No mínimo o Poder Judiciário deveria reconhecer o direito de usucapião dos moradores. O documento apresentado por Franco remonta ao ano de 2008, mas a comunidade ali está desde 1950.
Não foi o que ocorreu. O processo de reintegração de posse foi julgado sem instrução (sem oitiva das duas partes no litígio). A Defensoria Pública ajuizou paralelamente uma Ação Civil Pública requerendo a regularização definitiva da área, uma vez que há dúvida fundada de que a área reivindicada por Alberto Franco não seja de sua propriedade. Houve simplesmente onze pedidos de perícia judicial para esclarecer tal dúvida, assim como para esclarecer a legalidade do título de domínio apresentado.
Já houve outras sete tentativas de despejo na área. Os recursos envolveram o Tribunal de Justiça, por mais de uma vez. Alberto demonstrou prestígio curioso em todas as instâncias do Poder Judiciário maranhense.
O juiz, em sua decisão, em tom de ameaça, alertou ao Governo do Maranhão e ao Comando da Polícia Militar: “Esta decisão não está sujeita a nenhuma medida administrativa prévia como condição ao seu cumprimento, salvo o agendamento de data e fornecimento da logística necessária pelo autor, visando sua concretização e efetividade”. O comando jurisdicional diz ainda que o governador Flávio Dino deve se abster de qualquer ato que possa se contrapor ao despejo imediato da comunidade – a mesma “recomendação” foi feita ao Ministério Público Estadual (MPE).
A sentença, como se percebe claramente, se insurge contra os procedimentos da Lei Estadual que criou a Comissão de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (criada pela Lei nº 10.246, de 29 de maio de 2015), um mecanismo que permite um espaço de mediação do conflito e de adoção de providências para mitigar o impacto das decisões judiciais sobre as populações vulneráveis atingidas).
A reintegração de posse foi cumprida com o apoio da Polícia Militar, seguranças do suposto proprietário e de máquinas que destruíram as benfeitorias e roças do local.
A decisão inicial foi prolatada pelo juiz Gilmar de Jesus, da Comarca de São José de Ribamar, em fevereiro deste ano. A referida decisão foi reiterada em dezembro pelo Juiz da 1ª Vara Cível da mesma Comarca, Celso Orlando Pinheiro Júnior.
Parte da comunidade alega identidade indígena Tremembé e ainda aguarda um posicionamento administrativo da FUNAI, no sentido de seu reconhecimento.
Em fevereiro do corrente ano, um episódio chamou a atenção do mundo jurídico. O Desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão Raimundo Nonato Magalhães Melo decidiu visitar de surpresa a Comunidade de Engenho. Ele também foi vítima da intimidação dos jagunços no local.
Ao chegar na área, o desembargador conversou com os camponeses, que relataram sofrer ameaças. No período, as famílias já estavam sob ameaça de uma ordem de despejo.
Segundo o desembargador, pelo menos quatro carros apareceram no local com intuito de assustá-lo. Além disso, fogos de artifícios foram utilizados pelos suspeitos para afastá-lo da área.
No dia 14 de fevereiro, logo após o acontecido com o Desembargador, foi concedida uma cautelar, solicitada pela Defensoria Pública do Estado, que suspendeu o despejo que estava marcado para ocorrer na manhã do dia seguinte.
Veja trecho da decisão do Desembargador:
“Registre-se, por oportuno, que antes desta decisão, este Plantonista, com força policial apócrifa, tomou a necessária cautela de ir até o local objeto do conflito e conhecer a área questionada e as pessoas que ali residem.
E, ao chegar, notou-se o medo e a desconfiança das pessoas que ali estavam, sentimentos estes típicos de pessoas em conflitos agrários, aliados a presente onipotência do ora Requerido que lá se encontrava, inclusive já preparando o terreno com maquinário para o iminente cumprimento da reintegração de posse ora questionada.
Ademais, quando ali me encontrava, misteriosamente, surgiram 3 ou 4 carros favoráveis ao Requerido, cujos ocupantes muito se assemelhavam à seguranças por ele contratados, com o objetivo exclusivo, ao que parece, de assustar este Magistrado.
Se isso não fosse suficiente, posteriormente a chegada dos citados veículos, imediatamente começaram a estourar fogos de artifícios para, muito provavelmente, denunciar a presença deste Magistrado e dos policiais que lhe acompanhavam.
Ora, se esse Magistrado, com o apoio de força policial foi subjugado pelo Requerido, imagina-se os assentados da Comunidade Engenho que estão a sofrer toda sorte de dissabor e risco por permanecer em uma área cuja propriedade está sendo questionada.”
Este fato estranho, ilegal e criminoso não foi suficiente para convencer os desembargadores do Tribunal de Justiça. Engenho foi destruído, mais uma vez, pela força do poder político sobre o direito e a justiça.
Um comentário:
Lamentável, a injustiça comum nesses dias atuais chega a ser desumana!
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