quarta-feira, 24 de março de 2010

Dia Estadual de Combate à Tortura


Segundo velha anedota nas faculdades de Direito, certo figurão perdera sua bolsa durante um baile de Carnaval. Pensando ter sido furtado na penumbra do clube, girou o olhar para a mesa do lado e rapidamente foi ao telefone chamar a polícia. O suspeito tinha o “pecado original” da negritude. A polícia do amigo delegado chegou em minutos. Terminado o baile e acesas as luzes, lá estava a bolsa, distraidamente caída sob a mesa do figurão. Mais por remorso pela acusação injusta do que por dever jurídico, liga ao delegado para dizer que “tudo fora um engano”. A resposta veio em cima: “Agora não dá mais. O homem já confessou tudo!”

Gerô transformou-se por acaso no símbolo da luta contra a tortura. Era compositor, poeta e repentista. Apesar de figura pública no Estado, não foi reconhecido pelos seus algozes. Gerô foi submerso na camada social e racial de onde nunca saiu, pobre e negro. Foi barbarizado por policiais militares, no dia 22 de março.

Tomás de Aquino era incisivo aos adversários da fé: “Se os malfeitores são justamente enviados ao patíbulo pelos poderes seculares, com muito mais razão deveremos não somente excomungar, como também privar da vida os hereges” (Summa Theologica, 2.2, ques. II, art. 2).

Ferro em brasa, chumbo derretido no ouvido e na boca, deglutição de excrementos e urina constavam no Livro das Sentenças da Inquisição do padre dominicano Bernardus Guidonis (1261-1331), o mesmo que virou personagem em O Nome da Rosa.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) determina que ninguém pode ser submetido a tortura, a pena de morte ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes

Em 1984, a Convenção da ONU - Organização das Nações Unidas aprovou uma convenção contra esta prática. Ela foi ratificada por 124 países (dentre eles o Brasil) que se comprometeram a prevenir, punir e erradicar este crime (“Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes”, aprovada em 10 de dezembro de 1984 e ratificada no Brasil pelo Decreto nº 40, de 15/2/1991)

Em 1988, a constituição Federal em seu artigo 5o, inciso XLIII, contemplou a tortura como crime; em 1993, foi criado o PNDH (Programa Nacional de Direitos Humanos); em 1995, a lei no 9.140 concedeu indenizações, a título de reparação, às famílias de algumas vítimas do regime militar; em 1997, a lei no 9.45/975 tipificou a tortura como crime).

No Brasil, a tipificação desse crime de tortura diferenciou-se da concepção seguida pela ONU e pela OEA, de considerar tortura apenas quando há relação com agentes do Estado. Esta lei, diferentemente dessas Convenções, definiu de forma mais completa a tortura, contemplando a punição da tortura doméstica.

Em 2006, o país também ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção, que obriga
o Estado a constituir um Comitê Nacional para Prevenção da Tortura (promulgado pelo Decreto nº 6.085, de 19 de Abril de 2007).

As interpretações jurídicas mais abalizadas sustentam que o crime de tortura absorve as penas dos crimes de lesão corporal, definido no artigo 129 do Código Penal, de maus tratos definido no artigo 136 do Código Penal, de constrangimento ilegal definido no artigo 146 do Código Penal, de ameaça artigo 147 do Código Penal, e de abuso de autoridade dos artigos 322 e 350 do Código Penal e Lei 4.898/95.

A Constituição de 1988, sempre ela, sensível aos postulados do Direito Internacional, erigiu como um dos princípios reitores nas suas relações internacionais, a prevalência dos direito humanos (art. 4º, II), enfocando, ainda, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, a Constituição inseriu, no art. 5º, § 2º, o permissivo de que outros direitos e garantias constantes de tratados internacionais, subscritos pelo Estado brasileiro, integrem as normas protetivas do mencionado preceito constitucional. Por isso se diz que esta norma constitui abertura material da CF para outros direitos fundamentais por ela não albergados formalmente. O Brasil confere aos direitos fundamentais do homem, decorrentes de tratados internacionais por ele subscritos, a natureza de norma constitucional.

Verifica-se, portanto, que os conceitos ditados pelos artigos 1º e 2º das Convenções contra a tortura de 1984 (ONU) e 1985 (OEA), respectivamente, devem ser enfocados pelo ordenamento jurídico brasileiro como normas materialmente constitucionais, não podendo ser contrariadas, por conseguinte, pela legislação ordinária.


Depois da ratificação da Conveção e de seu Protocolo Facultativo, foi instalado no dia 10 de agosto de 2.006, o Comitê Nacional de Prevenção e Controle da Tortura no Brasil. O Comitê foi criado no dia 26 de junho do mesmo ano por decreto presidencial

Foi criado também o Plano de Ações Integradas para a Prevenção e o Combate à Tortura no Brasil, que recebeu até o momento a adesão de vários Estados.

O CNPCT, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), aprovou, em reunião realizada no dia 17 de março de 2.010, o texto final que subsidiará o projeto de lei que cria o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura.

No Maranhão, foi aprovado em março de 2008 o Plano Estadual de Ações Integradas para a Erradicação da Tortura.

Sem Gerô, fisicamente, caminhamos remando contra a maré da violência e da barbárie. Com Gerô, espiritualmente, abrimos novas veredas por esta estrada iluminada por tantos outros, vítimas igualmente. Gerô vive, nós sabemos.

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