domingo, 28 de novembro de 2010

O protesto indígena na Terra Indígena Canabrava: o que o delegado nunca disse, o que a Globo/Mirante omitiu



Seg, 22 de Novembro de 2010 01:29

Pastoral Indigenista de Grajaú


‘Ele mentiu. Não é nada daquilo que ele disse aos meios de comunicação. Ele foi, na realidade, o principal causador da confusão. Os próprios meios de comunicação, a Globo/Mirante, principalmente, agiram de má fé conosco!’. Assim se expressaram alguns indígenas da Terra Indígena Canabrava ao se referirem ao delegado da Polícia Civil de Barra do Corda, Edmar Gomes Cavalcante, que tentou acabar com o protesto indígena no domingo 7 de novembro. Membros da Pastoral Indigenista de Grajaú visitaram as aldeias da área e colheram, in loco, vários testemunhos. Todos eles coincidem: o delegado agiu de forma irresponsável. Agrediu os manifestantes e fugiu atirando contra homens, mulheres e crianças das aldeias por onde passava, deixando rastro de medo e sangue em gente que nada tinha a ver com a confusão. Várias instituições pensam em denunciá-lo.


Revisitando as aldeias

Haviam passado poucos dias dos tensos e tumultuados acontecimentos que viram como protagonistas índios Guajajara e um delegado de polícia. Uma equipe da Pastoral Indigenista de Grajaú visitou algumas das aldeias que participaram do bloqueio da BR 226 e outras que optaram em não fazer parte do movimento reivindicatório. Aparentemente tudo havia voltado à normalidade. Nos olhar dos indígenas era visível, contudo, um tênue véu de tristeza e decepção. Ainda não conseguiam entender porque um protesto planejado para ser executado de forma pacífica gerou tanta violência, e indignação em muitas pessoas. Homens e mulheres Guajajara de algumas aldeias haviam combinado que interromperiam a BR 226 na altura da aldeia Barreirinha para chamar a atenção do Governo do Estado que não vinha respeitando um Termo de Ajuste de Conduta que havia assinado em junho, garantindo a normalização do transporte escolar para os seus filhos. Os indígenas haviam acertado desde o início que deixariam passar ambulâncias, polícia e facilitariam aqueles casos que exigissem urgência. Tinham consciência que não deviam ‘forçar a barra’, inclusive porque muitas aldeias da mesma terra indígena não haviam aderido ao movimento. Muitos indígenas haviam sido alertados pelos seus caciques de se manterem longe da aldeia Barreirinha, lugar do bloqueio

Sangue, dor e humilhação

Muitos indígenas são unânimes em confirmar que se o delegado não tivesse agido de forma truculenta e irresponsável teria havido desfecho bem diferente. Os Guajajara narram que naquele fim de tarde de domingo, 07 de novembro, momentos iniciais da manifestação, já havia alguns caminhões parados ao lado da BR 226, na altura da barreira. Explicavam calmamente o porquê daquela manifestação, e pediam compreensão. E, apesar do transtorno, encontraram compreensão por parte dos transeuntes barrados. Afinal, nenhum deles vinha sofrendo algum tipo de violência. Improvisamente, porém, aparece uma moto. O motoqueiro desce, tira rapidamente o seu capacete e visivelmente irritado pergunta: ’Que molecagem é essa?’ Identificou-se como delegado de polícia e indicou que estava armado. Era, de fato, o delegado da Polícia Civil de Barra do Corda, Edmar Gomes Cavalcante que vinha de Grajaú, após dar plantão naquela delegacia daquela cidade. Os indígenas iam deixá-lo passar, mas ele insistiu que parassem imediatamente com o movimento e liberassem a rodovia para todos. Os manifestantes indígenas pediram para ele não interferir. Nesse bate-boca ele sacou improvisamente a arma. Os indígenas não se intimidaram e partiram para cima dele para desarmá-lo. Um deles se aproximou ameaçando-o com uma faca de cozinha, e no enfrentamento lhe cortou parte do dedo da mão esquerda. O delegado, enfurecido, começou a atirar em direção aos indígenas. Acertou logo quatro deles, três que estavam mais próximos, e outro um pouco mais distante. Foi quando um índio correu para buscar uma espingarda, pois ninguém deles tinha arma de fogo. Voltou rapidamente, atirou atingindo levemente o policial. A confusão se agigantou. O policial aproveitou do momento em que os índios socorriam os seus feridos para fugir correndo a pés pela rodovia em direção a Grajaú. O delegado, visivelmente transtornado e enraivecido, segurando o seu revólver na mão direita atirava em direção das casas das aldeias que ficam do lado esquerdo da BR. Alguns indígenas correram ainda ao seu encalço, mas após algumas centenas de metros desistiram. Ele continuava atirando e amedrontando crianças, mulheres e idosos. Foi justamente na aldeia Nova Barreirinha que fica a menos de um quilômetro da barreira, que o delegado atingiu com um tiro o adolescente Hagair Cabral Sá Santos Guajajara, de 15 anos, ferindo-o no pescoço. O adolescente estava no quintal de sua casa, aproximadamente a 150 metros da estrada. O jovem Guajajara é mudo de nascença e tem graves problemas de coordenação motora, o que exige que a mãe dele, Marilene Cabral Guajajara, seja ela a alimentá-lo. O policial em sua atitude tresloucada continuava a atirar, até chegar à aldeia Boa Vista que fica a um quilômetro e duzentos metros da barreira. Aqui pediu socorro a um caminhoneiro que vinha de Grajaú e dirigia um caminhão de cor branca, sem carroceria. A manobra do caminhoneiro foi tão brusca que destruiu parte da cerca de uma residência indígena. Soube-se, posteriormente, pela Mirante/Globo que o delegado foi bem assistido em Imperatriz, o que não ocorreu com os feridos indígenas. Todos eles, inclusive os seus acompanhantes, ao chegarem ao Hospital Acrísio Figueira em Barra do Corda foram sumariamente presos. Uns e outros foram muito maltratados pelos policiais locais. Além da dor, a humilhação da cadeia e do deboche racista.

‘Esta é a verdade dos fatos, não a da Globo!’

Papel decisivo teve, mais uma vez, a rede Globo através da sua filial Mirante. Um verdadeiro show de manipulação e distorção dos acontecimentos que envolve indígenas da Terra Indígena Canabrava, produzindo revolta, indignação e raiva em muitos setores da sociedade. Tudo se concentrou na intransigência indígena e no ‘indefeso delegado’ que para se defender teve que usar a violência. Só faltava dizer contra a sua vontade! De forma criminosa a Globo lançou mão de imagens de março deste ano em que, de fato, na mesma terra indígena havia sido apreendida uma arma e um saquinho de moedas fruto dos numerosos pedágios indígenas. Associou isso aos acontecimentos recentes com o intuito de agravar os indígenas e dar mais ‘munição’ a muitos dos seus já incautos e preconceituosos ouvintes. A Glogo/Mirante não podia certamente fazer publicidade da falta de respeito do Governo Estadual para com as comunidades indígenas locais, que foi o que provocou o protesto. Afinal, os dois se confundem. Quem irá repor a verdade dos fatos quando por dias seguidos foi vendida uma determinada versão dos fatos? Quem irá exigir responsabilidade social a meios de comunicação que criminalizam qualquer movimento indígena? Alguém irá investigar a atuação do delegado despreparado por tentativa múltipla de homicídio? A dona Marilene, mãe do adolescente covardemente ferido pelo delegado, lembra ainda hoje com as lágrimas nos olhos: ’Meu filho escapou por pouco. Quem vai fazer justiça e punir, agora, aquele irresponsável que atentou à vida de meu filho aqui, dentro da minha casa? Esta que é a verdade dos fatos, não a da Globo!’


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