Achei de todo estranha a postura do juiz Sidney Costa, da Comarca de São Bento, em relação à comunidade de quilombo de Cruzeiro. Designando audiência de conciliação, notificou as partes e o INCRA, que se fez representar por sua procuradora.
O litígio envolve um proprietário que adquiriu cartorialmente as terras onde a comunidade do Cruzeiro tradicionalmente desenvolvia suas atividades de subsistência. Por intermédio de sucessivas liminares, proferidas por esse mesmo juiz, o referido proprietário ergueu cercas, destruiu benfeitorias e se estabeleceu em parte da área.
O conflito hoje gira em torno da utilização de parte do imóvel, pela comunidade. O proprietário simplesmente quer esvaziá-la, para lhe dar destinação comercial. A comunidade insiste em torná-la produtiva, com suas roças.
A Comunidade do Cruzeiro é antiga. Lá existem quilombolas com bisavós ali nascidos e criados. Somente na cabeça de um mau jurista a propriedade se impõe acima de todos os valores e princípios que informam a nossa República Federativa. A parttir de que fundamentos jurídicos uma comunidade tradiconal, centenária, deve ceder lugar para o recém-chegado proprietário? Se estivéssemos diante do ordenamento jurídico napoleônico ou mesmo da legislação colonial pombalina até me calaria.
Durante a audiência, após alguns momentos de debates com o proprietário e seu advogado, quase foi possível um acordo para pôr fim a uma demanda que não rende lucro a ninguém. A proposta consistiria em suspender o processo, por seis meses, até que o órgão fundiário concluísse o processo de desapropriação. O proprietário estava convencido, a partir da conclusão de que somente não queria ser confiscado e que a área era destinada à comercialização. Ele não utilizava a área em litígio e não tinha pressa em retomá-la.
Estranhamente, o juiz interviu no debate, já praticamente findo. Tenso, irritado, não se sabe muito bem porquê. Alegou que não homologaria acordo sem executar a liminar, que já havia proferido. Nós, os advogados, reclamamos da intervenção desastrada. Para maior espanto, o juiz sustentou que não concederia mais nenhuma medida liminar, se o proprietário fizesse o acordo. Como seria lógico, o proprietário, intimidado, recuou e o acordo não se fez possível. Tudo por obra e graça desse juiz, que considerou academicismo o direito fundamental ao território quilombola.
Ali, naquela audiência, soubemos da boca do magistrado que ele iria executar a liminar, como era provavelmente o seu desejo, desde o início. Assim caminha o Poder Judiciário no Maranhão, com seus privilégios, mordomias (porque garantias, quando não se revertem em favor da proteção da sociedade são apenas privilégios e mordomias), sobretudo, com a sua parcela de responsabilidade sobre a violência fundiária imperante.
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