Desde que concluí o curso de direito perambulo pelo Estado, atuando especialmente em conflitos agrários. Eu me reconheço como um operador jurídico bombeiro - chego para apagar os incêndios - sem tempo para choro ou comemorações.
Vou de incêndio a incêndio pelo mundo afora, presenciando dramas humanos, em torno da disputa pela terra. Já vi quase de tudo. Chorei no túmulo, rezei, cantei e dancei cirandas da vitória.
Na maior parte, eu diria que na grande maioria dos casos em que atuei, o conflito representava uma injustiça histórica, para grupos vulneráveis, tais como comunidades de posses anciãs.
Em poucas situações vi atuar um Poder Judiciário independente e um Ministério Público altivo. No geral, o sistema de justiça atua como capacho do latifúndio. Todas as garantias constitucionais colocadas a serviço da magistratura e do Ministério Público, na grande maioria das vezes, não são capazes de levantá-los debaixo da cama.
Ninguém me convence que um Juiz e um Promotor não são capazes de identificar uma posse antiga, um povoado centenário. As provas carreadas nos autos, como batistérios, certidões de nascimento, fotografias, inspeções não são suficientes para fazer a deusa da justiça enxergar um palmo na frente do nariz.
Hoje somos o Estado mais conflituoso da Federação. Um segmento importante da sociedade está sendo tangido da zona rural. A agricultura familiar está sendo desmantelada rapidamente. Nossos posseiros via de regra são expulsos por proprietários que adentram ao palco do litígio recentemente. O sistema de justiça mesmo assim a eles faz reverências de súdito.
Juntam-se em muitas situações o juiz, o promotor e o delegado, para perseguir e oprimir comunidades inteiras, que habitam a zona rural. A polícia, principalmente, conhece as localidades e seus moradores. Sabem que não são criminosos, mas exercem seu papel de capitães do mato das elites.
Enquanto os trabalhadores rurais são recebidos com hostilidades em fóruns e delegacias, os proprietários e seus advogados tomam cafezinho e trocam confidências nas salas de audiências.
O pior de tudo é quando o Promotor de Justiça assume o lugar de advogado do proprietário, criminalizando condutas que ele sabe autorizadas pelo ordenamento jurídico. Resistir na terra é mesmo que desforço imediato e legítima defesa da posse. Ambos os institutos ainda permanecem no Código Civil (arts. 1.210 e 1.224).
O proprietário sem posse desenvolve antigos estratagemas de intimidação. O mais eficiente deles é a introdução do gado nas áreas de roças. Dessa manobra podem resultar inúmeras ações judiciais, tendo por objetivo maior humilhar, pressionar, desestabilizar a vida dos posseiros.
O passo seguinte é protelar as providências de retirada dos animais, ou simplesmente recusar-se a retirá-los, dando ensejo as providências de abate - única alternativa para definitivamente resolver o problema, visto que a simples retirada não evita que os animais retornem.
Dentro desse lapso de tempo - da introdução do gado até o abate - inúmeras peregrinações à delegacia, onde o amparo não chega. Muito pelo contrário: vem a ameaça e a intimidação.
Vi com tristeza muitos promotores engolirem essa estratégia dos proprietários com naturalidade, reforçando o despejo forçado, por intermédio de denúncias, onde o processo criminal trata a vítima como réu, a benefício de fazendeiros ladeados por ilustres causídicos. Vi com tristeza muitos magistrados descarregarem seu ódio de classe contra comunitários infelicitados pelo conflito, que não criaram e não desejaram. Vi com tristeza muitos advogados endinheirados com o drama da terra fazerem da audiência possessória e suas nefastas consequências um simples ato processual, sem a menor importância para suas vidas.
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