Socióloga Camila Nunes afirma que governos do PSDB nunca foram
obstáculo para a organização e questiona se há outros interesses por trás da
divulgação de escutas
Por Igor Carvalho
Na semana passada, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) divulgou o áudio
de interceptações telefônicas que revelam um diálogo, de agosto de 2011, entre
dois integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), sobre o governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). “Depois que esse governador entrou aí o bagulho
ficou doido mesmo. Você sabe de tudo o que aconteceu, cara, na época que ‘nois’
decretou ele (governador), então, hoje em dia, secretário de Segurança Pública,
secretário de Administração, Comandante dos vermes (PM) estão todos contra
‘nois’”, disse o preso Luis Henrique Fernandes, o LH, membro do PCC.
Segundo promotores ouvidos pelo jornal Estado de S. Paulo”, o termo
“decretar” significa “decretar a morte”. Para a socióloga Camila Nunes Dias,
autora de PCC – Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência (Editora
Saraiva), no entanto, as últimas gestões do governo do estado não foram
obstáculo para o crescimento e fortalecimento da facção criminosa. De acordo
com ela, há muito “estardalhaço” da imprensa ao divulgar notícias sobre a
investigação, que já seriam conhecidas “há alguns anos”.
Camila lembra que foi dentro das prisões que a organização ganhou força,
graças à ausência do Estado, que não oferece condições básicas aos detentos.
“Não é possível que o governo de São Paulo conseguisse manter pacificada e
estável uma população carcerária de quase 200 mil pessoas em unidades
hiperlotadas, sem condições básicas de higiene, saúde e nem alimentação
decente”, afirma a socióloga, que credita ao PCC o “controle da população”
carcerária.
O teor das denúncias do MP-SP e a forma como foram divulgadas na mídia
fizeram com que a socióloga levantasse uma questão: “Qual o interesse de
transformar o PCC nisso tudo agora? A quais interesses atendem essas
revelações?”
Confira a entrevista na íntegra:
Fórum – Qual a sua opinião sobre as recentes revelações feitas pelo
MP, entre elas a de que o PCC teria planejado assassinar o governador Geraldo
Alckmin?
Camila Nunes Dias – Penso que essas
informações, que estão sendo divulgadas com grande estardalhaço nesse momento,
são, em sua grande maioria, já conhecidas há alguns anos. Obviamente não se
tinham detalhes, mas a presença do PCC nos outros estados e a estruturação da
facção, assim como o controle sobre o tráfico de drogas, já eram conhecidos.
Veio à tona agora por algum motivo, que não sei exatamente qual é, mas vale a
lembrança de que o governador está com a popularidade em queda.
Essa denúncia de que o PCC planejava matá-lo… Achei isso absurdo e sem
sentido. De um lado, é óbvio que, se tratando de uma organização criminosa, ela
vai ter alvos, entre eles autoridades, e o governador é a autoridade máxima em
São Paulo. Mas não foi revelado nenhum plano estratégico, nenhuma articulação ou
distribuição de tarefas que justifiquem esse temor. Foi uma conversa dos
criminosos, obviamente, há uma edição da conversa, não sei qual o conteúdo
completo. Não há razão nenhuma para esse estardalhaço, me parece uma daquelas
estratégias políticas para que o governador aumente sua popularidade e saia como
herói de algo.
Fórum – Você estudou a estrutura do PCC e sua história. Em algum
momento, nessa trajetória, as sucessivas gestões do governo de São Paulo
pareceram ser um obstáculo à organização?
Camila Nunes
Dias – As tentativas desses governos todos, do PSDB, de frear o PCC
nunca foram efetivas e importantes. O PCC surge em 1993, e desde o governo Mario
Covas (PSDB), passando pelo Alckmin e [José] Serra, todas as formas de
combatê-lo foram inócuas, tanto assim que depois de 20 anos o PCC continua forte
e estabelecido. A única medida foi a criação do Regime Disciplinar Diferenciado
(RDD), um regime mais severo de cumprimento de prisão, com isolamento do preso,
sem direito à visita íntima, com uma hora de banho de sol e 23 horas de
encarceramento isolado. Mesmo assim não foi suficiente. Ao contrário do que o
governador Alckmin dizia em 2003, quando afirmava que o RDD havia acabado com o
PCC, vimos que isso é uma mentira, a década seguinte deixou claro que isso não é
verdade.
Nesses últimos anos, tivemos momentos de ruptura e crises deflagradas, tantos
nas prisões quanto nas ruas, de criminosos e policiais, que mostram a atuação da
organização. Eu me pergunto, e acho que a grande dúvida neste momento é essa:
mais importante até do que as denúncias, é saber porque isso tudo está sendo
divulgado. No ano passado, o governo afirmava que os pesquisadores e jornalistas
estavam “glamourizando” o PCC e que ele não passava de 40 homens, todos presos
em Presidente Venceslau. Qual o interesse de transformar o PCC nisso tudo agora?
A quais interesses atendem essas revelações?
Fórum – Camila, em seu livro você imputa à ausência do Estado no
sistema penitenciário paulista o crescimento do PCC nas prisões. Não é uma
contradição o mesmo governo ser visto como o grande opositor da
organização?
Camila Nunes Dias – É isso mesmo. É o
contrário disso. Se pensarmos o universo do sistema carcerário, e pensarmos a
política de encarceramento em massa que vem sendo adotada em São Paulo desde
meados dos anos 90, ela só é possível dentro das prisões por causa da existência
do PCC. Não seria possível o governo de São Paulo manter pacificada e estável,
como está, uma população carcerária de quase 200 mil pessoas em unidades
hiperlotadas, sem condições básicas de higiene, saúde e nem alimentação decente.
Não seria possível manter essa população pacificada, em condições tão
aviltantes, se não fosse o PCC para controlar, e é o PCC quem controla essa
população. Isso significa que o Estado exerce cada vez menos o controle sobre o
cotidiano da prisão e esse cotidiano da prisão está nas mãos dos próprios
presos. Agora, como a investigação está mostrando, só estão ratificando o que
pesquisadores falam há muito tempo, 90% das prisões são controladas pelo PCC.
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