Projeto de grupo de trabalho da Câmara deve ser votado nesta terça.
Texto autoriza a concorrer quem teve contas rejeitadas na eleição anterior.
Sandra Cureau e Cândido Vaccarezza (Foto: Carlos
Humberto/STF e Luis Macedo/Câmara)
Três anos depois da aprovação da lei da Ficha Limpa, a procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau, classificou, em entrevista ao G1, de “golpe na democracia” a minirreforma eleitoral que deve ser votada nesta terça-feira (11) pela Câmara dos Deputados. Para o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), coordenador do grupo de trabalho da Câmara que elaborou o projeto, a proposta trará “transparência” e “eficácia” à lei eleitoral.Humberto/STF e Luis Macedo/Câmara)
O texto autoriza a concorrer políticos que tiveram as contas de campanha rejeitadas em eleições passadas, desde que tenham apresentado essas contas dentro do prazo. Pela proposta, o candidato poderá concorrer, “independentemente da aprovação” da contabilidade.
Em 2012, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chegou a barrar das urnas os chamados políticos "contas-sujas" em um julgamento que dividiu a corte. Meses mais tarde, porém, os ministros anularam a sentença do próprio tribunal, com a justificativa de que a lei não prevê a exigência de quitação eleitoral.
Outro artigo do projeto transfere aos partidos, no caso de eleições proporcionais, os votos dos deputados e dos vereadores eleitos que tenham tido a candidatura impugnada com base na Ficha Limpa, lei de iniciativa popular que torna inelegível os políticos que forem condenados por órgãos colegiados. Atualmente, os votos de políticos cassados são anulados, e as siglas não se beneficiam.
O texto também permite campanha eleitoral a qualquer tempo na internet. Conforme o projeto, nenhuma manifestação política na rede mundial será considerada campanha antecipada, a não ser que seja veiculada em espaços pagos.
Maior autoridade do Ministério Público em temas eleitorais, Sandra Cureau disse estar convencida de que a proposta negociada pelos deputados enfraquece os princípios da Ficha Limpa. Na visão da procuradora, se o projeto de lei for aprovado pelo Congresso, o procurador-geral da República poderia questionar sua constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
“Isso aí [o projeto elaborado pelo grupo de trabalho da Câmara] é um golpe na democracia brasileira. É pior que enfraquecer a Ficha Limpa. Você passa a manipular a legislação segundo os interesses de quem está no poder. Acho que esse projeto como um todo é um golpe, em especial essa parte do voto ir para o partido”, afirmou.
Ao G1, Cândido Vaccarezza contestou as declarações da procuradora-geral eleitoral e afirmou que o texto obteve o aval de “todos os partidos”. Segundo o parlamentar petista, a proposta tornará a fiscalização de irregularidades mais eficiente.
“O meu projeto visa a ampliar a democracia, tornar a eleição mais simples e melhor fiscalizada. Se ela [Sandra Cureau] acha isso, é problema dela. Ela tem o direito de fazer o comentário que ela quiser”, argumentou.
Vaccareza assegura que há consenso na Câmara para aprovar o projeto nesta terça em caráter de urgência. Como ainda não tramitou pelas comissões da Casa, a proposta precisa da assinatura dos líderes partidários para ser votada diretamente no plenário. A inclusão da matéria na pauta de votações será definida durante reunião do colégio de líderes.
Quitação eleitoral
O texto defendido por Vaccarezza e criticado pelo Ministério Público prevê que políticos possam se candidatar mesmo se tiverem a prestação de contas de campanhas passadas rejeitadas. Pelo texto, bastará apresentar as contas para que seja concedida a quitação eleitoral.
Ao final de cada eleição, os políticos que participaram da disputa são obrigados a entregar à Justiça Eleitoral um relatório do que foi gasto e arrecadado pelo candidato, pelo partido e pelo comitê financeiro. A reprovação acontece quando são identificadas irregularidades nessa prestação de contas.
Para Sandra Cureau, uma lei que torne irrelevante a aprovação das contas contraria a Constituição. “Esse dispositivo certamente terá a sua constitucionalidade questionada pelo Supremo. Isso afronta a probidade administrativa, a moralidade, viola completamente todo o espírito da Ficha Limpa”, disse.
“Obviamente que você aceitar que alguém é elegível, que preencheu condições de elegibilidade, apenas porque apresentou as suas contas, independentemente do resultado, você ignora o que a Constituição estabelece”, completou a procuradora.
Vaccarezza argumenta que a proposta não trará impunidade a candidatos que tenham cometido irregularidades. Ele destaca que, se tiver havido abuso de poder econômico na eleição anterior, o candidato poderá ser processado especificamente por esse crime eleitoral. No entanto, estará liberado para concorrer às eleições.
“Qualquer pessoa que entende um pouquinho de direito sabe que essa questão não impede a fiscalização. Se o cidadão apresentar as contas e nas contas tiver abuso de poder econômico, ele será julgado por abuso de poder econômico.”
'Ficha suja'
A proposta prevê ainda que os votos de candidatos cassados pela Justiça Eleitoral, com base na Lei da Ficha Limpa, sejam transferidos para o partido, em vez de serem anulados. Com isso, a sigla pela qual o político concorreu será beneficiada e, conforme a quantidade de votos do candidato impugnado, poderá eleger outros candidatos integrantes da coligação.
Para Sandra Cureau, a alteração desestimula os partidos a evitar que políticos ficha suja concorram. “Na prática, vai ser irrelevante se o candidato vier a ter o seu registro cassado. O partido de qualquer maneira se aproveitará da votação. Se você quer estabelecer um governo de pessoas probas, de pessoas que tenham um comportamento ético, moral, essa lei não pode passar”, afirmou.
Para a procuradora, as siglas se preocuparão em filiar candidatos que possam conquistar votos em vez de focar na qualidade e caráter dos políticos. “Com essa proposta, todas as hipóteses de inelegibilidade não trarão influência, pois os partidos vão escolher quem tem mais votação, independentemente da qualidade da pessoa”, disse.
Na avaliação de Vaccarezza, as siglas têm direito de receber os votos do candidato cassado, pois, segundo ele, o eleitor não vota apenas na pessoa, mas também na legenda. “Não existe campanha individual. O sistema é proporcional, então o voto é também do partido”, argumentou.
Novas eleições
Outro ponto defendido pelo parlamentar na proposta é a realização de novas eleições sempre que o candidato vencedor for cassado. Atualmente, a lei prevê que, em caso de cassação, o segundo colocado deve assumir o cargo, a não ser que o cassado tenha obtido mais de 50% dos votos válidos no primeiro turno. Nesse caso, são realizadas novas eleições.
“É um absurdo alguém ser derrotado pelo povo e assumir o mandato. Isso é um absurdo, é uma excrescência”, disse o deputado do PT.
Já a procuradora-geral eleitoral afirma que a proposta não é viável do “ponto de vista prático”. “Desse jeito, vamos passar o resto da vida fazendo eleição. Do ponto de vista prático, é um projeto que tem muito pouca chance de dar certo. O quadro de instabilidade política nacional vai ser uma coisa de louco”, disse Sandra Cureau.
Campanha na internet
O texto do grupo de trabalho da Câmara traz outra novidade ao processo eleitoral, liberando a campanha a qualquer tempo na internet. Para o petista, as redes sociais devem ser consideradas como “a extensão de um escritório”, um local onde todos possam manifestar suas posições livremente.
“O que está dito é que uma rede social é uma extensão do escritório. Você só acessa o meu Twitter se você quiser. Existe muita ignorância das pessoas sobre a internet”, disse o petista.
Para Sandra Cureau, contudo, a internet é, hoje em dia, o veículo de comunicação “mais poderoso”, sendo acessada por milhões de brasileiros. Por isso, defende a procuradora, o controle da web não deve ser diferente do exercido sobre outros meios de comunicação.
“Se você liberar propaganda eleitoral a qualquer tempo na internet, tem que liberar o resto, acabar com o período específico para campanha eleitoral. A internet é um veículo muito mais poderoso e acessado que os outros”, opinou.
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