Brasil de Fato
Tanto Cardozo quanto Adams estão envolvidos em duas outras medidas danosas ao direito dos povos indígenas de ocupação do território tradicional
29/07/2013
Renato Santana,
de Brasília (DF)
Os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Advocacia-Geral da União, Luiz Inácio Adams, sugeriram aos parlamentares ruralistas a criação do PLP 227/2012, que busca lei complementar ao artigo 231 da Constituição Federal – “Dos Índios” – apontando as exceções ao direito de uso exclusivo dos indígenas das terras tradicionais. O projeto é rechaçado pelo movimento indígena.
A sugestão, conforme o principal autor do projeto, deputado Homero Pereira (PSD/MT), foi feita pelos dois ministros durante audiência pública na Câmara dos Deputados no dia 20 de novembro de 2012. “Durante os debates foi sugerida, pelos dois Ministros, a elaboração de Projeto de Lei Complementar visando à regulamentação do § 6º do Artigo 231 da Constituição Federal, como instrumento de conciliação entre as partes envolvidas”, diz trecho da justificativa. Dias depois da audiência, os ruralistas apresentaram o projeto.
Conforme o PLP 227, tais exceções configuram a exploração dos territórios indígenas pela rede do agronegócio, empresas de mineração, além da construção de empreendimentos ligados aos interesses das esferas de governo – federal, estadual e municipal. A matéria está em tramitação e o presidente da Câmara Federal, deputado Henrique Alves (PMDB/RN), designou uma Comissão Especial para apreciar o projeto como parte do rito de votação pela casa.
Tanto Cardozo quanto Adams estão envolvidos em duas outras medidas danosas ao direito dos povos indígenas de ocupação do território tradicional. A Portaria 303 da AGU, suspensa no segundo semestre do ano passado, visa estender para todas as terras indígenas do país as condicionantes propostas pelo falecido ministro Menezes de Direito à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ainda sequer votadas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
A portaria autoriza o governo a construir rodovias, hidrelétricas, linhas de transmissão de energia e instalações militares dentro das aldeias sem autorização das comunidades indígenas. O ministro Adams é um dos principais conselheiros da presidente Dilma Rousseff e está sempre presente nos encontros da bancada do agronegócio quando o assunto trata das terras indígenas, orientando e apoiando medidas intrínsecas ao setor, sobretudo em audiências públicas e nas comissões.
Já no Ministério da Justiça, Cardozo tem sido o principal porta-voz do grupo encastelado no governo federal que pretende modificar o procedimento de demarcação de terras indígenas no país, alterado pelo governo Fernando Henrique Cardoso com o Decreto 1775/1996. De acordo com declarações do ministro, o Executivo enxerga as novas regras em vigor o quanto antes. Fontes do governo afirmam que um grupo discute quais serão essas mudanças.
A principal justificativa parte do pressuposto de que a Funai, órgão indigenista técnico do Estado, que segue o Decreto 1775 e a Constituição para indicar demarcações de terras, é parcial – tese defendida de forma exaustiva pelos parlamentares ruralistas. Em encontro com lideranças indígenas no último dia 11, a presidente Dilma reiterou as declarações de Cardozo, afirmando que o governo fará as modificações necessárias no procedimento de demarcação.
Pelo comprovado, a opinião dos ministros serviu de base até mesmo para a solicitação de urgência do PLP 227: “As sugestões apresentadas em audiência pública realizada nesta Casa, em 20 de novembro de 2012, pelo Ministro da Justiça, Eduardo Cardoso, e pelo Advogado Geral da União, Luiz Inácio Lucena Adams, corroboram a urgência e o mérito da matéria”, diz trecho da justificativa apresentada pelo deputado Homero Pereira.
Planalto pediu para não impedir
Em entrevista ao programa de Beth Begonha na Rádio Nacional da Amazônia, o deputado Padre Ton (PT/RO), presidente da Frente Parlamentar dos Povos Indígenas, afirmou que em conversa com o líder do governo Arlindo Chinaglia ouviu que houve um acordo para que ministros do governo não fossem chamados ao Congresso, dando a liberdade aos ruralistas para tramitar o PLP 227. Chinaglia disse ao deputado que estava cumprindo ordens que vinham do Palácio do Planalto.
"Se isso aconteceu, isso é muito baixo, porque você está negociando a dignidade das pessoas. Você está querendo mudar a Constituição na calada da noite. Isso é um golpe que o parlamento está dando na própria população e, principalmente, nos povos indígenas", afirmou Padre Ton durante o programa. Disse ainda que como presidente da frente parlamentar não chegou a ser consultado pelo PT, tampouco pelo governo.
Foto: Marcello Casal Jr./ABr
Mais sobre o assunto:
Nenhum comentário:
Postar um comentário