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Brasil só recupera 15% do dinheiro público desviado em operações fraudulentas
Empreiteiro de profissão, Carlos Alberto Barros da Silva, o prefeito "Carlinhos da Carbrás", desaparecia nos dias de festa, deixando saudações ao "Senhor dos Exércitos" como único provedor do erário municipal. E só prestaria contas a "Ele" — anunciava. Acabou apeado da prefeitura, por impeachment, quando faltou merenda nas escolas e descobriu-se que o caixa municipal estava zerado. Uma investigação do Tribunal de Contas revelou: "Carlinhos" havia transferido todo o dinheiro da merenda dos alunos para contas privadas. Isso aconteceu em 1998.
Na segunda-feira passada, depois de 13 anos, a promotoria do Amazonas resolveu processá-lo e tentar recuperar R$ 4,3 milhões subtraídos dos cofres de Parintins — dinheiro suficiente para alimentar 16 mil alunos durante dois anos. Os promotores sabem que chances são mínimas. Aos 67 anos, o ex-prefeito não corre risco de prisão. Pode envelhecer confortavelmente batalhando nos tribunais, se usar o arsenal de recursos judiciais disponível para a defesa.
Existem 15 mil casos similares em andamento no Judiciário (7.607 nos tribunais federais e superiores e outros oito mil nas cortes estaduais). São ações cíveis para reparação ao Estado por conduta desonesta na função pública, com enriquecimento ilícito. Processos por "improbidade administrativa", no jargão jurídico.
São poucos os julgamentos desse tipo de crime: no ano passado foram 1,1 mil casos com sentenças definitivas. Os juízes ficaram mais tempo analisando recursos e apelações — 28 mil nos demais processos por improbidade, informa o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base em dados fornecidos pelos tribunais até agosto.
Muito mais difíceis de concluir são os casos de corrupção e lavagem de dinheiro, em geral indissociáveis quando a fraude é contra o Estado. Raros são os processos encerrados em menos de uma década, com sentença definitiva. É o oposto do que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo, onde a sentença de um caso de fraude contra o Estado e o sistema financeiro pode sair em menos de um ano. Aconteceu com o ex-banqueiro Bernard Madoff. Aos 71 anos, ele foi condenado a um século e meio de prisão por lavar dinheiro e falsear balanços numa pirâmide financeira de US$ 63 bilhões, na qual tinha sócios no mundo todo, incluindo investidores cariocas (no fundo Fairfield Greenwich).
No ano passado os tribunais brasileiros produziram apenas 416 sentenças definitivas em crimes de corrupção e 547 em casos de lavagem de dinheiro — cerca de 10% da média anual da Justiça americana.
As estatísticas judiciais confirmam o senso comum sobre a impunidade no país, captada em pesquisas de opinião como as da Transparência Internacional. Da última, o Brasil emergiu mais parecido com Ruanda, nos Grande Lagos africanos, e Vanatu, na Melanésia, do que com os vizinhos Chile e Uruguai.
Corrupção é mito na Justiça de Brasília
Existem 5.354 processos criminais por corrupção em andamento nos tribunais superiores, federais e estaduais. Num país com mais de dez milhões inscritos na folha da União, de estados e prefeituras, significa um processo por grupo de mil servidores. Na média, foram abertos 15 novos casos por dia durante o ano passado. A maior parte (60%) começou na Justiça estadual e teve como réus ocupantes de cargos médios da administração pública.
Políticos e altos burocratas são absoluta minoria —- reflexo do predomínio de influência das elites estaduais. Em Rondônia, por exemplo, um ex-senador do PMDB, Mário Calixto, coleciona 146 processos e várias condenações, inclusive por corrupção. Certa vez foi preso. Por 45 dias.
Juntos, os tribunais dos estados mais ricos (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) têm apenas 801 processos por corrupção em andamento. Em contraste, o Rio Grande do Sul sozinho mantém 579, o que sugere menor tolerância com a impunidade. Em São Paulo, os casos em tramitação são poucos (17) e os julgamentos raros (houve um no ano passado). Em compensação, proliferam recursos: média de 315 para cada processo.
Corrupção é mito em Brasília, se a referência for o Judiciário local: somente 50 casos estão em andamento. E não existe em Roraima, onde há apenas dois processos. Amazonas tem seis; Acre, nove; e Goiás, 34.
O Rio mantém 106 inquéritos judiciais e ações penais por crime de corrupção. É pouco, admite Manoel Rebêlo, presidente do Tribunal de Justiça, que explica:
— Reduzimos para 80 dias o tempo médio entre o início e o julgamento de um processo. É a melhor média do país. Em São Paulo leva-se dois a três anos entre o protocolo e a chegada à mesa do juiz.
Acrescenta: — A verdade é que temos uma quantidade infindável de recursos processuais. E, é bom lembrar, foi o Legislativo que permitiu isso.
É uma visão realista, para aqueles que trabalham no resgate do dinheiro público desviado. Jorge Hage, ministro-chefe da Controladoria Geral da União, anda comemorando um recorde: nos últimos 12 meses, a média de êxito nas ações de recuperação foi de 15% dos casos julgados, somando R$ 330 milhões — há quatro anos, era de apenas 1%. A cada discurso, faz o mesmo desabafo:
— É quase impossível, hoje, ver um processo condenatório chegar ao fim no Brasil. Um bom advogado pode impedir, por dez ou vinte anos, uma sentença condenatória. E são justamente os criminosos engravatados — não é o criminoso comum — que podem pagar os melhores advogados.
Os registros da Controladoria são eloquentes. A corrupção foi motivo de 56% das demissões punitivas realizadas pelo governo federal nos últimos oito anos. De janeiro a novembro foram expulsos 311 servidores — um por dia —, a maioria nos ministérios da Previdência, Educação, Justiça, Fazenda e Saúde.
Esforços de depuração são perceptíveis no Judiciário. Semana passada, o Conselho Nacional de Justiça afastou o juiz Francisco Betti, do Tribunal Regional Federal da 1 Região (Brasília), por suspeita de receber propina. E determinou inspeções extraordinárias em tribunais de 22 estados para apurar "movimentações financeiras atípicas de magistrados e servidores" detectadas pelo serviço federal de inteligência financeira. Certamente vai ser necessário muito mais para mudar a percepção coletiva de impunidade.
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