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"Mesmo submetido à assepsia limitante da urna eletrônica, que impede os insultos e palavrões, o voto nulo é uma luz que fica muito mais vermelha numa eleição como essa se o somarmos aos votos em branco e às abstenções. Na cidade de São Paulo, os eleitores desalentados, 2.490.513, superaram em muito os dois primeiros colocados da votação válida", escreve José de Souza Martins, sociólogo, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 14-10-2012.
Segundo o sociólogo, o fenômeno suger "uma crise da representação política e mesmo o declínio dos partidos". Ou seja, "uma parcela ponderável dos brasileiros está tendo seus direitos políticos cassados por falta de um sistema partidário que dê efetivamente conta do que a representação política deveria ser".
Eis o artigo.
A indicação de que cresceu a proporção de votos nulos nessas eleições propõe, mais uma vez, a questão da compreensão do significado do antivoto ou do abandono do título eleitoral para expressar omissão e desinteresse político por uma eleição. Essas variantes do desalento político do eleitorado constituem, provavelmente, a mais interessante revelação da manifestação eleitoral recente, até mais que o rearranjo de posições partidárias que a votação válida indicou. O cansaço do eleitor está indicando, em suas diferentes formas de manifestação, o declínio do homem político e da própria política.
Abstenção, voto em branco e voto nulo parecem indicar uma gradação do desalento dos eleitores, começando daqueles que recusam desde a eleição propriamente dita, passando pelos que recusam os candidatos e partidos disponíveis e chegando àqueles que não só não se identificam com as alternativas oferecidas como se punem, anulando-se como eleitores ao anularem seu voto. Aqui, não é a recusa da cidadania nem a recusa de partidos e candidatos: é a recusa da política propriamente dita através de um gesto que será interpretado corretamente se interpretado como gesto político dos que não encontram abrigo nos canais partidários de expressão política.
É evidente que no interior da categoria dos aproximadamente 15% que se abstiveram nos colégios eleitorais mais importantes do País há desde os que, por idade, estão liberados de comparecer às urnas, como se diz, até os que, tendo mudado de município de residência, não providenciaram a mudança do domicílio eleitoral. Nos dois casos o eleitor preserva seus direitos eleitorais, embora não os exerça. Pode mudar de ideia e votar, como pode, se quiser, providenciar a transferência do título em tempo hábil, processo simples e fácil. Portanto, quem anula o voto não está distante dos que votam em branco nem propriamente discrepa dos que se abstêm.
O voto em branco é um voto cidadão e é por isso voto válido. O eleitor cumpre seu dever, mas nega seu voto aos candidatos disponíveis. O voto nulo já é mais complicado e nem por isso deixa de ser legítima manifestação do eleitor, ainda que deplorável porque expressa uma vontade política que não se materializa em nenhuma mensagem compreensível. O caso recente de sucedâneo do voto nulo foi o da acachapante votação do palhaço Tiririca, que se ofereceu explicitamente como candidato do deboche a deputado federal e foi eleito: "Vote em Tiririca que pior não fica". O eleitorado enviou à Câmara dos Deputados um representante que relembraria a seus pares, diariamente, o que deles pensa o eleitor.
Mesmo submetido à assepsia limitante da urna eletrônica, que impede os insultos e palavrões, o voto nulo é uma luz que fica muito mais vermelha numa eleição como essa se o somarmos aos votos em branco e às abstenções. Na cidade de São Paulo, os eleitores desalentados, 2.490.513, superaram em muito os dois primeiros colocados da votação válida: José Serra (PSDB) teve 1.884.849 votos e Fernando Haddad (PT) teve 1.776.317 votos.
No Rio de Janeiro, a vitória em primeiro turno de Eduardo Paes (PMDB/PT), com 64,6% dos votos válidos, fica muito menos significativa se levarmos em conta que o segundo colocado foi o eleitor desalentado, que não votou em ninguém: 1.472.537 eleitores, uma vez e meia votação do colocado seguinte, Marcelo Freixo, do PSOL.
Em Belo Horizonte, o fenômeno se repetiu. Márcio Lacerda (PSB/PSDB) teve 676.215 votos e foi eleito com 52,6% da votação válida. Patrus Ananias, do PT, teve 523.645 votos, enquanto os eleitores desalentados foram 576.673, segundo colocados.
Em Recife houve um fenômeno parecido. Geraldo Julio, do PSB, foi eleito em primeiro turno com 51,1% dos votos. Mas o segundo colocado, Daniel Coelho, do PSDB (245.120 votos) e Humberto Costa, do PT (154.460 votos), tiveram individualmente menos votos do que o número de eleitores desalentados, 283.279, que nesse caso ficaram em segundo lugar.
Em Salvador, os desalentados foram 589.437 eleitores, mais numerosos que os votos do primeiro colocado, ACM Neto, do DEM, que teve 518.976 votos, e Pelegrino, do PSB/PCdoB, com 513.350 votos.
O mesmo fenômeno ocorreu em Fortaleza, onde Elmano, do PT, teve 318.262 votos, Roberto Cláudio, do PTB, teve 291.740 votos e Moroni, do DEM, teve 172.002 votos. Ali os eleitores desalentados foram 361.211, bem mais do que o primeiro colocado.
Em Porto Alegre, em que Fortunati, do PDT, foi eleito em primeiro turno com 517.969 votos, a segunda colocada, Manuela d'Avila, do PCdoB, teve os votos equivalentes à metade dos eleitores desalentados, que somaram 282.048.
O fenômeno se repetiu, ou quase, em diversas outras capitais e em outros municípios emblemáticos. O que sugere uma crise da representação política e mesmo o declínio dos partidos. Uma parcela ponderável dos brasileiros está tendo seus direitos políticos cassados por falta de um sistema partidário que dê efetivamente conta do que a representação política deveria ser.
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