domingo, 29 de dezembro de 2013

Para Sarney, os presos e seus familiares não fazem parte da “sociedade”.



NÓS E ELES

28 de dezembro de 2013

Marcos Rolim

Em São Paulo, jovens da periferia – em sua grande maioria negros – inventaram o “rolezinho”.



Com a expressão, eles identificam a proposta de se encontrarem em shoppings para dar uma “banda”, um “rolé” (giro, passeio, volta); iniciativa articulada, claro, pelas redes sociais. Então, funciona assim: o consumidor típico de shopping, branco de classe média, olha para o lado e vê algumas dezenas ou centenas de jovens negros se deslocando no interior do estabelecimento, cantando e se divertindo. O que ocorre? As lojas fecham, os clientes correm, os seguranças ficam atônitos, a polícia é convocada às pressas e dezenas de prisões são efetuadas. Qual o crime cometido pelos jovens? Nenhum. O que eles deviam saber é que “o seu lugar” não é ali. Para o apartheid racial e social praticado no Brasil, pobres e negros não têm o que fazer em shoppings. Se ali estão e em grupo, a ousadia só pode ser deboche, ameaça, “arrastão”. Em seu texto para o site do El País Brasil (“Os novos vândalos’ do Brasil”), Eliane Brum transcreveu a frase de uma das frequentadoras do Shopping de Guarulhos, registrada pela repórter Laura Carpiglione da Folha de São Paulo: “Tem de proibir este tipo de maloqueiro de entrar em um lugar como este”. Se fossem jovens brancos, a mobilização seria vista como um flash mob, haveria fotos e registros bem humorados na mídia. Negros e pobres, entretanto, não podem ultrapassar os muros do gueto. Para garantir a separação, os empresários exigem que a Polícia Militar atue dentro dos shoppings. Não me impressionará se a demanda for atendida.

No Brasil, se imagina que a violência esteja disseminada. Não está. Pelo menos não a violência mais grave, a que envolve homicídios e crimes como o estupro. Quem conferir as estatísticas sobre homicídios no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde verá que a taxa de assassinatos de negros no Brasil é de 36 mortes por 100 mil, entre não negros, esta taxa é de 15,2. Quase todas as vítimas e, especialmente, os negros são pobres e moram nas periferias. A violência está concentrada ali. Os que residem no gueto não possuem saneamento, lazer, centros culturais, boas escolas ou hospitais. Os residentes destes batustões também não conhecem polícias capazes de proteger as pessoas. Não nos faltam prisões como Robben Island, a masmorra onde os racistas enterraram Mandela por 27 anos. Nos faltam Mandelas e nos sobram Vorsters e Bothas.

No Maranhão, 59 presos foram executados apenas em 2013. No cadeião de Pedrinhas, em São Luís, os chefes das facções criminais obrigam os presos a cederem suas irmãs e esposas para o estupro, sob pena de morte. O senador José Sarney em mensagem natalina, transmitida pela Rádio Mirante AM, uma das emissoras do seu império, vangloriou-se de que o governo de sua filha, Roseana, impediu que a violência que existe nos presídios atingisse as ruas. “Nós temos conseguido que aqui essa coisa não extrapole para a própria sociedade”, disse. Para Sarney, os presos e seus familiares não fazem parte da “sociedade”. Novamente, a lógica do apartheid que se pretende invisível e mudo; nós e eles, a “sociedade” e os que estão fora da “sociedade”. Até quando?

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