http://www.conjur.com.br/2012-jun-24/supremo-trfs-discordam-conceito-organizacao-criminosa?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter
Os Tribunais Regionais Federais têm adotado postura contrária ao Supremo Tribunal Federal em relação às organizações criminosas. Enquanto a instância máxima da Justiça brasileira tem decidido que não existe o tipo penal “organização criminosa” no sistema jurídico brasileiro e, por isso, ele não pode ser utilizado para definir crime, para desembargadores é possível adotar a definição que consta na Convenção de Palermo, ratificada pelo Brasil, como agravante de penas.
No julgamento em que concedeu Habeas Corpus e encerrou Ação Penal contra o casal Estevam Hernandes Filho e Sonia Haddad Moraes Hernandes, líderes da Igreja Renascer em Cristo, a 1ª Turma do STF acatou o argumento da defesa de que não existe a tipificação penal para organização criminosa, definida na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional — a Convenção de Palermo, introduzida na lei brasileira pelo Decreto 5.015/2004 — como “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”. Na denúncia, o Ministério Público Federal usou o conceito de organização criminosa como crime antecedente para a lavagem de dinheiro.
O relator do caso, ministro Marco Aurélio, afirmou que aceitar “a definição emprestada de organização criminosa seria acrescentar à norma penal elementos inexistentes, o que seria uma intolerável tentativa de substituir o legislador, que não se expressou nesse sentido”. Embora o Decreto 5.015 tenha ratificado a convenção que traz o conceito de organização criminosa, o crime precisa ser introduzido no Código Penal.
Hernandes e Sonia eram acusados de integrar uma organização criminosa que, segundo denúncia do Ministério Público Federal, se valeria da estrutura da igreja e de empresas vinculadas para arrecadar dinheiro, ludibriando fiéis mediante fraudes. A denúncia atribuía aos líderes religiosos o uso, em proveito próprio, de recursos oferecidos para finalidades ligadas à igreja, além do lucro com a condução de diversas empresas, desvirtuando as atividades assistenciais.
O artigo 5º da convenção, que trata do crime de participação em grupo criminoso organizado, diz que “cada Estado Parte adotará as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração penal” o ato de organizar, dirigir, ajudar, incitar, facilitar ou aconselhar a prática de uma infração grave que envolva a participação de um grupo criminoso organizado.
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio pontua que, mesmo tendo assinado a convenção, o Brasil não cumpriu as medidas exigidas pelo documento. “Haveria necessidade de providência no interior do Estado signatário da convenção, posto não se mostrar automático ou imediato o preenchimento da lacuna no ordenamento interno”.
Nos Tribunais Regionais Federais, porém, a impressão é outra. Muitos desembargadores, entrevistados pelo Anuário da Justiça Federal 2012, responderam que o pertencimento a organização criminosa, mesmo que não esteja tipificado penalmente, pode ser utilizado como agravante no cálculo da pena a ser imposta.
O desembargador José Lunardelli, da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, afirma que, “na ausência de legislação interna, pode-se utilizar o conceito da Convenção de Palermo, que tipifica a organização criminosa”. O colega Johonson de Salvo, também da 1ª Turma, entende que o conceito é comparável ao crime de quadrilha ou bando, o que também serve como agravante. Compartilha da mesma opinião a desembargadora Cecília Mello, da 2ª Turma do tribunal. Em decisão citada no Anuário, a desembargadora Vesna Kolmar, da 1ª Turma, ao julgar Apelação Criminal contra um traficante, rejeitou conceder atenuantes e pena alternativa por entender que o acusado de tráfico integrava uma organização criminosa.
Para o desembargador Cotrim Guimarães, da 2ª Turma do TRF-3, é possível admitir a organização criminosa como agravante, uma vez que crimes financeiros e tráfico só são possíveis com a participação de um número significativo de pessoas. O colega Nelton dos Santos lembra ainda que o termo "organização" é mencionado na Lei de Drogas. "E nada impede que o Judiciário delimite o que seja uma organização criminosa", diz. "O crime de associação para o tráfico, por exemplo, está tipificado."
No Tribunal Regional Federal da 5ª Região, o desembargador José Lázaro Alfredo concorda que o chamado “mula” — pessoa que transporta drogas pela fronteira — pode ser classificado como pertencente à organização criminosa, por ser coautor.
No projeto do novo Código Penal, concluído neste mês pela comissão de juristas organizada pelo Senado para rever o texto da norma, o crime de organização criminosa deverá ser tipificado, como deu a entender o ministro Gilon Dipp, em entrevista à revista Consultor Jurídico.
O criminalista Pierpaolo Bottini afirma que já há um projeto de lei que copia a definição da Convenção de Palermo para transformá-la em lei ordinária e que ele já está em andamento avançado.
Bottini explica que a decisão do Supremo não é vinculante e que a insegurança jurídica sobre o assunto só será sanada com a sanção de uma lei sobre a questão. "Decisões dos TRFs e até mesmo do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão são anteriores à essa do STF e não podem ser vistas como desobediência", pontua.
Texto alterado às 10h45 do dia 24 de junho de 2012 para acréscimo de informações.
No julgamento em que concedeu Habeas Corpus e encerrou Ação Penal contra o casal Estevam Hernandes Filho e Sonia Haddad Moraes Hernandes, líderes da Igreja Renascer em Cristo, a 1ª Turma do STF acatou o argumento da defesa de que não existe a tipificação penal para organização criminosa, definida na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional — a Convenção de Palermo, introduzida na lei brasileira pelo Decreto 5.015/2004 — como “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”. Na denúncia, o Ministério Público Federal usou o conceito de organização criminosa como crime antecedente para a lavagem de dinheiro.
O relator do caso, ministro Marco Aurélio, afirmou que aceitar “a definição emprestada de organização criminosa seria acrescentar à norma penal elementos inexistentes, o que seria uma intolerável tentativa de substituir o legislador, que não se expressou nesse sentido”. Embora o Decreto 5.015 tenha ratificado a convenção que traz o conceito de organização criminosa, o crime precisa ser introduzido no Código Penal.
Hernandes e Sonia eram acusados de integrar uma organização criminosa que, segundo denúncia do Ministério Público Federal, se valeria da estrutura da igreja e de empresas vinculadas para arrecadar dinheiro, ludibriando fiéis mediante fraudes. A denúncia atribuía aos líderes religiosos o uso, em proveito próprio, de recursos oferecidos para finalidades ligadas à igreja, além do lucro com a condução de diversas empresas, desvirtuando as atividades assistenciais.
O artigo 5º da convenção, que trata do crime de participação em grupo criminoso organizado, diz que “cada Estado Parte adotará as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração penal” o ato de organizar, dirigir, ajudar, incitar, facilitar ou aconselhar a prática de uma infração grave que envolva a participação de um grupo criminoso organizado.
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio pontua que, mesmo tendo assinado a convenção, o Brasil não cumpriu as medidas exigidas pelo documento. “Haveria necessidade de providência no interior do Estado signatário da convenção, posto não se mostrar automático ou imediato o preenchimento da lacuna no ordenamento interno”.
Nos Tribunais Regionais Federais, porém, a impressão é outra. Muitos desembargadores, entrevistados pelo Anuário da Justiça Federal 2012, responderam que o pertencimento a organização criminosa, mesmo que não esteja tipificado penalmente, pode ser utilizado como agravante no cálculo da pena a ser imposta.
O desembargador José Lunardelli, da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, afirma que, “na ausência de legislação interna, pode-se utilizar o conceito da Convenção de Palermo, que tipifica a organização criminosa”. O colega Johonson de Salvo, também da 1ª Turma, entende que o conceito é comparável ao crime de quadrilha ou bando, o que também serve como agravante. Compartilha da mesma opinião a desembargadora Cecília Mello, da 2ª Turma do tribunal. Em decisão citada no Anuário, a desembargadora Vesna Kolmar, da 1ª Turma, ao julgar Apelação Criminal contra um traficante, rejeitou conceder atenuantes e pena alternativa por entender que o acusado de tráfico integrava uma organização criminosa.
Para o desembargador Cotrim Guimarães, da 2ª Turma do TRF-3, é possível admitir a organização criminosa como agravante, uma vez que crimes financeiros e tráfico só são possíveis com a participação de um número significativo de pessoas. O colega Nelton dos Santos lembra ainda que o termo "organização" é mencionado na Lei de Drogas. "E nada impede que o Judiciário delimite o que seja uma organização criminosa", diz. "O crime de associação para o tráfico, por exemplo, está tipificado."
No Tribunal Regional Federal da 5ª Região, o desembargador José Lázaro Alfredo concorda que o chamado “mula” — pessoa que transporta drogas pela fronteira — pode ser classificado como pertencente à organização criminosa, por ser coautor.
No projeto do novo Código Penal, concluído neste mês pela comissão de juristas organizada pelo Senado para rever o texto da norma, o crime de organização criminosa deverá ser tipificado, como deu a entender o ministro Gilon Dipp, em entrevista à revista Consultor Jurídico.
O criminalista Pierpaolo Bottini afirma que já há um projeto de lei que copia a definição da Convenção de Palermo para transformá-la em lei ordinária e que ele já está em andamento avançado.
Bottini explica que a decisão do Supremo não é vinculante e que a insegurança jurídica sobre o assunto só será sanada com a sanção de uma lei sobre a questão. "Decisões dos TRFs e até mesmo do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão são anteriores à essa do STF e não podem ser vistas como desobediência", pontua.
Texto alterado às 10h45 do dia 24 de junho de 2012 para acréscimo de informações.
Marcos de Vasconcellos é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 24 de junho de 2012
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