Com a elucidação parcial do caso Décio, governistas estão comemorando a maior realização do mandato de Roseana, fruto do trabalho de um segmento da polícia geralmente maltratado pelos governantes. O trabalho investigativo foi realmente digno de elogios. Gosto de ouvir a expressão "polícia republicana" na boca do Secretário de Segurança. É uma expressão que aproxima o sistema de segurança com a defesa dos direitos humanos, quando não utilizada como mera peça de retórica. Torço para que demonstrações de eficiência como essas sejam capazes também de aumentar o efetivo de delegados, estruturar as delegacias, sobretudo as do interior e consolidar a perícia técnica no Estado (que atualmente até para fazer um exame de DNA precisa recorrer à ajuda de outros Estados). Polícia judiciária estruturada também dá voto, como se prova agora.
Apenas pelo prazer do bom debate, continuo a fazer reflexões sobre a elucidação parcial do caso. A emoção da euforia às vezes merece um pouco de contraponto de frieza racional. Mesmo que esse contraponto esteja equivocado, hipótese a que não me considero imune. Senão vejamos.
Achei simplista o discurso da Roseana quando afirma que nos governos dela o crime organizado não tem vez. Lançando mão apenas do que foi apurado em relação ao crime de Décio, constatamos que o jornalista denunciou as ações da quadrilha desde 2009, quando já estava operando em pleno vapor. Seus componentes empresários já estavam ricos, a partir de relações com o aparelho do Estado. Tais relações promíscuas com autoridades não se criam de um momento para outro, mas são obra de práticas oligárquicas, cujo cerne reside no patrimonialismo. É só lembrar de Zé Gerardo, Francisco Caíca e do bando Bel.
Também não entendi porque a Secretaria de Segurança resolveu antecipar a divulgação dos resultados da investigação, uma vez que mais gente - extremamente importantes, no dizer do Secretário - estão envolvidas com o bando. Depois desse estardalhaço, esses certamente já cuidam de apagar vestígios de suas ligações criminosas com a organização.
A princípio, não compreendi o papel do subcomandante do Batalhão de Choque no crime. Fornecer a arma - um produto tão fácil de encontrar no mercado criminoso - me pareceu uma exposição desnecessária para um oficial da PM. Depois soube que o tal Júnior "Bolinha" (José Raimundo Tales Chaves Júnior) costumava oferecer festas e encontros, geralmente frequentados por políticos e policiais. O sujeito mantinha relações típicas de máfia com determinadas autoridades. Quem são estas autoridades o sistema de segurança ainda fica nos devendo.
De igual modo, Gláucio tinha trânsito livre em determinados espaços do aparelho do Estado, inclusive em determinado gabinetes de parlamentares. Ficamos sem saber quais são estes espaços e quem são os parlamentares. Imaginamos que a organização criminosa teceu uma verdadeira rede de proteção dentro da máquina estatal, daí a coragem de praticar crimes ousados.
Também fiquei estupefato com a notícia de que alguns jornalistas mantiveram encontros com o agiota Gláucio Alencar, depois da morte de outro integrante do bando, em Teresina, o Júnior Brasil. O objetivo do encontro era evitar publicações que pudessem atingir a imagem da organização. Todo mundo fez de conta de que não entendeu nada. Então, tá.
Continuo sem entender como Valdênio Silva - que "era um elemento de alta periculosidade e já tinha sido preso por roubo
de cargas, além de envolvimento em crime de latrocícnio e um assassinato na
cidade de Teresina" - se livrou solto, mesmo não tendo sido encontrado indícios de sua participação no crime de Décio. Ele foi o primeiro a delatar a quadrilha e sabia muito. Ele foi executado no dia 11 de junho.
É fácil criticar agora o trabalho da polícia. É diferente quando se tem que tomar decisões no calor dos acontecimentos. Portanto, já antecipo minhas desculpas se exagero na crítica, que pretendo construtiva.
Chamou-me a atenção o fato de que o executor de Décio não utilizou nenhum veículo de apoio, do outro lado das dunas, por onde fugiu. Também não foi para o imóvel de apoio da quadrilha, nas proximidades da residência da governadora. Ele simplesmente foi andando, até a Curva do Noventa, num trajeto que levou aproximadamente quarenta minutos do seu precioso tempo de fuga. Durante todo o trajeto não foi abordado por nenhuma viatura policial, prova de que não houve cerco ao local do crime. Mesmo trocando de camisa, a polícia tinha as características físicas do criminoso, o que poderia ajudar na varredura.
Também merece reflexão o fato de que o executor teria saído da Ilha, no dia seguinte, pelo Ferry Boat, uma prova de que não houve bloqueio nas principais vias de saída da cidade. E entrou na baía armado, pois ali afirmou que se livrou da pistola ponto quarenta, utilizada no crime.
No mais, agora criamos uma outra expectativa: a de que todos os integrantes e colaboradores da quadrilha sejam responsabilizados efetivamente. Como disse a Governadora, nem que tenhamos que cortar na própria carne.
Nenhum comentário:
Postar um comentário