Luis Kawaguti
Atualizado em 22 de agosto,
2013 - 05:10 (Brasília) 08:10 GMT
O tema da desmilitarização da polícia voltou ao debate no
Brasil, após diversos episódios recentes de violência policial contra
manifestantes e o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, na favela da
Rocinha, no Rio de Janeiro.
Na Câmara Federal, uma nova PEC (Proposta de Emenda Constitucional) sobre o
tema foi apresentada aos parlamentares. Mas tanto ativistas quanto lideranças
políticas ainda não conseguiram chegar a um consenso sobre a pergunta: é
possível acabar com a militarização da polícia?Qualquer alteração nessa estrutura necessita de uma mudança constitucional. "A existência das polícias militares estaduais está expressamente prevista no artigo 144 da Constituição. Assim, somente uma emenda poderia alterar tal previsão", diz Valmir Pontes Filho, presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil.
A principal crítica de ativistas e políticos que pedem a desmilitarização é a cultura e a hierarquia às quais os militares são submetidos tanto em seu treinamento como no dia a dia.
"Os militares são preparados para defender o país. É uma metodologia diferente da necessária para lidar com o povo brasileiro", afirma o deputado Chico Lopes (PC do B), que elaborou há cerca de um mês a mais recente PEC sobre o assunto na Câmara.
"Alguns policiais militares tratam as pessoas como se fossem inimigas. A polícia tem que ter um papel social, mais humanizada e mais cidadã."
Sistema de gestão
Mas o coronel Íbis Pereira, chefe da Subdiretoria de Ensino da PM do Rio de Janeiro, avalia que é preciso diferenciar a ideologia de militarização – comum a ambas as polícias – do fato de uma delas adotar um sistema de gestão militarizado.
Segundo Pereira, a PM usa um estatuto de gestão de recursos e pessoal que é militar, mas essa característica não é o que determina se sua forma de agir é militarizada ou não.
A militarização, na avaliação do coronel, é uma ideologia e consiste na doutrina de entender o suspeito como um inimigo externo, ou um subversivo. "É olhar para uma favela e identificar como território que tem que ser conquistado. Ver a facção criminosa como um inimigo que precisa ser enfrentado a canhonadas", afirma.
"Mas o que enfrentamos são criminosos, que têm garantias e direitos".
Pereira diz à BBC Brasil que essa visão de mundo não é particular à PM, mas à toda segurança pública e ao próprio sistema de Justiça criminal.
Para o coronel, essa cultura não vem apenas do regime militar ou da própria formação da polícia no século 19, mas também de um sistema escravocrata que surgiu desde o Brasil colonial.
Ele lembra, ainda, que o pedreiro Amarildo, assim como a maioria dos milhares de detentos do sistema penitenciário brasileiro, vêm das classes sociais mais baixas e são negros ou pardos.
"A polícia é fruto da sociedade que aplaude quando um criminoso aparece sendo torturado em uma exibição no cinema do filme Tropa de Elite."
Pereira avalia que a forma de enfrentar o problema é humanizar toda a Justiça criminal, desde os policiais até advogados, promotores e juízes.
Sobreposição de tarefas
As propostas no Congresso
Ao menos três principais Propostas de Emenda
Constitucional relacionadas à desmilitarização tramitam no Congresso. A maioria
delas propõe a unificação das polícias civil e militar.
Deputado Chico Lopes (PC do B)
Em fase de coleta de assinaturas para ser apresentada
à Câmara. Não prevê a extinção da PM, mas cria uma polícia estadual estruturada
a partir de uma formação civil, e uma polícia municipal. Desta forma, a PM não
seria instantaneamente eliminada, mas sim substituída gradualmente pelas
polícias civis.
Senador Blairo Maggi (PR)
Levada ao Senado em 2011, está com o relator na
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Entre outros pontos, Maggi propõe
que os Estados possam criar uma polícia unificada. Oficiais da PM e delegados de
carreira poderiam ser transformados em delegados de uma polícia estadual única e
de hierarquia não militar
Celso Russomanno (PRB)
Tramita na Câmara desde 2009 e atualmente aguarda
designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. O
texto propõe a unificação das polícias e a desmilitarização do Corpo de
Bombeiros, que hoje tem funções de Defesa Civil.
"Não foi formada uma massa crítica em torno de uma proposta, mas isso pode mudar com as denúncias diárias (de violência policial) e com o fato de que o Estado está enfrentando movimentos sociais com a Polícia Militar em um Estado Democrático de Direito", afirma o parlamentar.
Em linhas gerais, as três propostas coincidem em unificar as polícias para acabar com os problemas da divisão de atribuições e da sobreposição de tarefas.
Analistas ouvidos pela BBC Brasil afirmam que um dos principais problemas da existência de duas polícias separadas é que nenhuma faz o ciclo completo de atendimento a uma ocorrência criminal. Em tese, a PM prende um suspeito que acaba de cometer um crime e o entrega à Polícia Civil, que inicia um trabalho de investigar e relatar o delito à Justiça.
Segundo os especialistas, a mesma polícia – militar ou civil – deveria começar e terminar todo o ciclo de atendimento à ocorrência.
Além disso, as duas polícias possuem unidades com as mesmas finalidades (tanto de investigação como de patrulhamento ostensivo), porém com comandos diferentes. Isso gera competição e falta de cooperação entre os dois órgãos na maioria dos Estados, de acordo com os pesquisadores.
Opiniões divididas
Para Eduardo Arruda Alvim, presidente da Comissão de Estudos de Processo Constitucional do Instituto dos Advogados de São Paulo, o processo de aprovação de uma Emenda Constitucional é muito complexo, e a desmilitarização da polícia só será possível se houver um grande consenso no Legislativo."É um problema de vontade política e, por enquanto, as opiniões parecem divididas", afirma Alvim. "Apenas com um grande consenso o quórum necessário será atingido."
A Proposta de Emenda Constitucional tem que ser aprovada em dois turnos, por maioria qualificada (três quintos do total de parlamentares), tanto na Câmara como no Senado – antes de ser promulgada.
O cabo Wilson Moraes, presidente da Associação de Cabos e Soldados da PM de São Paulo, afirmou à BBC Brasil que as associações de PMs são favoráveis à unificação das polícias – entre outros pontos porque permitiria a participação política dos militares na sociedade e tornaria possível o recebimento de horas extras trabalhadas.
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