http://www.brasildefato.com.br/node/11534
Apesar do avanço em políticas setoriais, criação de assentamentos ficou aquém das expectativas
Eduardo Sales de Lima,
da Redação
Completados dez anos da presença do Partido dos Trabalhadores (PT) no comando do governo federal ainda existem cerca de 150 mil famílias de trabalhadores rurais sem-terra acampadas em dezenas de acampamentos Brasil afora, lutando por seu pedaço de terra. Surpreendentemente, nos oito anos do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso foram criados 4.410 assentamentos. Na década de Lula/Dilma o número foi de 3.711. Os dados são do Dataluta/Unesp – Banco de dados da Luta pela Terra.
Segundo o doutor em sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e docente na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), César Sanson, o balanço que se faz da administração petista em relação à reforma agrária é ruim. “O PT no poder não teve a coragem suficiente para interferir e alterar a estrutura agrária brasileira. Mesmo tendo em mãos instrumentos que lhe permitiriam radicalizar a distribuição de terras, tratou o tema de forma conservadora e burocrática. O retrocesso foi exatamente esse, a falta de ousadia em fazer uma grande, profunda e corajosa reforma agrária no país”, critica o sociólogo.
Ao menos, o executivo tentou conduzir a sociedade rumo à descriminalização dos movimentos sociais camponeses. Segundo Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, com a chegada do PT ao governo, foi inaugurada uma nova postura do executivo frente às lutas sociais, distinta de Collor e FHC, que buscaram destruir o movimento. “Com o PT no poder, a tarefa [de perseguir e criminalizar os movimentos sociais do campo] coube a outros poderes que compunham o Estado brasileiro. Neste caso, tivemos uma brutal criminalização por parte do poder judiciário e do parlamento, inclusive criando duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) contra o MST e uma terceira contra todas as ONGs e movimentos sociais”, reforça Alexandre. O militante sem-terra pondera, contudo, que o PT pouco fez para impedir o processo de criminalização dos movimentos sociais do campo. Segundo ele, poucos deputados e senadores do partido têm defendido as organizações sociais, e quando o fazem, trata-se de uma iniciativa de seus mandatos, não uma definição partidária.
Pinga-gotas
Alexandre Conceição acredita que no início da primeira gestão de Lula houve avanços em relação à desapropriação de terras e, consequentemente, a criação de assentamentos. Em seu primeiro ano, 2003, foram criados 333 assentamentos (29.723 famílias beneficiadas). Dois anos depois, o Brasil testemunhou o ápice da criação dos assentamentos na Era PT, com a criação de 885 assentamentos, com 106.319 famílias adquirindo suas terras (veja no gráfico).
A partir de 2007, contudo, “puxaram o freio de mão” nas desapropriações, como afirma Conceição. Foram criados apenas 391 assentamentos no ano.
Quatro anos depois, com a desapropriação de terras num processo de declínio, o primeiro ano do governo Dilma, em 2011, contabilizou míseros 109 assentamentos (9.079 famílias beneficiadas).
“O que se assistiu [nos últimos dez anos] foram desapropriações a ‘pinga-gotas’ e assim mesmo por pressão do MST. O avanço se resumiu a não criminalização dos movimentos sociais e à ampliação de convênios, muito pouco para um governo de esquerda”, avalia César Sanson.
Uma das conclusões de analistas e movimentos é a de que o Estado brasileiro tem preferido fazer a regularização fundiária em terras públicas a desapropriar latifúndios no campo brasileiro para fins de reforma agrária, o que, de fato, ocorreu predominantemente na Amazônia, em terras ocupadas por posseiros.
A regularização de terras públicas ocupadas tem sido o modo mais viável para o Executivo agir, tendo em conta que o PMDB – um dos representantes dos interesses ruralistas no Congresso Nacional – é um forte aliado para a governabilidade, como o Brasil de Fato constantemente tem reforçado.
Programas
Porém, no processo de desenvolvimento das áreas de assentamento e de áreas rurais como um todo, os governos de Lula e Dilma avançaram significativamente. É o que acredita William Clementino, secretário de Políticas Agrárias da Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. “[Lula] Reforçou um novo processo de assistência técnica, de melhoria da qualidade da produção e acesso a crédito, mas que também é insuficiente para a demanda dos trabalhadores do campo no Brasil”, afirma.
No período Lula, foram criados outros programas voltados à garantia de comercialização e preço mínimo para a agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). “Com isso foi resgatado o papel da Conab”, avalia Alexandre Conceição. O programa de compra antecipada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), por exemplo, tem efeito direto no aumento da produção, na renda e na segurança. Mas ainda estão limitados os recursos e o número de famílias atingidas, um universo menor que 10% das famílias assentadas.
Outros dois importantes programas, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) também têm feito diferença na vida dos camponeses.
Entretanto, é preciso dizer que atualmente, segundo informam as organizações sociais camponesas, menos de 10% das quase 800 mil famílias assentadas têm acesso ao Pronaf. E quanto ao Pnae, que reserva 30% dos recursos para agricultura familiar, ainda existe uma forte resistência em algumas prefeituras.
Em maio deste ano, o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Pepe Vargas, reforçou que o teto para o crédito de custeio ao agricultor familiar foi ampliado de R$ 50 mil para R$ 80 mil.
Dilma
Ao se considerar a reforma agrária como um processo amplo, que não envolve somente desapropriações e criação de assentamentos, os governos do PT implementaram uma nova fase em relação às políticas agrárias no país. Mas, de acordo com César Sanson, a visão tecnocrática que a presidenta Dilma Rousseff (PT) tem da reforma agrária, como parte um processo desenvolvimentista, prejudica, justamente, o progresso do país como um todo, principalmente no que se refere à distribuição de renda no campo. “O foco de Dilma é economia, emprego e desenvolvimento. E o campo nessa equação entra como uma base exportadora. Nesse contexto, a presidenta não vê reforma agrária como um mecanismo efetivo de desenvolvimento nacional, o quanto muito a vincula ao programa de erradicação da miséria”, avalia.
Dados oficiais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e que divergem dos números do Dataluta revelam que a presidenta atingiu em 2011 a pior marca dos últimos dezessete anos, contrariando a expectativa dos movimentos sociais do campo. Em 2011, 22.021 famílias conquistaram lotes em assentamentos, o que representa 61% do resultado de Lula, que em 2003 assentou outras 36.301 famílias.
11/01/2013
Eduardo Sales de Lima,
da Redação
Completados dez anos da presença do Partido dos Trabalhadores (PT) no comando do governo federal ainda existem cerca de 150 mil famílias de trabalhadores rurais sem-terra acampadas em dezenas de acampamentos Brasil afora, lutando por seu pedaço de terra. Surpreendentemente, nos oito anos do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso foram criados 4.410 assentamentos. Na década de Lula/Dilma o número foi de 3.711. Os dados são do Dataluta/Unesp – Banco de dados da Luta pela Terra.
Segundo o doutor em sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e docente na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), César Sanson, o balanço que se faz da administração petista em relação à reforma agrária é ruim. “O PT no poder não teve a coragem suficiente para interferir e alterar a estrutura agrária brasileira. Mesmo tendo em mãos instrumentos que lhe permitiriam radicalizar a distribuição de terras, tratou o tema de forma conservadora e burocrática. O retrocesso foi exatamente esse, a falta de ousadia em fazer uma grande, profunda e corajosa reforma agrária no país”, critica o sociólogo.
Ao menos, o executivo tentou conduzir a sociedade rumo à descriminalização dos movimentos sociais camponeses. Segundo Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, com a chegada do PT ao governo, foi inaugurada uma nova postura do executivo frente às lutas sociais, distinta de Collor e FHC, que buscaram destruir o movimento. “Com o PT no poder, a tarefa [de perseguir e criminalizar os movimentos sociais do campo] coube a outros poderes que compunham o Estado brasileiro. Neste caso, tivemos uma brutal criminalização por parte do poder judiciário e do parlamento, inclusive criando duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) contra o MST e uma terceira contra todas as ONGs e movimentos sociais”, reforça Alexandre. O militante sem-terra pondera, contudo, que o PT pouco fez para impedir o processo de criminalização dos movimentos sociais do campo. Segundo ele, poucos deputados e senadores do partido têm defendido as organizações sociais, e quando o fazem, trata-se de uma iniciativa de seus mandatos, não uma definição partidária.
Pinga-gotas
Alexandre Conceição acredita que no início da primeira gestão de Lula houve avanços em relação à desapropriação de terras e, consequentemente, a criação de assentamentos. Em seu primeiro ano, 2003, foram criados 333 assentamentos (29.723 famílias beneficiadas). Dois anos depois, o Brasil testemunhou o ápice da criação dos assentamentos na Era PT, com a criação de 885 assentamentos, com 106.319 famílias adquirindo suas terras (veja no gráfico).
A partir de 2007, contudo, “puxaram o freio de mão” nas desapropriações, como afirma Conceição. Foram criados apenas 391 assentamentos no ano.
Quatro anos depois, com a desapropriação de terras num processo de declínio, o primeiro ano do governo Dilma, em 2011, contabilizou míseros 109 assentamentos (9.079 famílias beneficiadas).
“O que se assistiu [nos últimos dez anos] foram desapropriações a ‘pinga-gotas’ e assim mesmo por pressão do MST. O avanço se resumiu a não criminalização dos movimentos sociais e à ampliação de convênios, muito pouco para um governo de esquerda”, avalia César Sanson.
Uma das conclusões de analistas e movimentos é a de que o Estado brasileiro tem preferido fazer a regularização fundiária em terras públicas a desapropriar latifúndios no campo brasileiro para fins de reforma agrária, o que, de fato, ocorreu predominantemente na Amazônia, em terras ocupadas por posseiros.
A regularização de terras públicas ocupadas tem sido o modo mais viável para o Executivo agir, tendo em conta que o PMDB – um dos representantes dos interesses ruralistas no Congresso Nacional – é um forte aliado para a governabilidade, como o Brasil de Fato constantemente tem reforçado.
Programas
Porém, no processo de desenvolvimento das áreas de assentamento e de áreas rurais como um todo, os governos de Lula e Dilma avançaram significativamente. É o que acredita William Clementino, secretário de Políticas Agrárias da Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. “[Lula] Reforçou um novo processo de assistência técnica, de melhoria da qualidade da produção e acesso a crédito, mas que também é insuficiente para a demanda dos trabalhadores do campo no Brasil”, afirma.
No período Lula, foram criados outros programas voltados à garantia de comercialização e preço mínimo para a agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). “Com isso foi resgatado o papel da Conab”, avalia Alexandre Conceição. O programa de compra antecipada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), por exemplo, tem efeito direto no aumento da produção, na renda e na segurança. Mas ainda estão limitados os recursos e o número de famílias atingidas, um universo menor que 10% das famílias assentadas.
Outros dois importantes programas, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) também têm feito diferença na vida dos camponeses.
Entretanto, é preciso dizer que atualmente, segundo informam as organizações sociais camponesas, menos de 10% das quase 800 mil famílias assentadas têm acesso ao Pronaf. E quanto ao Pnae, que reserva 30% dos recursos para agricultura familiar, ainda existe uma forte resistência em algumas prefeituras.
Em maio deste ano, o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Pepe Vargas, reforçou que o teto para o crédito de custeio ao agricultor familiar foi ampliado de R$ 50 mil para R$ 80 mil.
Dilma
Ao se considerar a reforma agrária como um processo amplo, que não envolve somente desapropriações e criação de assentamentos, os governos do PT implementaram uma nova fase em relação às políticas agrárias no país. Mas, de acordo com César Sanson, a visão tecnocrática que a presidenta Dilma Rousseff (PT) tem da reforma agrária, como parte um processo desenvolvimentista, prejudica, justamente, o progresso do país como um todo, principalmente no que se refere à distribuição de renda no campo. “O foco de Dilma é economia, emprego e desenvolvimento. E o campo nessa equação entra como uma base exportadora. Nesse contexto, a presidenta não vê reforma agrária como um mecanismo efetivo de desenvolvimento nacional, o quanto muito a vincula ao programa de erradicação da miséria”, avalia.
Dados oficiais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e que divergem dos números do Dataluta revelam que a presidenta atingiu em 2011 a pior marca dos últimos dezessete anos, contrariando a expectativa dos movimentos sociais do campo. Em 2011, 22.021 famílias conquistaram lotes em assentamentos, o que representa 61% do resultado de Lula, que em 2003 assentou outras 36.301 famílias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário