quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

As leituras que levam ao equívoco

Interpretar um episódio de violência exige um pouco de capacidade de discernimento. Por isso, fazer jornalismo exige responsabilidade. A violência é um instrumento  muito perigoso, quando utilizada pelo mau jornalismo. Ela, pelo seu poder de comoção, pelo seu potencial dramático, ajuda a convencer com grande facilidade. Ninguém quer ser vítima da violência e todo mundo se coloca no lugar da vítima. São raros os casos onde a vítima leva a melhor, quando a violência envolve o crime. 
Por vários fatores, os criminosos levam grande vantagem, ainda que momentânea, porque toda carreira criminal é curta. O primeiro deles é que nunca sabemos quando seremos abordados por um criminoso. O elemento surpresa sempre está ao lado do crime. O segundo é que o cidadão comum nunca está preparado emocionalmente para o evento criminoso. 
O criminoso planeja e prepara friamente a ação criminosa. Escolhe a vítima, o momento e o lugar ideais para sua abordagem. O criminoso, por razões do ofício, está preparado emocionalmente para a eventualidade de um confronto. Pode planejar inclusive ações evasivas, para fugir e se defender.
Existe um certo tipo de jornalismo que, por incentivar a violência no seu cotidiano, vibra quando o cidadão comum abate um criminoso, reagindo com violência na mesma altura. Uma parte da população, deseducada por essa mídia, deflagra o costumeiro processo de devaneio, que concebe a possibilidade de o cidadão poder se defender por meios próprios, com a posse de armas de fogo.
Desde segunda-feira, em São Luís, o caso da advogada que conseguiu abater um assaltante, na entrada da agência do banco do Bradesco do Calhau, desperta grande curiosidade da mídia. A ânsia tresloucada por audiência fazem radialistas, apresentadores de programas policiais e blogueiros criarem versões criativas para o caso, à revelia da verdade e da ética.
Surgem logo os defensores da posse de arma, os protestos contra o sistema de segurança e pelo endurecimento das penas. Tudo tratado no palco de um jornalismo de comédia, sem dados, sem aprofundamento, sem conhecimento do assunto. Tudo jogado aos borbotões na cara do ouvinte, do telespectador, ou do leitor, como se a realidade fosse do jeito que eles apresentam.
Argumentos do tipo "os bandidos podem ter arma, o cidadão de bem não pode"; "esta cidadã é um exemplo a ser seguido"; "por que   a polícia está perseguindo essa mulher?"; "taí a prova de que o cidadão consegue se defender, se estiver armado", etc, são apenas uma pequena ilustração de como um episódio isolado, no contexto da realidade das abordagens criminosas, podem levar toda um população ao erro e ao equívoco.
Posso dizer com toda a clareza que conseguir atirar em um criminoso, antes que ele tire a sua vida, é situação tão rara quando ganhar na loteria. A maior parte das armas que estão em poder dos bandidos comuns não são armas de uso  restrito. O revólver 38, para se ter uma ideia, é o responsável pela maioria das mortes causadas por armas de fogo no Brasil. E maior parte das armas que estão em poder dos criminosos foram tomadas do cidadão comum. O fuzil AR-15, a pistola .40, são exceções honrosas e a realidade das ações das organizações criminosas das favelas e dos presídios do sudeste representam apenas uma pequena porcentagem dos episódios envolvendo o uso de armas de fogo no país.
Portanto, não se engane: não é boa ideia ter uma arma de fogo em casa, nem muito menos andar com ela.
No episódio do Bradesco, a vítima precisou de muita sorte para escapar ilesa, visto que os criminosos ainda atiraram contra ela. A distância com que um dos criminosos foi atingido, em posição de verdadeiro alvo móvel, exigiria muito mais do que perícia para um atirador, portando um mero revólver calibre 38. Sorte e Providência Divina.
Cuidado com os adeptos da violência no jornalismo. 

Um comentário:

Unknown disse...

Republicado em

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