sábado, 9 de abril de 2011
Reflexões sobre o desempenho do Judiciário Baiano
Por que o judiciário baiano é o mais lento do Brasil? *
Suum cuique tribuere (lema do TJBa.)[1]
Gerivaldo Alves Neiva, Juiz de Direito na Bahia.
A semana passada (31/03), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Relatório Final sobre o cumprimento das metas prioritárias do Poder Judiciário para 2010. A meta 1 previa o julgamento de “quantidade igual à de processos de conhecimento distribuídos em 2010 e parcela do estoque”. Leia mais...
Em nível nacional, esta meta teve cumprimento de 94, 23%. Com relação à justiça estadual, o percentual de cumprimento foi o seguinte:
Tribunal Percentual de cumprimento
TJAC 93,15 %
TJAL 88,35 %
TJAM 77,48 %
TJAP 112,17 %
TJBA 58,40 %
TJCE 70,00 %
TJDFT 92,11 %
TJES 80,39 %
TJGO 111,46 %
TJMA 88,53 %
TJMG 88,37 %
TJMS 104,83 %
YJMT 87,91 %
TJPA 164,68 %
TJPB 76,66 %
TJPE 110,72 %
TJPI 96,00 %
TJPR 84,79 %
TJRJ 94,03 %
TJRN 68,84 %
TJRO 82,27 %
TJRR 104,03 %
TJRS 111,44 %
TJSC 93,97 %
TJSE 117,22 %
TJSP 84,75 %
TJTO 84,59 %
Fonte: Conselho Nacional de Justiça.
Como se percebe, apenas os Tribunais dos estados do Amapá, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Roraima, Rio Grande do Sul e Sergipe superaram 100 % no cumprimento da meta. A Bahia, como de outras vezes, foi o último colocado com o percentual de 58,40 %.
Portanto, isto é fato: nós, juízes da Bahia, julgamos pouco mais da metade com relação ao número de processos distribuídos durante o ano de 2010, ou seja, nosso passivo foi aumentado em 42% com relação aos processos distribuídos em 2010.
Antes de querer apontar alguma causa para esta situação do judiciário baiano, quero compartilhar esta experiência: quando cheguei à Comarca de Conceição do Coité, em agosto de 1997, uma pessoa me solicitou para acabar com o sistema de entrega de fichas para atendimento pelo Cartório de Registro Civil. No dia seguinte, fui informado pelo Cartório que a distribuição de fichas era necessária para limitar o número de atendimentos diários. Não me convenci com a justificativa e determinei ao cartório que encerrasse a distribuição de fichas e passasse a atender todas as pessoas que solicitassem o serviço. Não adiantou. As pessoas começaram a dormir na porta do fórum para serem atendidas. Tentei nova solução com o remanejamento de mais servidores para o Cartório e as filas continuaram. Determinado a acabar com a fila, resolvi observar durante um a manhã o atendimento no cartório para tentar outra medida e depois de alguns minutos entendi todo o problema da lentidão. Pois bem, os registros eram feitos à mão em um “livrão” medindo mais ou menos 0,60cm por 0,40cm e pesando mais de um quilo. Enquanto uma pessoa lavrava o registro “na caneta”, as demais apenas observavam, pois não tinha como lavrar dois registros ao mesmo tempo. Estava tudo explicado. A solução não passava por senhas, filas, hora marcada ou pela quantidade de pessoas trabalhando no cartório. A única solução era acabar com o tal “livrão”.
A solução definitiva foi adotada algum tempo depois com o desenvolvimento, por um servidor do Juizado Especial Cível (Luciano Medreiros), de um aplicativo para o Cartório do Registro Civil e a doação de dois computadores por empresas da cidade. O aplicativo foi batizado de R e acabou com as filas do cartório, pois agora se concluía um registro em poucos minutos e a busca de registros antigos era realizada em poucos segundos. Assim, uma solução de baixíssimo custo e “made in Coité” resolveu um problema que parecia sem solução.
Evidente que não se pode comparar o problema de uma fila em um cartório de cidade do interior com o problema da morosidade do Poder Judiciário de um estado com as dimensões e peculiaridades como a Bahia. Da mesma forma, não se pode esperar que a mesa diretora de um Tribunal de Justiça, composta exclusivamente por Desembargadores, possa estar presente em todas as comarcas do interior do estado em busca do diagnóstico para a morosidade da justiça baiana, ou seja, em busca do “livrão” causador do problema.
Além disso, pode ser possível a um Juiz observar e resolver um problema de gestão localizado em sua comarca. De outro lado, para uma crise desse tamanho, a tarefa da elaboração do diagnóstico e encaminhamento de soluções deve ser empreendida por quem é do ramo, ou seja, que tem formação em gerenciamento e administração, o que não é o caso dos desembargadores membros de uma mesa diretora de Tribunal. Na verdade, o que muitas vezes agrava a crise do judiciário é o fato de desembargadores pensarem que realmente entendem de gerência de pessoal e administração de serviço público e passarem a baixar decretos e portarias, tentando solucionar o problema pelo alto e de forma autoritária.
Eu, de minha vez, sem a mínima pretensão de fazer isso sozinho, partindo apenas da minha experiência, posso garantir que sem pessoal qualificado nas varas, sem assessores, sem estagiários e sem um sistema moderno de gerenciamento das varas e movimentação processual, é impossível fazer mais do que temos feito. De fato, eu não posso fazer mais do que faço se a estrutura do Gabinete do Juiz do judiciário baiano é composta apenas por ele mesmo juiz. Como tenho dito, aqui sou eu e eu mesmo!
Finalmente, penso que devemos ter a coragem e a humildade de assumir que somos o último colocado; que não temos condições de fazer mais do que estamos fazendo e, por fim, ter a consciência de que não somos administradores ou gerentes de secretarias de varas, pois não temos conhecimento e nem competência para desempenhar tarefas para as quais não fomos formados. Nosso negócio, de juízes e desembargadores, é buscar a realização da Justiça através de nossas sentenças e decisões. Administrar o poder judiciário, definitivamente, não é o nosso forte. Em outras palavras, “cada qual no seu cada qual”, ou seja, juiz julgando e administrador administrando, apesar do CNJ nos impor, cada vez mais, tarefas típicas de administradores.
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[1] Brocardo latino que pode ser traduzido como “dar a cada um o que é seu”
* Texto publicado no blog do autor: http://gerivaldoneiva.blogspot.com/
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