Nos últimos dias, a imprensa brasileira vem divulgando informações e análises sobre o endividamento da economia brasileira capazes de assustar a um leitor desavisado. A Folha de São Paulo, por exemplo, informa em manchete que a “Dívida pública sobe 7,5% em 2012 e atinge R$ 2 trilhões”, assim como o Valor Econômico (edição impressa), que veio com manchete similar. Ambos culpavam o aumento dos gastos nas gestões petistas como as causas do aumento da dívida.
Ora, o fato da grande imprensa estar finalmente interessada na discussão sobre o endividamento público é algo que merece uma saudação especial. Afinal, o tema da dívida é um dos mais evitados pelos setores dominantes da sociedade brasileira, não apenas na imprensa, mas em outros círculos de poder (inclusive do Estado) também.
No entanto, apesar do tema ter entrado na agenda, a forma de sua inclusão não dá motivos para comemorações: tanto a matéria da Folha, quanto a do Valor trazem um viés liberal-ortodoxo embutido, que considera o aumento da dívida somente sob o ângulo do aumento dos investimentos (“gastos”) do governo federal. Ou seja, parecem saudosos da época em que o governo não investia e cortava “gastos” em todos os setores, em especial nas áreas sociais, para garantir o superávit primário que tanto tranquiliza os investidores e especuladores de títulos da dívida pública brasileira.
Só que uma leitura mais atenta das matérias demonstra que a razão do aumento da dívida não é apenas o aumento dos investimentos públicos, mas do pagamento de juros da dívida. Tal informação não está disponível nas capas dos respectivos jornais, apenas no miolo de suas reportagens. O que fica escondido é o fato de que, neste modelo atual, a dívida vai sempre crescer devido ao pagamento dos juros, mesmo se o governo parar de fazer seus investimentos, como era o caso na década de 1990. A única forma verdadeira de alterar esta situação seria realizando uma auditoria integral da dívida, conforme sugerido no relatório-sombra da CPI da Dívida no Congresso Nacional e entregue ao Ministério Público Federal, que infelizmente, não deu continuidade ao processo. Mas isso não aparece nas reportagens.
Os gastos e investimentos do governo federal, orientados por uma política econômica que ainda privilegia as elites em detrimento da distribuição de renda, devem ser acompanhados, criticados e debatidos pela sociedade. Muitos gastos são de fato injustificáveis, tanto do ponto de vista técnico-econômico, como ambiental ou social. O caso da hidrelétrica de Belo Monte é emblemático neste sentido (R$32 bilhões) [1], assim como os empréstimos e isenções fiscais à siderúrgica TKCSA, na ordem de R$ 5 bilhões [2]. Sem falar nos gastos com Mega Eventos esportivos, como Copa do Mundo (R$ 65 bilhões) [3] e Olimpíadas (R$12 bilhões) [4]. No entanto, se é verdade que tais gastos e prioridades orçamentárias devem ser monitorados e debatidos junto com a sociedade, não é verdade que eles sejam os culpados pelo aumento da dívida. Pelo menos não sozinhos.
A conclusão para a qual tais matérias sutilmente nos direciona vai no sentido de esquecer a origem e os verdadeiros mecanismos que produzem o gigantesco endividamento brasileiro, tornando mais difícil ainda a pressão por uma auditoria integral. Colocar os investimentos como culpados pelo aumento da dívida é um conhecido artifício neoliberal destinado a convencer a população de que o governo deveria gastar sempre menos (em vez de gastar melhor) e, assim, ocultar as verdadeiras fontes do endividamento do país: a rapina diária promovida pelo mercado financeiro, nacional e internacional.
Tanto é assim que as mesmas reportagens são obrigadas a reconhecer que os investimentos produziram aumentos no PIB que compensaram o aumento da dívida: se tomarmos em conta a relação dívida-PIB, somos informados que ela diminuiu em relação ao ano anterior, baixando ao patamar de 35,1%. Fica claro que o aumento do endividamento causado pelos “gastos” excessivos do governo foi mais do que contrabalançado pelo aumento da atividade econômica. O que fica de fora deste cálculo, então, só pode ser o pagamento com juros e amortizações da dívida, única variável que realmente explica, então, o tamanho do nosso enorme endividamento público.
Assim, é preciso sempre tomar cuidado para que não sejamos confundidos por “analistas” e “especialistas” de plantão na grande imprensa que, invariavelmente, estão mais interessados em propagar seus conhecidos mantras neoliberais (estado mínimo, corte de gastos sociais, privatizações) do que em realmente fazer uma análise honesta da situação econômica. De outro modo, nunca seremos capazes de entender porquê quase a metade (43,98%) do orçamento público federal vai diretamente para o pagamento de juros e amortizações das dívidas internas e externas. Em 2012, essa remuneração automática que o povo brasileiro concede ao capital financeiro globalizado atingiu a cifra de R$ 753 bilhões de reais.
Enquanto não apontarmos para a causa correta, nunca chegaremos à solução adequada. Se cairmos na armadilha de crer que são os gastos e investimentos públicos os “vilões” da dívida pública, nunca chegaremos nos verdadeiros culpados por esta situação: um modelo que prevê o financiamento do Estado através do endividamento e da financeirização da economia, propagado por representantes do mercado que ocupam posições nas bolsas de valores, bancos centrais, ministérios da fazenda e instituições financeiras multilaterais.
[1] Segundo dados do Movimento Xingu Vivo para Sempre: http://www.xinguvivo.org.br/2013/02/04/a-verdade-sobre-as-contas-da-usina-belo-monte-por-celio-berman[1] “Um paraíso fiscal em Santa Cruz”, produção do PACS, texto de Allan Mesentier (no prelo).
[1] Segundo as estimativas da Consultoria Legislativa do Senado Federal – junho/2012.
[1] Segundo Dossiê de Candidatura Rio 2016 – http://www.portaldatransparencia.gov.br/rio2016/matriz
Jubileu Sul Brasil
(com colaboração de Miguel Borba de Sá).
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