O Povoado Cajueiro está no centro de uma disputa que envolve grandes interesses: políticos, ambientais, fundiários e econômicos.
Os moradores desse espaço habitado desde os anos oitocentos jamais imaginariam que suas terras seria tão cobiçadas nos dias de hoje. O território está encravado na famosa Gleba Tibiri-Pedrinhas, de propriedade da União Federal e aforado ao Estado do Maranhão, nos termos do antigo Decreto 78.129/77.
Em 1998, o Estado do Maranhão, por intermédio de seu órgão de Terras, o ITERMA, transferiu o domínio útil das referidas terras, em regime condominial para os moradores do Cajueiro, numa dimensão de 610.0172 hectares, conforme as disposições da lei estadual n.º 3.840/77, para fins de implantação de um projeto de assentamento.
Em 2004, notícias da pretensão de instalação de um polo siderúrgico na região atemorizou os moradores. O pólo deveria ocupar inicialmente a área de 2.471,71 hectares. Para concretizar sua instalação, deveriam ser deslocados cerca de 14.500 habitantes, estabelecidos em doze povoados: Vila Maranhão, Cajueiro, Rio dos Cachorros, Taim, Porto Grande, Limoeiro, Anandiba, São Benedito, Vila Conceição, Parnauaçu Madureira e Camboa dos Frades. O projeto esbarrou em forte oposição por parte de povos e grupos sociais tradicionais, apoiados também por ambientalistas e por movimentos sociais.
O Decreto nº 20.727, de 23 de agosto de 2004, reformulou a área do Distrito Industrial de São Luís - DISAL, medindo 18.861,04ha, pavimentando o processo de instalação dos grandes empreendimentos na localidade. O Distrito Industrial de São Luís foi criado pelo Decreto Estadual nº 7.632, de 23 de maio de 1980.
A governadora Roseana Sarney, por intermédio de um estranho Decreto, de nº 27.291, de 05 de abril de 2011, declarou de utilidade pública a área, para fins de desapropriação total, em favor da empresa SUZANO PAPEL E CELULOSE, na Faixa de Área destinada à infraestrutura de energia e transportes, no Distrito Industrial de São Luís - DISAL.
A empresa pretendia a construção de um porto de onde seria exportada a celulose produzida nas fábricas do Maranhão e do Piauí. A Suzano tem planos para investir aproximadamente US$ 6 bilhões na região, entre a formação da base florestal e os investimentos na área industrial. O porto faz parte da estruturação da etapa final do projeto logístico das suas unidades de produção, consistente nas fábricas de Imperatriz e Nazária, no Piauí.
A de Imperatriz deverá ter sua produção escoada, em terra, pela mineradora Vale a partir das ferrovias do Carajás e Norte Sul. Já a unidade do Piauí, a ser instalada possivelmente no município de Nazária, nos arredores de Teresina, terá sua produção escoada pela Transnordestina Logística, controlada pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A produção nesta unidade tinha o início projetado para o segundo semestre de 2014.
Posteriormente, em 2007, a instauração do procedimento para a criação da Reserva Extrativista (RESEX) do Taim apontaram para a existência de várias comunidades tradicionais, habitando a mesma base geográfica proposta para a unidade de conservação: Porto Grande (169 famílias), Rio dos Cachorros (137 famílias), Taim (56 famílias), Cajueiro (107 famílias) e Tauá-Mirim (211), além de Limoeiro. À exceção da última, todas são assentamentos criados pelo Iterma.
Com a excessiva demora para a criação da Resex, o Ministério Público (MPF) ajuizou ação perante a justiça federal para responsabilizar civilmente o Instituto Chico Mendes pela omissão. A justiça federal concedeu a antecipação da tutela requerida em 29.08.2013.
O Estado do Maranhão sempre se opôs à criação da Resex, alegando que criaria obstáculos ao desenvolvimento econômico e que a área estaria inserida no Distrito Industrial - DISAL, estratégica para a logística em torno do Porto do Itaqui e demais empreendimentos ali existentes.
Desde o início do ano passado a empresa WPR, do consórcio da Suzano, passou a fazer levantamentos fundiários na área. Os moradores denunciaram que as ações envolviam ameaças, intimidações e intrusões nas áreas de posses centenárias, tituladas pelo Iterma. O licenciamento ambiental do empreendimento foi concedido pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, à revelia de qualquer análise fundiária e dos impactos sobre as comunidades tradicionais ali existentes.
Em Outubro de 2014, a Defensoria Pública conseguiu decisão judicial para impedir a intrusão da WPR, que proibia que os moradores exercessem suas posses livremente.
Por intermédio do Decreto nº 30.610, de 30 de Dezembro de 2014, o Governador Arnaldo Melo declarou declarou a área de utilidade pública, para fins desapropriação total, em favor de WPR Gestão de Portos e Terminais Ltda. Esse decreto é tão complicado quanto o de Roseana Sarney, de 2011: comete o mesmo erro de desapropriar diretamente em favor de uma empresa particular, desconhece as terras estaduais onde estão os assentamentos, desconsidera o domínio direto das terras da União, etc.
Agora, o Governador Flávio Dino revogou o decreto de Arnaldo Melo. Com o ato, uma nova etapa dessa luta se abrirá, com novas dinâmicas e partir de outros interesses, inclusive governamentais, como o da ampliação da área do Porto do Itaqui.
Ali, onde sobrevivem as fundações do antigo Terreiro do Egito, fundado por volta de 1864, muitas histórias povoam a memória de São Luís, cidade que primeiramente abrigou a identidade religiosa Mina, cujos sacerdotes ainda hoje visitam e reverenciam a área, encoberta pela mato rasteiro.
Esse terreiro foi fundado por Mãe Basília Sofia (Massinokou Alapong), originária de Cumassi, referência religiosa de Pai Euclides Talabian, da Casa Fanti-Ashanti e do saudoso Pai Jorge Itaci Kadanmanjá, do Terreiro de Yemanjá.
A tradição mais uma vez está no centro dos grandes interesses industriais que opõem nossas identidades ao progresso e ao desenvolvimento. A revogação do decreto do governador Arnaldo Melo é apenas um passo importante de uma luta que não pode cessar.
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