segunda-feira, 26 de maio de 2014
Pedrinhas, a pedra no sapato do governo
A pauta de reivindicações
O motim na CCPJ de Pedrinhas durou cerca de vinte horas. O Pavilhão "D", controlado pela facção "Bonde dos Quarenta Ladrão" impediu a saída de seus próprios familiares, após o dia de visita. Trinta e duas pessoas, apenas uma do sexo masculino, permaneceram dentro de um pavilhão escaldante, boa parte do tempo sem água.
Na noite de ontem, não foi possível a negociação e o clima era de muita tensão. Os presos denunciavam várias arbitrariedades e apresentaram uma lista de reivindicações, desde quatro horas da tarde. Logo no início da primeira interlocução, por volta de 21 h de ontem, a reivindicações variavam em torno da saída do diretor, da entrada da mídia no presídio e da oferta de água, que tinha sido cortada para forçar a negociação.
Como o governo não cedeu, as negociações foram suspensas, com ameaças veladas de quebra das cadeias, caso as reivindicações não fossem aceitas até as 22 h.
Hoje, no início da manhã, as negociações retornaram gradualmente. Impossível narrar com riqueza de detalhes cada lance, cada passo que foi dado, com inúmeros recuos e avanços, até que a pauta estivesse pronta para ser negociada definitivamente.
Terminamos por volta do meio dia. Os familiares foram liberados. Eram trinta e duas pessoas, que suportavam o calor escaldante de um pavilhão que a maior parte do tempo ficou sem água. A Seja publicou uma nota:
"A Secretaria de Estado de Justiça e Administração Penitenciária (Sejap) informa que foram liberados, no fim da manhã desta segunda-feira (26), todos os familiares que estavam retidos por parentes presos, na Central de Custódia de Presos de Justiça (CCPJ) de Pedrinhas, em São Luís.
A liberação ocorreu após a retomada das negociações com os detentos, com participação de representantes da Sejap, da Comissão de Direitos Humanos da OAB e dos presos, juntamente com seus familiares.
Reitera que os familiares dos detentos decidiram permanecer na unidade de forma solidária. Os presos que não deixaram os parentes saírem entregaram lista de exigências neste domingo (25)."
É até possível entender a mudança de enfoque, a partir dos interesses do governo. Dizer que não havia refém corrobora com o discurso da facção, que a todo momento buscava rebater as críticas formuladas por seu rival, o PCM.
O Primeiro Comando discorda das ações espetaculares do Bonde e também alguns de seus membros afirmavam que era um erro tomar os próprios familiares como reféns. Isto porque há um pacto de respeito aos familiares de presos. Os encontros íntimos ocorrem graças a esse tipo de pacto, no ambiente das celas pequenas e superlotadas.
No presídio, não se pode olhar para a mulher do outro preso, por isso eles geralmente se voltam para a parede, quando elas passam. Existe até a exigência de que estejam todos vestidos de camisa, quando elas se aproximam.
Mas uma vez, o Bonde inovou, criando novas formas de protesto, flexibilizando os rituais de honra no presídio. Por várias vezes, as lideranças da facção se mostraram irritados com a cobertura da mídia, que falava sempre a respeito da existência de reféns.
Para mim, o problema foi além da semântica. Refém é toda aquele que tem sua liberdade de ir e vir suprimida por ameaça ou violência. No caso, era muito difícil estabelecer uma margem de confiança absoluta de que nenhuma das trinta e duas pessoas pudessem estar ameaçadas na sua integridade física. Até mesmo porque os presos não exibiam tais familiares em sua totalidade, deixando apenas que uns poucos aparecessem e se manifestassem.
E em tais condições até o depoimento de um familiar pode não ser verdadeiro, mas condicionado pela ameaça.
Portanto, era impossível à Sejap afirmar com toda segurança de que nenhum dos familiares estivessem submetido a uma lógica da violência. As próprias circunstâncias desmentiam isso.
Diante do quadro apresentado, podemos afirmar que o sistema não tem como também garantir que novos movimentos de protestos, semelhantes a esses ocorram, até que haja espaços adequados para a recepção de familiares de presos, obedecendo-se a padrões mínimos de segurança.
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