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26 de abril de 2014
As pessoas imaginam que as prisões sejam o lugar para onde mandamos quem matou ou estuprou.
Trata-se de imagem falsa. O Brasil tem mais de meio milhão de presos (a quarta população carcerária do mundo em números absolutos), mas apenas 14,2% deles estão detidos por homicídio ou latrocínio. Os presos por crimes sexuais, por seu turno, são 3,4% da massa carcerária. A maioria dos que empilhamos nas prisões, na verdade, responde por furtos e roubos (39,3%) e por tráfico (24,4%). No primeiro grupo, há muitos “ladrões de galinha”; no segundo, também usuários condenados como se traficantes fossem. Os donos do tráfico não estão presos e, se a polícia desejar prendê-los, não precisará fazer operações em favelas.
No RS, a situação é mais impressionante. Em fevereiro deste ano, entre quase 4,4 mil internos no Presídio Central, havia 102 presos por homicídio (entre condenados e presos preventivos). Pouco mais de 2%. Eu disse 102 em 4,4 mil! Os últimos dados oficiais desagregados são de 2011. Naquele ano, o RS tinha só 3,4% de seus presos respondendo por homicídios ou latrocínios; 1,4% por crimes sexuais e 4,6% por crimes patrimoniais. Já os presos por tráfico eram 32,8%. Percebam o contraste com as médias nacionais. Se a realidade brasileira já evidencia que prendemos muitos que não deveriam ser presos enquanto não prendemos quem deveríamos prender, o RS consegue a façanha de produzir distorção mais grave.
A pergunta então é: por que há tão poucos presos por homicídio nacionalmente e ainda tanto menos no RS? A resposta é incômoda: homicídios raramente são esclarecidos no Brasil. Os matadores, assim, seguem matando. Ao contrário do que se costuma repetir, o processo não se explica por limitações da lei, mas pela incapacidade de produção da prova, pelas disfuncionalidades do modelo de polícia e pela inapetência dos governos.
Nos últimos 5 anos, estudei a formação de jovens violentos em meu doutorado em Sociologia. Neste período, pude testemunhar um processo de socialização perversa nas periferias, com meninos de 10, 11 anos se aproximando do tráfico na exata medida em que se evadem da escola. O processo viabiliza o que o criminólogo americano Lonnie Athens chamou de “treinamento violento”. Esta dinâmica pode ser a principal responsável pela formação de homicidas múltiplos (o que é diverso de assassinos seriais), pelo menos no âmbito dos grupos que investiguei (jovens estudantes da periferia de Porto Alegre, internos da Fase de perfil agravado e presos do Central).
O que ocorreu esta semana na Cruzeiro vem se repetindo há muitos anos em disputas pelo controle territorial da venda de drogas. Nas regiões conflagradas, é a população que vira refém de grupos armados, uma dinâmica que persiste porque não estamos falando de bairros chiques. As respostas do Poder Público seguem sendo tópicas e reativas e ainda há quem repita que nada se pode fazer para reduzir taxas de homicídio. A conta desta opção preferencial pelo nada é, como se sabe, paga pelos pobres. Por esta razão, tudo leva a crer que o Estado brasileiro seguirá seu ritmo preferido; devagar, quase parando.
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